Opinião
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13 de maio de 2019
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19:31

Consciência e negritude (por Maister F. da Silva)

Por
Sul 21
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Consciência e negritude (por Maister F. da Silva)
Consciência e negritude (por Maister F. da Silva)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Maister F. da Silva (*)

Dia 13 de maio, dia da Consciência Negra. O conceito de consciência remete a compreender dialeticamente a evolução dos processos históricos, a buscar entender os aspectos que levaram a consecução de determinados e qual seria o desfecho se tal realidade tivesse outro final. Tal entendimento que é forjado individual e coletivamente nos leva a absorver tais informações e consequentemente a construção de nossa consciência individual e moral.

Portanto, para fazer jus a essa data seria necessário ao povo negro e ao conjunto da sociedade brasileira entender que a abolição da escravatura é fruto de esforços coletivos e variadas formas de resistência. Que o canetaço da Princesa Isabel se origina na pressão internacional dos abolicionistas e também do liberalismo econômico em ascensão. O canetaço mais lembrado da história brasileira pôs fim ao regime escravista formal, visto que, diariamente encontramos trabalhadores em regime de servidão forçada ainda hoje e que em sua grande maioria são negros e mulatos.

Poderia aqui discorrer sobre incontáveis exemplos de resistências, lideranças antiescravistas, quilombos, insurreições armadas, alianças entre roceiros e escravos em rebeliões que até foram vitoriosas, a luta de parlamentares antiescravistas (sim, eles sempre existiram, mesmo que você não saiba). No entanto, quero apenas socializar uma obra esplêndida escrita pela socióloga Ângela Alonso, fruto de extensa pesquisa e que reflete como o esforço de vários atores sociais e políticos, especialmente José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Luiz Gama, André Rebouças e Abílio Borges levou a vitória parcial na luta contra o regime escravocrata.

Trata-se do livro “Flores, votos e balas”, Ângela relata com maestria a partir das fontes pesquisadas a longa e difícil luta política, onde os responsáveis precisaram se organizar, multiplicar e combinar táticas que viabilizassem a atuação consonante entre a rua e o Parlamento, aliado a tarefa mais difícil angariar apoio em uma sociedade secular acostumada ao status quo do regime. A década de 1870 foi frenética para o movimento abolicionista, que crescia no parlamento, ocupava as ruas, praças e casas de teatro denunciando as atrocidades sociais e econômicas que o regime vinha impondo a sociedade brasileira no limiar de adentrar ao século XX quando toda a Europa já caminhava a passos largos no processo de industrialização. A atrasada burguesia brasileira que vinha apanhando e perdendo espaço para os jovens que ficaram conhecidos como “liberais radicais”, reorganizou-se, impôs mudanças no regime de votação, retomou espaço no parlamento (inclusive Nabuco perdeu a eleição), alterou cadeiras na corte judiciária e recobrou seu espaço. Resultado: o movimento abolicionista amarga um período de aproximadamente 10 anos de baixa.

“Nas ruas FLORES, no parlamento VOTOS e na clandestinidade BALAS”, assim foi a luta pela abolição da escravatura, desde que o primeiro negro pôs os pés em solo brasileiro na condição de cativo, ainda caberia um apêndice – a luta nos tribunais, tarefa desempenhada por Luiz Gama, um dos protagonistas da obra. Joaquim Nabuco e André Rebouças defendiam que junto com a abolição devia haver uma ampla reforma social e política, com reforma agrária que incluísse os novos homens livres e os imigrantes e uma ampla rede de educação para os libertos, entre outras reformas que levariam os dois liberais e monarquistas a hoje serem taxados de comunistas.

Foram derrotados pela elite agrária, incrustrada nos espaços deliberativos do estado, executivo, legislativo e judiciário. Rebouças definiu o momento com a seguinte frase, “é mais fácil democratizar um rei ou uma rainha, que um parlamento aristocrático, oligárquico e plutocrático. ”

Finalizando, entendendo que o processo de abolição foi um dos principais embates da luta de classes brasileira, que tal como no período que antecede o golpe de 1964 e o período que antecede ao golpe de 2016, a sociedade ainda reivindica pautas defendidas pelos abolicionistas do século XIX. Que a elite que impôs os termos da abolição utilizando do poder coercitivo e repressor do estado e impedindo as reformas sociais e políticas necessárias para elevar o Brasil ao patamar de um país soberano e incluir o negro à sociedade na condição de cidadão é a mesma que forçou Getúlio Vargas ao suicídio, depôs João Goulart do poder, é contra as cotas para negros nas universidades federais, depôs Dilma Rousseff e prendeu Lula. Então parabéns, você deu um grande passo na construção da consciência negra e brasileira.

(*) Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores e membro do FRONT – Instituto de Estudos Contemporâneos.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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