Opinião
|
30 de maio de 2019
|
14:56

Atos no Rio de Janeiro de 26 de maio evidenciam contrastes raciais e sociais (por Marília Closs, Vitória Gonzalez e Yasmin Curzi)

Por
Sul 21
[email protected]
Atos no Rio de Janeiro de 26 de maio evidenciam contrastes raciais e sociais (por Marília Closs, Vitória Gonzalez e Yasmin Curzi)
Atos no Rio de Janeiro de 26 de maio evidenciam contrastes raciais e sociais (por Marília Closs, Vitória Gonzalez e Yasmin Curzi)
Ato pró-Bolsonaro no Rio de Janeiro. (Reprodução/TV Globo)

Marília Closs, Vitória Gonzalez e Yasmin Curzi (*)

As manifestações a favor do governo Bolsonaro, convocadas para o último domingo (26) de forma descentralizada em redes sociais por grupos de direita e extrema-direita, como o NasRuas e o Movimento Avança Brasil, além do Clube Militar e empresários como Luciano Hang (Havan) e João Appolinário (Polishop), realizaram-se em diferentes cidades do Brasil. O governo, que procura articular a aprovação de agendas caras a ele no Congresso – como a Reforma da Previdência e a reorganização ministerial – tem estado em uma situação bastante delicada nas últimas semanas. Formam este quadro a possibilidade de retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) do Ministério da Justiça, conforme votação na Câmara na quarta-feira (22), a exposição de sucessivos escândalos que envolvem o repasse de salário de funcionários dos mandatos de Bolsonaro e de seus filhos – como o Caso Queiroz –, e a promessa de cortes na educação pelo Ministro Abraham Weintraub, que suscitou a ida de milhares às ruas em protestos por todos os estados no último dia 15. Estes e outros fatos culminaram em atritos internos na própria direita e centro-direita, como em relação ao Movimento Brasil Livre (MBL) e ao Vem Pra Rua, que discordaram da forma como Bolsonaro lidou com os protestos contra os cortes na educação e, descolando-se do governo, afirmaram que não iriam participar dos atos do último domingo.

A manifestação no Rio de Janeiro teve como peculiaridade a ocorrência simultânea com um ato convocado por mais de 50 grupos de movimentos populares intitulado “Parem de Nos Matar”, em Ipanema – como o Mães e Familiares Vítimas de Violência do Estado, a Frente Favela Brasil, a Redes da Maré, entre outros. Na orla da Zona Sul carioca e em bairros vizinhos – a manifestação bolsonarista, em Copacabana, e a dos movimentos populares, em Ipanema –, o contraste das imensas diferenças entre os setores envolvidos nestas duas agendas, em forma e conteúdo, foi evidenciado. A manifestação pró-Bolsonaro envolveu muitas mais pessoas – ao longo da Avenida Atlântica, cerca de 8 caminhões e 1 carro de som, o que aponta o investimento financeiro em sua organização, bem como a dispersão da mesma, como será dito adiante. Já a manifestação “Parem de Nos Matar” era menor – sendo necessário considerar que a manifestação “Parem de Nos Matar” não tinha abrangência nacional, nem envolvia grandes convocações.

Entre as características principais da manifestação bolsonarista, aponta-se o seu caráter de oposição “à política” – mais precisamente, em relação ao presidencialismo de coalizão e à estrutura institucional – auto intitulando-se “pró Brasil”, em um grande afã verde-e-amarelo. Embora o número de participantes tenha sido menor do que o esperado, havia considerável número de pessoas em Copacabana (embora os números exatos divirjam em diferentes fontes), com grande concentração na Avenida Atlântica por pouco mais de uma quadra, e dispersão ao longo de outras quadras. A composição da manifestação era majoritariamente de pessoas brancas e aparentemente acima dos 50-55 anos, de classe média ou alta. Em questões de gênero, pode-se dizer que foi praticamente paritária. Com relação a pessoas jovens, estavam praticamente ausentes jovens universitários, havendo crianças (parte da ‘família tradicional brasileira’) e um considerável número de pessoas entre 30-40 anos.

De modo geral, a variedade de setores e a ausência de unicidade entre eles ficaram expostas nas diferentes bandeiras trazidas pelos manifestantes, bem como na quantidade de caminhões de som, com bastante dispersão. Assim, ainda que tenha havido algumas pautas comuns, foi visível, também, a falta de articulação não apenas nos aspectos substantivos das demandas, mas na própria organização da manifestação. No ato, os diferentes caminhões de som foram contratados por organizações diferentes e amplificavam os discursos de seus próprios grupos. Em meio à cacofonia, o ato ficava dividido – e os manifestantes que estavam em frente a um carro de som específico não ouviam as falas daqueles que discursavam nos outros veículos.

As pautas eram variadas, mas a maioria dos cartazes e falas eram favoráveis ao pacote anticrime do Moro, e possuíam críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Rodrigo Maia. Falas críticas ao chamado “centrão” e às instituições políticas como um todo, além de favoráveis à Reforma da Previdência também foram bastante presentes nos carros de som, bem como a pauta da educação, com críticas à ‘balbúrdia’ das Universidades e à “ideologia de gênero”. Embora a “esquerda” aparecesse em muitas das falas sob os caminhões, poucas disseram respeito diretamente ao Partido dos Trabalhadores e mesmo ao ex-presidente Lula. Este deslocamento do foco do alvo mostra que os atores no Rio de Janeiro mobilizaram outras pautas. De modo geral, com relação aos temas levantados, pode-se dizer que, ao contrário do que dizia Bolsonaro antes das manifestações e mesmo em sua avaliação posterior em sua conta no Twitter, muitos dos manifestantes mostraram-se contrárias ao Congresso Nacional e ao STF (neste tema, com a insígnia “Lava-Toga”). Tais posições, deve-se dizer, demonstram um descolamento da realidade, como se Bolsonaro pudesse governar sozinho, e como se não tivesse sido, por quase três décadas, ele mesmo, membro do Congresso Nacional.

