Opinião
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5 de maio de 2019
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15:30

O golpe falido na Venezuela (por Bruno Lima Rocha e Pedro Guedes)

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Sul 21
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O golpe falido na Venezuela (por Bruno Lima Rocha e Pedro Guedes)
O golpe falido na Venezuela (por Bruno Lima Rocha e Pedro Guedes)
General Vladimir Padrino López, ministro da Defesa, classificou tentativa de golpe como “ato terrorista”. (Foto: Cancilleria Venezuela/Twitter)

Bruno Lima Rocha e Pedro Guedes (*)

Ocorrida no dia trinta de Abril, a tentativa de levante militar e consequente golpe contra o governo de Nicolás Maduro trouxe maior preocupação quanto a já precária situação da Venezuela, bem como um maior pessimismo quanto a uma solução “política e pacífica” para o impasse. Ou seja, o ato de incorporar a oposição política legítima ou então aprofundar a mudança de regime. Em um espaço de poucas horas, o autoproclamado presidente, Juan Guaidó, juntamente de alguns oficiais do SEBIN (Serviço de Inteligência Venezuelano) e algumas dezenas de militares (basicamente oficiais da Guarda Nacional Bolivariana, GNB). No comando direto da conspiração, dois coronéis da GNB, Rafael Soto e Illich Sánchez que de maneira ambiciosa, tentaram em vão, paralisar a cadeia de comando por via de um levante no interior das Forças Armadas.

Ainda que no momento inicial aparentemente bem-sucedido, com a presença de Guaidó e Leopoldo Lopéz “liberto” da prisão domiciliar (com o aval do SEBIN e da GNB, ao menos de suas escoltas), os líderes da oposição foram incapazes de condicionar a troca de lealdade de outros líderes militares. Essa tentativa em um automático contragolpe e resultou em apoio pró-Maduro e repressão contra os apoiadores de Guaidó e especificamente o início dos expurgos contra os oficiais da GNB conspiradora.

O Golpe

A movimentação de Guaidó e seus apoiadores iniciam na madrugada de trinta de abril, com o empresário Alberto Federico Ravell (diretor de comunicação do autoproclamado presidente) anunciando que Juan Guaidó, Leopoldo López e militares tinham tomado a Base Aérea de La Carlota (ponto famoso pelo seu uso em atividades culturais). Este lugar tem importância por ser um local de projeção política dentro da cidade de Caracas, dando acesso a uma larga avenida que pode chegar diretamente ao Palácio Miraflores. Essa ação se viabilizou com a defecção de um dos comandantes do SEBIN, general Manuel Ricardo Cristopher Figuera, justamente promovido ao cargo por Maduro (e pela lógica, com o aval dos cubanos). A partir do envolvimento de Figueira e seus subordinados que o grupo liderado por Guaidó obterá base de contato dentro do aparato de segurança. [1]

Para corroborar esta informação, os golpistas gravam um vídeo com Guaidó afirmando ter tomado a base, cercado de militares. Nesta peça político-publicitária, o autoproclamado pede que os principais quartéis os militares promovam adesão às manifestações contra o governo Maduro, bem como que a população vá às ruas. Antes das sete horas da manhã, o alto-comando das Forças Armadas Venezuelanas (sigla FANB em espanhol) publica em um comunicado que as tropas permanecem nos quartéis, sem movimentações anormais [2].

Em um espaço de duas horas, entre 07:30 e 9:30, há um fluxo intenso de comunicados por parte do governo e em menor medida, da oposição, que começa a entrar em silêncio, ao menos nas mídias sociais. Cabe destacar desse período, o aviso do governo venezuelano de que os envolvidos na conspiração para derrubar o governo sofreriam sanções jurídicas pelas suas ações, e que ao mesmo tempo, chamava a população a demonstrar apoio nas ruas. Do lado conspirador, há de interessante o fato de que é advindo de fora do país, com o presidente colombiano, Iván Duque Márquez (do Centro Democrático, afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe Vélez, pai do paramilitarismo moderno no país), declarando em sua conta no Twitter apoio ao movimento golpista [3].

Enquanto isso, a diplomacia colombiana mobilizava o Grupo de Lima para uma reunião de emergência, com o objetivo de acompanhar os desdobramentos da tentativa de golpe de estado, e para se necessário, legitimar um possível governo Guaidó. Para tentar criar divisão nas fileiras, os conspiradores anunciaram que oficiais de alto escalão da FANB teriam desertado para o lado golpista, o que fora logo desmentem tido [4]. Tal calúnia foi logo desmentida por uma gravação oficial do general Vladimir Padrino López, ministro da Defesa, comandante em chefe das FANB que junto a oficiais generais e um comando paraquedistas, todos em uniforme de campanha, proclamam o lema chavista: “Leais sempre, traidores nunca!”.

A resposta de Caracas e o fracasso dos conspiradores

Ao longo do final da manhã, as forças de segurança venezuelanas (basicamente composta de efetivos da GNB) iniciam operações para dispersão dos protestos e prisão dos líderes e militares envolvidos na tentativa de golpe de Estado. Aqui, percebe-se a pouca adesão entre os militares nas ações de Guaidó e correligionários; boa parte dos militares envolvidos nas ações de início da manhã do dia 30 foi enganada. Foram avisados que a mobilização era de repressão contra uma rebelião carcerária no interior do país, mas ao chegar nas proximidades de La Carlota, perceberam do que se tratava e rapidamente entraram em contato com oficiais leais e voltaram aos seus quartéis de origem [5]. Segundo o comando das FANB e na GNB, oitenta por cento dos militares concentrados em La Carlota no chamado “Madrugadazo Escuálido” sequer sabia o motivo de sua convocatória e não estavam de acordo com Guaidó e López.

Neste momento, o golpe já é dado como fracassado, tanto pelo governo Maduro, que prontamente comunica o controle da situação ainda no início da tarde, quanto pelos conspiradores, que fogem dos protestos e começam a procurar refúgio nas embaixadas de países europeus e nos membros do Grupo de Lima, incluindo o Brasil. Enquanto Leopoldo López procura as embaixadas de Chile e Espanha respectivamente, cerca de 25 militares envolvidos na tentativa de golpe requisitam asilo político na embaixada brasileira [6,7].

Enquanto a trama conspiratória se desenrolava em Caracas, aqui no Brasil a cobertura midiática realizada pelos principais grupos de comunicação beirava a panfletagem política. Imagens de marchas pró-Maduro televisionadas como protestos da oposição, análises de “especialistas” na melhor das hipóteses, rasas e um profundo sentimento de torcida pelos conspiradores pautaram a transmissão, principalmente em rede de televisão a cabo, já que a rede de televisão aberta pouco ou nada cobriu, para além da reprodução das falas advindas do governo brasileiro.

Em Washington, o governo Trump, através de John Bolton (Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos) declarava total suporte para os revoltosos, pedindo ainda, maior engajamento da FANB no golpe, então em andamento; em pronunciamentos via rede social, Bolton e Mike Pompeo (empresário, ex-diretor da CIA e atual chefe do Departamento de Estado) bradavam por sublevação militar e vociferavam contra a presença russa na Venezuela. Já Trump, ameaçou o governo cubano de mais embargos econômicos e bloqueio à ilha, como resposta ao suporte dado ao governo Maduro. Na visão dos Estados Unidos, Cuba é um dos pilares que mantém o sucessor de Chávez no poder. Como resultado do fracasso da “Operción Libertad” em derrubar o vice-presidente eleito em novembro de 2012, novamente eleito em abril de 2013 e reeleito em maio de 2018, a Casa Branca mantém a possibilidade de usar a força militar como recurso para mudar o governo na Venezuela. [8]

Vale reforçar a guerra híbrida, o combate de 4ª geração. Na 3a 30 de abril vivemos cenas nos meios de comunicação do Brasil, da América Latina e até da cobertura globalizada que beiram o surrealismo. Um golpe que não foi, a ameaça pela metade e o “clima de tensão” propagado pela inteligência do Império fazendo crer que algo estava acontecendo para além da guarimba (“balbúrdia violenta” no neologismo político da extrema direita alucinada que desgoverna o Brasil) no entorno da Base Aérea de La Carlota. Mas, para além das mentiras de sempre, chama atenção o fato de que a contrainteligência do chavismo e seus aliados (cubanos, em primeiro plano, e russos, como rede independente), não perceberam a “virada” de Manuel Christopher Figuera.

