Opinião
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17 de maio de 2019
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19:18

Dia mundial da reciclagem (por Alex Cardoso)

Por
Sul 21
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Dia mundial da reciclagem (por Alex Cardoso)
Dia mundial da reciclagem (por Alex Cardoso)
Usina de triagem e reciclagem de lixo em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Alex Cardoso (*)

Nas últimas duas décadas, de um assunto desconhecido e desvalorizado, a reciclagem passa a ser de extrema importância, fato conhecido de quase a totalidade dos seres humanos do mundo, desde os que vivem em grandes centros urbanos até aqueles que vivem distantes, em pequenos vilarejos localizados no interior da selva amazônica, nas altas montanhas do Himalaia, pequenas ilhas do Pacífico ou regiões alagadiças e ribeirinhas da África ou desérticas como o Saara.

Desde o meio científico e acadêmico, empresarial, governamental até o escolar e comunitário, passaram a colocar em xeque a discussão, implementando leis e técnicas para a gestão dos resíduos e sua destinação a reciclagem. Leis nacionais, estaduais e municipais sobre resíduos foram construídas e aprovadas no Brasil e em outros países em quase todo o planeta. Planos de gerenciamento de resíduos estaduais e locais são planejados, coletas seletivas são implantadas nas cidades, jornais e outros meios de comunicação passaram a divulgar a reciclagem e até mesmo empresas associam e divulgam suas marcas e informações vinculadas à reciclagem.

A reciclagem torna-se um símbolo de notoriedade internacional, inteligência, status social, cultural e político, ganhando o dia de hoje como Dia Internacional da Reciclagem, dado o tamanho e sua importância, objetivadas pelos objetivos de defesa e proteção da natureza, recuperação e economia dos recursos naturais. Todas as empresas, marcas, governos e instituições associam seus nomes ao símbolo da reciclagem.

Encontros mundiais, eventos internacionais, grandes empresas multinacionais especializadas em “gestão inteligente e sustentável” garantem a reciclagem, presidenciáveis do mundo inteiro e até mesmo órgãos como a Organização Mundial da Saúde, Organização Mundial do Comércio, Organização das Nações Unidas e os megaeventos do clima, ente outros, trazem em seu mote, a discussão, implementação e anunciando cada vez mais novas tecnologias, medidas e investimentos milionários para a reciclagem.

Entretanto, não é aí que a reciclagem verdadeiramente acontece, não é nos palácios do mundo, nem tampouco nos megaeventos e muito menos são as empresas multinacionais que fazem na prática a reciclagem acontecer. Estas tecnologias, investimentos milionários e “medidas” não são nem chegam perto de ser a reciclagem. Muito distante disso, há um verdadeiro exército, somando mais de um milhão no Brasil, quatro milhões na América Latina e mais quinze milhões no planeta, de trabalhadoras e trabalhadores que fazem a reciclagem verdadeiramente acontecer, são as catadoras e catadores de materiais recicláveis.

Apenas o “saber” da importância da reciclagem, usar e aproveitar das benesses e status de sua simbologia, ignora o trabalho explorado, baseado em muitos casos na servidão por dívidas de trabalhadoras e trabalhadores excluídos, desvalorizados, sem proteção, sem equipamentos, perseguidos e proibidos de trabalhar, assassinados como no dia 15 de maio, quando um assassino de classe média alta, assassina um catador a sangue frio.

As catadoras e catadores de materiais recicláveis, são os seres humanos que realmente realizam a reciclagem, é esta categoria que revira as lixeiras, que cata os resíduos com barquinhos nos rios, que coleta nas ruas e vielas das cidades, que catam nos lixões a céu aberto, encostas oceânicas e em outros lugares onde a “sociedade moderna” despeja seus dejetos. Mais de 92% da categoria é composta por negras e negros, quase 75% mulheres, em sua totalidade morando e sobrevivendo em vilas e ocupações, lixões e outros espaços vulneráveis, menos de 10% da categoria, consegue se organizar em associações e cooperativas, sendo que a maioria esmagadora, acaba sendo excluída.

Atualmente além das disputas em torno do campo do trabalho, há disputas que estão centradas no campo da representatividade, movimentos individualistas, empresas milionárias, organizações não governamentais e até mesmo aplicativos de celulares que lucram muito, vem com seus “apoios”, mas que no fundo mantém a categoria na mesma situação de estrema exploração.

Mesmo com todas as dificuldades, as mazelas que a sociedade coloca sobre a categoria, ela segue se organizando e rompendo barreiras da exclusão, atravessando as margens da sociedade e se reinserindo nos nichos de mercado, realizando na prática a reciclagem mesmo concorrendo com caminhões cada vez mais tecnológicos a serviço das empresas privadas e da máfia do lixo.

As catadoras e catadores de materiais recicláveis, mesmo diante de todas estas adversidades, realizam mais de 90% de todo o trabalho da reciclagem, usando como principal força motriz, seu corpo e principalmente sua capacidade do saber. Se temos que comemorar o dia mundial da reciclagem, comemoramos então a atuação das catadoras e catadores de materiais recicláveis.

Façamos nossa parte enquanto sociedade, dando o reconhecimento e a valorização a quem faz da reciclagem, além da proteção da natureza, seu modo digno de sobrevivência. Parabéns as catadoras e catadores de materiais recicláveis.

(*) Catador de Materiais Recicláveis, membro do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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