Opinião
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25 de junho de 2019
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20:36

A moralidade seletiva para justificar práticas ilegais (por Edson Luís Kossmann)

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Sul 21
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A moralidade seletiva para justificar práticas ilegais (por Edson Luís Kossmann)
A moralidade seletiva para justificar práticas ilegais (por Edson Luís Kossmann)
Sérgio Moro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Edson Luís Kossmann (*)

Há uma afirmação, repetida por parte da mídia tradicional, como se fosse um mantra sagrado, de que se forem anuladas decisão tomadas em processos julgados pelo então juiz Sérgio Moro – com a execução de práticas ilegais de sua parte – estaria se golpeando o combate à corrupção. Nada mais equivocado que esse entendimento.

Corrupção não se combate por meio de um processo ilegal e corrompido. Agir assim, é apenas escolher com que tipo de corrupção se quer conviver.

O direito é a interdição da barbárie, enquanto que na ausência do direito cada indivíduo é senhor (e juiz) de sua razão, tendo por fundamento a sua moral individual ou do grupo ao qual pertence, no Estado de direito os indivíduos, grupos e o próprio Estado (e seus agentes, principalmente os juízes) estão limitados pelo regramento jurídico que disciplina e rege aquela comunidade jurídica. Portanto, agora, as limitações são legais e não mais morais.

O tema sobre a separação entre a moral e o direito tem sido assunto a muito discutido, tanto na doutrina jurídica estrangeira como na nacional. Porém, merece destaque que a discussão sobre interpretações morais na prática do direito, tem por fundamento as chamadas lacunas da lei, ou seja, o que deve o juiz fazer quando a lei apresentar lacunas, dando margem para “mais de uma” interpretação; e não, nas práticas ilegais, pois essas, por óbvio, afrontam diretamente o direito, sendo despiciente qualquer discussão no âmbito moral, pois já limitadas pelo próprio direito.

Ocorre que, chegamos a um ponto, por incrível que pareça, que mesmo havendo clara limitação legal, há quem pretenda represtinar a discussão (de eras passadas) de certa moralidade para superar o direito já estabelecido.

Mas porque a moral não pode superar o direito? Enquanto que a moral pode ser individual ou de determinado grupo (coletivo) político, religioso, etc., e, portanto, subjetiva, o direito deve valer para todos os cidadãos, independentemente de suas morais individuais ou coletivas. Por isso, embora se possa dizer que o direito é uma decorrência da síntese moral da sociedade que o produziu, a moral não pode continuar a produzir direito ad hoc, ou seja, conforme a vontade “moral” de quem o venha produzir.

O direito depois de produzido (por meio de um processo legislativo – por isso, também, a separação dos poderes em uma República) se separa da moral, que conforme já dito, geralmente é individual ou de determinado grupo e, portanto, não é uma mesma moral que sustenta toda a sociedade. Assim, não pode mais o direito ser influenciado ou sucumbir para a prevalência de determinada moral.

Mas porque não? Porque a moralidade, por ser individual ou de grupos, também é extremamente suscetível à seletividade, ou seja, o que vale em determinado fato, certamente não valerá para outro. Não necessariamente por má-fé, mas exatamente pela ausência da delimitação de sua abrangência. Quem decide quando, onde e para quem vale? Porque hoje se pode atropelar a lei para condenar alguém (com ou sem provas), e amanhã não? Porque vale para um, mas não se pode, sequer, melindrar outro?

Uma condenação sem provas e/ou por meio de um processo viciado e eivado de ilegalidades vale somente para o adversário (inimigo), mas não para o aliado (amigo); vale para o outro, mas não para mim. É possível imaginar o que aconteceria se cada um pensasse e agisse dessa forma.

Temos que questionar, o que se fará quando essa moralidade seletiva se tornar uma prática que substituir o direito e se voltar contra quem a defende. Quem salvará o moralista de sua própria imposição moral (seletiva)?

É por isso que o direito surge para interditar a barbárie e fazer com que possamos viver minimamente em uma sociedade civilizada. A civilização, o direito e um Estado democrático não é algo dado por alguma divindade (ou por fato da natureza), mas uma construção social. Manter um mínimo de direito e de democracia é optar pela sobrevivência de uma sociedade minimamente civilizada. Ou isto, ou a barbárie. A encruzilhada está à frente e de forma muito clara. Decidamos!

(*) Advogado, doutor em Direito Público.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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