Opinião
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6 de maio de 2019
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22:17

Bolsonaro e sua ideologia contra a educação pública (por Jonas Tarcísio Reis)

Por
Sul 21
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Bolsonaro e sua ideologia contra a educação pública (por Jonas Tarcísio Reis)
Bolsonaro e sua ideologia contra a educação pública (por Jonas Tarcísio Reis)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jonas Tarcísio Reis (*)

Na última semana, uma bomba foi armada na antessala da educação brasileira. O governo de Jair Bolsonaro anuncia o corte de pelo menos 30% no financiamento da Rede Federal de Ensino. Também anuncia o corte para a Educação Básica brasileira. Declara, com potência, seu ódio à educação dos filhos dos trabalhadores.

Do ponto de vista da qualidade da educação nacional, no PISA (avaliação internacional realizada pela OCDE – Organização do Comércio e Desenvolvimento Econômico) 2015, o Brasil alcançou o 63º, entre 70 países. Abaixo de nós, ficaram, em ordem: Peru, Líbano, Tunísia, Macedônia, Argélia, Kosovo e República Dominicana.

Mas, se observarmos os dados com relação ao sistema de ensino, teremos outro quadro. Contra a ideia propagada pelas fake news de Bolsonaro, a melhor pontuação no Brasil não é nas redes particulares, mas nas escolas federais (Institutos Federais). Nestas, a pontuação foi 517; ou seja, acima da pontuação média da OCDE. O que disponibilizaria ao Brasil o 10º lugar no PISA; logo após a Coreia do Sul (média 519) e acima da China “comunista” (média 514), apenas 2 posições abaixo da Finlândia (que ocupa o 8º lugar, com média 522).

Então, observamos que o corte de 30% no financiamento da Rede Federal de Ensino é uma estratégia política forjada fora do Brasil, para reduzir a capacidade de competição internacional do país, para agravar a crise econômica e, consequentemente, dilapidar o patrimônio do povo, após um período de redução dos índices de qualidade educacional. A orientação do governo Bolsonaro deriva diretamente das agências econômicas e das empresas que objetivam comprar territórios e recursos naturais do nosso país a preços módicos. Trata-se de um projeto político claro: a destruição da soberania nacional, inclusive com a submissão intelectual e cultural de seu povo. O caos no Brasil interessa exclusivamente aos poderosos do mundo.

Em 2021 terá o PISA novamente. A nota do Brasil vai cair se o projeto de desmonte da educação pública federal permanecer de pé.

O fardo de nosso tempo histórico é a demonização da imprensa, da oposição, das minorias e do setor público, dos que não concordam com o despreparado Bolsonaro e seu clã. Apesar de alguns bolsonaristas ainda tentarem sustentar um modelo moral conservador e digno para o país em seus discursos, suas práticas mundanas com o dinheiro público permanecem, como as dos deputados do PSL que pagam refeições e bebidas com verba pública em restaurantes caros em dias de feriados, como ocorreu no último carnaval.

Mas esse ódio à educação federal é por que nela o sistema de cotas mudou a cor do povo universitário brasileiro. Hoje, a cada 3 estudantes, 2 vieram pelo sistema de cotas por etnias ou oriundos de escolas públicas. A universidade pública finalmente começou a abraçar a classe média baixa e pobre desse país nos governos do PT. Por isso, os poderosos, os elitistas querem o fim das cotas, querem o estrangulamento das políticas de assistência das instituições federais ao reduzir o financiamento.

O governo Bolsonaro quer higienizar as universidades e os institutos federais. Um ex-ministro da educação de Bolsonaro já havia falado que a universidade não é para todos. Querem obrigar os conselhos superiores a fechar todos os programas de assistência estudantil. Eles querem a “meritocracia acima de tudo” e o “mérito econômico acima de todos”. É a ideologia da meritocracia a todo o vapor, de novo, na ordem do dia. É o Brasil do avesso.

Essa ideologia bolsonarista gera um processo multiforme de continuação da manipulação e dominação social. O poder da ideologia está em fazer crer no prejudicial como positivo na maior parte das vezes e em mascarar a realidade e organizar a lógica social com espírito de aceitabilidade e conformismo frente à forma como as relações sociais devem ser aceitas.

Tal ideologia é uma fórmula organizativa que permite aos privilegiados permanecerem onde estão e extrai exemplos de sucesso do mundo subalterno elevando-os à condição de exemplos totalizadores, como se todos pudessem, em face de disputas e esforços individuais, ocupar espaços de sucesso (que são limitados e restritos) na sociedade capitalista bastando, apenas, esforço, doação e dedicação. Ou seja, todos podem, por exemplo, ser milionários como um certo dono de uma rede de televisão brasileira, que ascendeu socialmente por via do “trabalho” (sic) e do empreendedorismo. Ninguém explica, porém, como ele conseguiu acumular tanto, não se explica a quantidade de trabalhadores que foram explorados em suas empresas, a quantidade de dinheiro ganho com os seus jogos de azar e a especulação midiática da indústria de entretenimento, a superexploração das suas marcas e o uso do seu veículo midiático para a promoção de seus outros produtos. Nesse sentido, começamos a falar dos instrumentos que o sujeito dispôs para potencializar a sua vida de acumulação material.

A meritocracia não é apenas um corpo doutrinário, mas uma experiência vivenciada. Muitas vezes uma experiência vivida por outros e tomada como exemplo. A meritocracia governa as rotinas cotidianas em todos os âmbitos. Ela também faz crer, através da pregação da racionalidade, que todo um conjunto de injustiças sociais é derivado simples e puramente da preguiça alheia e não de uma conformação social que se volta a premiar uma minoria dentro de um contexto da chamada liberdade para vencer.

A ideologia da meritocracia cria uma falsa verdade, isto é, uma crença de que é possível vencer apenas individualmente. Isso contribui, por fim, para manter intactas as relações de dominação. A ideologia não só falseia a realidade, como configura um conjunto de elementos, uma representação que orienta uma série toda complexa de ações e formas de reações a que os seres humanos propõem no movimento de obter sucesso e fracasso no interior das relações sociais.

Nesse sentido, o naufrágio da educação pública e para todos deve ser barrado nas ruas, unindo estudantes e professores, agregando as massas que precisam de um Estado garantidor da igualdade de condições para estudar. O combate à meritocracia deve ser uma bandeira da educação e do povo na rua. Precisamos formar comitês de bairro, por escola, para debater com a comunidade os ataques à educação pública, precisamos de mutirões nas zonas populares para levantar o povo contra seus inimigos. Temos que disputar a consciência das pessoas, não podemos ficar só nas redes sociais. Não podemos retroceder ao século XX. Precisamos avançar na igualdade e na justiça social, por isso, é imperioso derrubar a agenda bolsonarista, lacaia do imperialismo norte-americano e erguer as bases de um processo de emancipação dos trabalhadores. É um tempo de muita luta. É a luta de classes em todos os âmbitos e áreas. Sejamos a resistência e a ascensão da classe trabalhadora na defesa da educação pública e de qualidade para os trabalhadores.

Nessa quadra histórica, não há espaço para o sucesso individual. Apenas a união dos trabalhadores, do campo da esquerda, dos progressistas, enfim, dos que vivem de seu próprio suor será capaz de barrar a agenda protofascista e neoliberal do governo Bolsonaro. Sejamos um só corpo na luta. Uma só massa enfrentando os poderosos.

(*) Jonas Tarcísio Reis é professor e doutor em educação. Diretor Geral do Simpa.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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