Opinião
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23 de abril de 2019
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12:38

Quem ganhou mais tem que contribuir mais: mexer no ITR é bom e é necessário (por Carlos M. Guedes de Guedes)

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Sul 21
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Quem ganhou mais tem que contribuir mais: mexer no ITR é bom e é necessário (por Carlos M. Guedes de Guedes)
Quem ganhou mais tem que contribuir mais: mexer no ITR é bom e é necessário (por Carlos M. Guedes de Guedes)
Foto: EBC

Carlos M. Guedes de Guedes (*)

No dia 17 de abril tomou-se conhecimento de uma informação que “chocou” a opinião pública britânica [1]: metade das terras da parte inglesa da ilha pertencem a 1% do total de proprietários. Para além do simbolismo guardado na data, nos lembrando dolorosamente dos 23 anos do massacre de Carajás, o relatório apresentado nos provoca sobre duas questões absolutamente atuais e necessárias a serem enfrentadas: de um lado, compreender o processo de acumulação e concentração da riqueza e propriedade na combinação entre produção de commodities agrícolas e rentismo, e de outro, estimular a revisão das políticas públicas para enfrentar tal fenômeno, a fim combater essa fonte de desigualdades.

Em boa hora realizou-se seminário em São Paulo coordenado pelo Instituto Escolhas [2] para apresentação de estudo visando propor alterações no Imposto Territorial Rural (ITR). O estudo traz relevantes constatações e inovações para o aprimoramento do imposto, mas também traz provocações acerca de uma mudança em como ver o direito de propriedade. Não devemos entender mais as propriedades rurais apenas como local de moradia e reprodução social e econômica, mas como um espaço para a combinação de ganhos produtivos e especulativos. Cresce no Brasil o número de empresas que compram terras, dirigem o uso para a produção de commodities agrícolas, abrem capital e obtêm ganhos no mercado financeiro. Na Inglaterra, para além da presença da aristocracia, aparecem como donos de terras corporações e banqueiros da City londrina.

Vivenciamos nos últimos 20 anos transformações na chamada economia real brasileira, em um contrabalanço entre a perda de espaço da indústria manufatureira e o crescimento da agropecuária. Tais mudanças aumentaram a relevância econômica do “agro” e, por consequência, sua capacidade de contribuição para manutenção e ampliação dos serviços públicos, via impostos. O que se viu na prática foi a pressão permanente por conjunto de mecanismos de renúncia fiscal para o setor, sob o argumento de não prejudicar a competitividade e garantir alimentos mais baratos.

O estudo demonstrou uma arrecadação a menor da ordem de 4,4 bilhões de reais, apenas para o ano de 2017, fruto da “auto-desvalorização” do imóvel rural na declaração do ITR em relação ao seu valor de mercado. Somente na Metade-Sul do Rio Grande do Sul os ganhos adicionais com a valorização da terra superaram em mais de 300% a inflação entre os anos de 2002 e 2015. A verdade é que o bloqueio nas iniciativas de atualizar o ITR somente beneficiou quem combinou ganhos produtivos e especulativos em grandes propriedades, já que 50 mil dos maiores imóveis rurais seriam responsáveis por 80% da arrecadação potencial. Os pequenos proprietários ou são imunes ou beneficiados com alíquotas menores em função do tamanho da propriedade e do uso produtivo. Esse é um típico exemplo do erro estratégico dos pequenos proprietários de acharem que terão ganhos iguais ou maiores nas suas reivindicações caso unifiquem suas pautas com os grandes proprietários e corporações rurais.

As inovações propostas permitem que o ITR estimule melhores escolhas para os proprietários rurais entre produzir e preservar. Destaques para declaração do Valor do Imóvel Rural, em vez de separar a propriedade em “terra nua” (objeto hoje da tributação) e área com benfeitorias do imóvel; a possibilidade dos proprietários obterem incentivos nas áreas de preservação da propriedade que excederem a exigência legal, em consonância com o Cadastro Ambiental Rural. Merece também apoio a previsão de atualização periódica e automática dos índices de produtividade, retirando a interferência prejudicial dos ruralistas que bloqueiam a correta aferição do alcance do progresso técnico nas propriedades rurais do Brasil. Chama a atenção que a combinação dessas duas alterações – incentivos para preservação de áreas ambientais nas propriedades e a atualização dos índices – permitem de um lado estimular o fim de emissões desnecessárias de carbono e perda de biodiversidade, e de outro incentivar os ganhos de produtividade em áreas já abertas.

A entrada em vigor do conjunto de medidas propostas permitiria um acréscimo de arrecadação da ordem de 15,4 bilhões de reais em comparação ao efetivamente arrecadado em 2017. Trata-se de um atrativo real aos municípios que, em parceria com a Receita Federal, poderiam ficar com 100% da arrecadação. Outros itens podem ser melhor debatidos, como o tratamento para médias e pequenas propriedades não imunes, ou mesmo a suavização da progressividade do imposto, apesar da constatação que tal mecanismo muito pouco contribuiu para reforma agrária ao longo do tempo. Mas cabe ressaltar que a proposta enriquece o debate e sinaliza a possibilidade de um aprimoramento não apenas no instrumento tributário, mas na construção de caminho para uma política de desenvolvimento rural articulada no tripé fundiário-produtivo-ambiental, orientada pelos princípios dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e do Acordo Climático de Paris.  Caminho esse deliberadamente renunciado pelo atual Governo Federal por suas declarações e fatos.

[1] “Half of England is owned by less than 1% of the … – The Guardian.” 17 abr. 2019,  Acessado em 19 abr. 2019.

[2]Imposto da Terra: proposta para aprimorar o ITR … – Instituto Escolhas.” 11 abr. 2019, Acessado em 19 abr. 2019.

(*) Analista do Incra, foi Presidente do Incra entre julho de 2012 e março de 2015.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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