Opinião
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14 de abril de 2019
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10:59

Quem tem medo da Democracia? (por Marcelo Sgarbossa e Cristiano Lange dos Santos)

Por
Sul 21
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Quem tem medo da Democracia? (por Marcelo Sgarbossa e Cristiano Lange dos Santos)
Quem tem medo da Democracia? (por Marcelo Sgarbossa e Cristiano Lange dos Santos)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Marcelo Sgarbossa e Cristiano Lange dos Santos (*)

Com o argumento de desburocratizar a gestão pública, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) acabou com o princípio da participação social ao assinar o Decreto 9.759, no dia 11 de abril de 2019. A norma extinguiu grupos de trabalho, comitês e conselhos criados até o final do ano passado, e que eram espaços ocupados pela sociedade civil. Evidencia o que virá pela frente, ou seja, um modelo de gestão autoritário calcado pela impermeabilidade de ideias e propostas que venham da população.

A extinção atinge, principalmente, conselhos criados nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) e que faziam parte do Plano Nacional de Participação Social, como o Conselho das Cidades, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) e de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT, além da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Uma medida que favorece apenas os interesses do capital financeiro, ao mesmo tempo em que fragiliza a capacidade da sociedade de fazer a interlocução com os governantes de plantão. Logo, o canetaço de Bolsonaro – mesmo que tenha sido com uma caneta Bic – é um dos maiores retrocessos à nossa jovem democracia.

Após 21 anos de regime de exceção, a Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova ordem fundamentada nos valores dos direitos humanos. Manteve os sistemas representativo (democracia indireta) e participativo (democracia direta) com a finalidade de aproximar o setor público da sociedade, com base no fundamento de que o poder emana do povo. Fez com que cidadãs e cidadãos fossem sujeitos de um processo de emancipação política.

O salto participativo que o Brasil obteve nos últimos anos, com a realização de uma série de Conferências Nacionais sobre as mais diversas temáticas, fez com que os conselhos de políticas públicas fossem fundamentais para alinhar as políticas governamentais aos interesses da sociedade. A democracia brasileira respirava por meio desses conselhos de políticas públicas, que são instrumentos que oxigenam as instituições públicas, permitindo a troca de ideias entre entidades e movimentos sociais que estão na ponta das políticas públicas. Vale dizer que o diálogo e o contraditório só ajudam a reforçar a sintonia necessária aos regimes democráticos, sendo também um modelo de descentralização político-administrativa.

Veja-se o caso de Porto Alegre, que ganhou destaque mundial pela participação popular graças ao Orçamento Participativo, criado há 30 anos pelo prefeito Olívio Dutra (PT). Um modelo de interação com a sociedade que foi abandonado pela gestão Marchezan Júnior (PSDB), que tem se concentrando na privatização dos serviços públicos básicos.

A participação social nas decisões administrativas deve ser a diretriz da Administração Pública, tal qual está disposto nos moldes constitucionais fundados numa concepção democrática. Assim, a extinção dos conselhos reduz a fiscalização social sobre os governantes, ampliando a discricionariedade dos gestores, e abre espaço para favorecimentos, clientelismo e para a corrupção. É mais uma prova de que o discurso da nova política do governo Bolsonaro já nasceu velho.

(*) Cristiano Lange dos Santos – Doutor em Direito e procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais (LAPPUS)

(*) Marcelo Sgarbossa – Vereador e líder da Bancada do PT Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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