O general comandante do Serviço de Inteligência Bolivariano (SEBIN) simplesmente trocou de lado. Como isso não foi percebido é o que deve ser debatido. E, rastreado o que resta da conspiração, para identificar e expurgar o tamanho da fratura na espinha dorsal do aparelho de segurança de Estado (FANB-SEBIN-GNB). O problema é ainda incomensurável. Os escuálidos aventaram que o major general José Adelino Ornella Ferreira – general de divisão e chefe do Estado Maior Conjunto do Comando Estratégico Operacional (unidade de armas combinadas de pronta resposta) estaria mancomunado com os golpistas. Ornella Ferreira negou na mesma manhã do “Madrugadazo” e com isso gerou duas reações. Uma reação, ao menos publicamente, ficou evidente que não havia um oficial general no comando de tropas terrestres da FANB na conspiração. Outra reação, se ele – Ornella – estava na conspiração, negou-a e assim certamente afastou a intenção de trair de demais oficiais generais ou oficiais superiores na frente de organizações militares operacionais. O efeito contrário, foi não permitir que o governo Maduro localize, identifique e puna os conspiradores.

Outra conclusão lógica, e a mais delicada de todas, é o fato inequívoco que estamos diante de um dilema. Se todo o comando da Milícia Nacional Bolivariana de Venezuela ficar em mãos de oficiais de carreira, sua espinha dorsal pode estar comprometida. Se vale a experiência da história recente, no Chile o G2 cubano (DGI é a sigla formal) aconselhou ao presidente Salvador Allende que sua Guarda Presidencial deveria ter um efetivo de 2000 combatentes a tempo completo e sob ordem direta do mandatário eleito em La Moneda. Allende não ouviu e estabeleceu a Guardia Técnica com 45 escoltas pessoais. Tampouco o governo ouviu ao MIR e armou as já preparadas milícias de autodefesas nos cordões industriais. Nem Allende, nem o PSI e tampouco o PC Chileno tinham plano B. Deu no que deu.

Se Hugo Rafael Chávez Frías determinou como palavra de ordem que “el Chávez pendejo se quedó en 2002”, era bom seu sucessor pensar o mesmo e garantir a última linha sobre as bases populares nunca apenas em militares de carreira, ainda que no comando de milícias populares.

(*) Bruno Lima Rocha (pós-doutorando em economia política, doutor em ciência política) e Pedro Guedes (internacionalista) atuam na área de relações internacionais e estudos estratégicos; ambos são membros do Grupo de Pesquisa Capital e Estado (www.capetacapitaeestado.wordpress.com)

Referências:

[1]http://misionverdad.com/La-Guerra-en-Venezuela/nuevo-intento-de-golpe-de-estado-en-venezuela?fbclid=IwAR0aHW_rLPv5dFu1EyJjBV-Pj5qYWuAHyNf9KBCOd3XNOoLCqreguro6CXU

[2]https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/30/internacional/1556617864_403655.html

[3]https://twitter.com/IvanDuque/status/1123195499840978944

[4]https://www.venepress.com/politica/Ornellas-Ferreira-General-que-comanda-la-Operacion-Libertad1556626906400

[5]https://www.youtube.com/watch?v=5fWWaJ1RkqU&feature=youtu.be

[6]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48108737

[7]https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/01/internacional/1556693582_653217.html

[8]https://www.aljazeera.com/news/2019/01/venezuela-crisis-latest-updates-190123205835912.html

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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