A manifestação “Parem de Nos Matar”, por sua vez, envolveu uma composição demográfica completamente diferente, com considerável presença de pessoas negras, por exemplo, e uma maior presença de jovens. Entre as pautas e gramáticas mobilizadas estavam “Vidas Negras Importam”, “Marielle Presente” e “Lula Livre”. Nas falas, críticas ao governo de Bolsonaro e de Witzel, no que diz respeito às mortes de pessoas negras e à falta de políticas e de interesse nesse sentido. Nos primeiros meses deste ano, já aconteceram mais assassinatos provocados por agentes do Estado no Rio de Janeiro do que nas cinco gestões anteriores, chegando ao número de 558 homicídios.

Outra diferença notável entre ambas as manifestações foi a presença ou ausência da polícia. Ao caminhar de Copacabana para Ipanema, próximo à manifestação não-bolsonarista, havia uma fileira de policiais com uniformes do Choque, cassetetes nas mãos e postura ostensiva. Já na manifestação bolsonarista, estavam presentes apenas guardas municipais, agentes de segurança privada, policiais militares com uniformes comuns e do Segurança Presente que, com aspecto sossegado, interagiam com os manifestantes.

Prognósticos mais precisos dependem das próximas mobilizações

Alguns elementos bastante singulares podem ser extraídos da análise do ato em favor de Bolsonaro na capital fluminense. Nota-se que quem estava nas ruas era o “núcleo intervencionista” do bolsonarismo: afastados os setores “mais liberais” que ajudaram a eleger o capitão, foram às ruas grupos que gritavam sobretudo pelo fechamento e/ou impeachment dos ministros do STF e dos presidentes das duas casas do Congresso, com destaque para o da Câmara, Rodrigo Maia. O decantamento e a fragmentação da base de apoio do governo foi visível nos números: havia, sem dúvida, uma quantidade significativa de pessoas em Copacabana; no entanto, já se pode vislumbrar a diminuição da capacidade de mobilização que o projeto político de Bolsonaro vem tendo.

Para qualquer governo com poucos meses à frente das instituições, uma manifestação mais esvaziada do que se propôs inicialmente é problemática. Para Bolsonaro, pode significar mais que isso: pode ser (mais) um sinal de derrota de seu modo de governo – já que, até agora, a opção adotada pelo governo foi a de negociar menos e de mobilizar mais sua base em pautas polarizadas, ou nas palavras de Marcos Nobre, “de fazer o governo pelo caos”. O limite da capacidade de Bolsonaro de levar gente às ruas ainda está em aberto, mas ficou visível que, desde que colocou estudantes como inimigos e aceitou a radicalização anti-democrática e institucional dos manifestantes que o apoiam, o presidente já não mobiliza apoiadores como antes. A manifestação, entretanto, deixa latente que sua estratégia de utilizar redes sociais e não partidos políticos como mediadores da relação sociedade-Estado ainda encontra eco em parte de seu eleitorado, seu núcleo mais fiel que foi às ruas pelo país.

Ainda, outros elementos menos visíveis, mas caros a quem se dedica a olhar a ação coletiva no Brasil, também guardam notável interesse. É o caso da percepção dos manifestantes de Copacabana acerca do ato quase como um passeio: é difícil dizer com precisão a quantidade de pessoas que estiveram presentes, pois a maioria circulava com muita rapidez pelo espaço marcado para a manifestação. Ademais, ainda que o público seguisse com recortes etários e de raça semelhantes aos atos anteriores com perfil ideológico, foi possível notar que referências ao PT praticamente sumiram da performance, como dito.

Por fim, certo é que a análise dessas manifestações é mais complexa do que pode parecer e não há espaço para visões preto-no-branco. Os atores, as práticas e as gramáticas devem ser analisados com atenção ao longo das próximas semanas, para saber o rumo da força do bolsonarismo e da oposição. Serão, enfim, necessárias análises futuras, mas seguimos com esperança de que as regras democráticas sejam mantidas e de que a política seja captada em sua complexidade. Desde 2013, temos assistido a profundas e complexas transformações no ativismo e nas ações coletivas no Brasil. Se, desde os anos 1980 até o fim da década de 2000, a hegemonia da organização e dos movimentos sociais foi da esquerda, a partir de 2013 e 2014 a direita voltou às ruas. Como se pode ver, em um só dia e em uma só região do Rio de Janeiro, estão se transformando constantemente as formas de se manifestar no Brasil, independentemente do espectro político.

Em 2019, a crise da democracia e da representatividade brasileira chegou em um momento crítico: está em aberto o futuro do governo de Jair Bolsonaro. É certo, no entanto, que seu sucesso – ou, ao contrário, sua derrota – dependem, em grande medida, da capacidade de mobilização e de quem está ocupando os espaços públicos e organizando as ações coletivas. Mais que isso: o entendimento mais claro dos significados do dia 26 de maio dependem também do tamanho e da pluralidade do que acontecerá nas mobilizações do dia 30.

(*) Pós-graduandas do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e pesquisadoras do subgrupo de movimentos sociais do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL).

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora