Opinião
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8 de maio de 2019
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18:19

Necropolítica e produção de mortes no Brasil (por Suelen Aires Gonçalves)

Por
Sul 21
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Necropolítica e produção de mortes no Brasil (por Suelen Aires Gonçalves)
Necropolítica e produção de mortes no Brasil (por Suelen Aires Gonçalves)
(Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Suelen Aires Gonçalves (*)

O decreto assinado e publicado hoje é a síntese de um estado que produz morte em larga escala. Como diria o filósofo camaronês Achile Mbembe, eis o estado da Necropolítica. Neste decreto, o governo central amplia o porte de armas para um conjunto de profissões. Algo chama a atenção neste decreto: servidores inativos compõem o rol de servidores com autorização para o porte. Como justificar tal feito? Para fins de registros históricos, a lista se segue, por exemplo, com políticos eleitos, servidores públicos que trabalham na área de segurança pública, advogados em atuação pública, caminhoneiros, oficiais de Justiça, profissionais de imprensa que atuam em coberturas policiais, agentes de trânsito, entre outras categorias. Também são contemplados no decreto presidencial os moradores de propriedades rurais e os proprietários e dirigentes de clubes de tiro.

A lista de categorias não para por aqui, segue com a possibilidade de autorização para políticos detentores de mandato eletivo nos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando no exercício do mandato. De acordo com o texto, tais categorias terão que justificar a necessidade e a solicitação está sob o comando da Polícia Federal. Tal proposta é um ataque ao Estatuto do Desarmamento de 2003, onde estava previsto que tais pedidos deveriam ser acompanhados de comprovação de aptidão técnica, capacidade psicológica, ausência de antecedentes criminais e comprovação de necessidade “por exercício de atividade profissional de risco” ou que representem ameaça à integridade física. A fala de Jair Messias Bolsonaro (PSL) durante a assinatura do decreto foi enfática em afirmar que o governo foi “no limite da lei” pois o decreto “não passa por cima da lei” e “não inventa nada”, mas foi até o limite máximo englobado pelo Estatuto de 2003.

Na contramão do debate, pesquisas recentes divulgadas em abril do corrente ano pelo Instituto Datafolha, mostrou que a maioria da população não é favorável à flexibilização da posse de armas. Sobre a pesquisa citada, foram ouvidas 2.077 pelo Datafolha em 130 municípios brasileiros. Destes, 64% avaliaram que a posse deveria ser proibida no Brasil, enquanto 34% afirmaram que ela deveria ser um direito. Uma pequena parcela, de 2%, optou em não opinar sobre o tema. Precisamos estar atentas(os) a diferença conceitual de posse e porte. No decreto, o governo altera o porte. A posse já foi objeto de alteração em decreto assinado em janeiro do corrente ano. Mesmo com tal alteração da flexibilização para a posse de armas, a pesquisa apresentou que 80% dos entrevistados disseram que não pretendiam comprar uma arma.

Necessitamos dialogar com a população sobre os efeitos nefastos de tais produções, via decreto, do “Ocupante do Palácio do Planalto”. Tais produções são declaração de guerra contra a população periférica, sobretudo, a população negra vítima diária dos homicídios no Brasil contamos com uma cifra anual acima de 62 mil homicídios, sendo que desta cifra temos 23 mil casos contra a juventude negra. A cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil. São vidas negras perdidas nas mãos de um estado na necropolítica. Neste bojo, verificamos a criminalização dos movimentos populares do campo e da cidade com o acesso a armas dos ditos “proprietários de terra” no Brasil e também significa, uma guerra contra as mulheres, pois hoje contamos com 71% dos casos de feminicídio e tentativas efetuados com armas de fogo pelos atuais ou ex-companheiros. Somos o 5º país do mundo em casos de feminicídio, crime de ódio contra as mulheres.

Precisamos existir para resistir e como diria Sueli Carneiro, em legitima defesa, viveremos!

(*) Socióloga, Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membra do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania (GPVC-UFRGS).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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