Opinião
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26 de abril de 2019
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13:58

Pela renda e pelo boi, urge dizimar a floresta e a gente que vive lá (por Jacques Távora Alfonsin)

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Sul 21
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Pela renda e pelo boi, urge dizimar a floresta e a gente que vive lá (por Jacques Távora Alfonsin)
Pela renda e pelo boi, urge dizimar a floresta e a gente que vive lá (por Jacques Távora Alfonsin)
(Foto: Wilson Dias/EBC)

 Jacques Távora Alfonsin (*)

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou este mês a sua já consagrada publicação anual “Conflitos no campo Brasil”, fazendo um balanço crítico do número de pessoas envolvidas na permanente luta pelo acesso à terra durante 2018.

Desde a metodologia utilizada para a coleta dos dados dessa realidade, até as tabelas que registram datas, locais, causas, mortes, ferimentos, quantidade de envolvidas/os, sacrifício do meio ambiente, fontes de consulta, tudo fica registrado a cada ano, sob o rigor do cuidado e da precisão. Para favorecer às/aos leitoras/es o conhecimento mais atualizado e claro possível desse drama tão antigo que envergonha o país e parece sem perspectiva de pacificação, a edição deste ano conta com algumas análises críticas do momento político atual vivido no Brasil, no que se refere ao nosso território. Enfatiza o recrudescimento dos conflitos fundiários, a tendência de crescerem pela política agrária do novo (des)governo ora administrando o país, o aumento dos riscos que ela cria ao meio ambiente, bem como às duras conquistas de direitos sociais que posseiros, indígenas e quilombolas conseguiram concretizar, em assentamentos da reforma agrária, aldeias e antigos quilombos.

Entre os estudos coletados nesta edição, Bruno Cezar Malheiro, professor em educação do campo na universidade federal do sul e sudeste do Pará, mestre em planejamento do desenvolvimento, Fernando Michelotti, professor de ciências agrárias da mesma Universidade e também mestre em planejamento do desenvolvimento, Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (prêmio Chico Mendes em ciência e tecnologia do Ministério do Meio Ambiente em 2004), assinam um estudo que tem por objeto “Mais além da conjuntura: por outros horizontes de sentido.”

A urgência de se enfrentar toda uma política agrária de transformar a terra em dinheiro, mesmo a custa de comunidades pobres que dela vivem e do meio ambiente, os autores deste estudo advertem:

“A continuação do projeto de acumulação rentista pelas vias dos negócios do agro, das águas e da mineração, tende a ganhar contornos ainda mais militarizados pela indicação de militares para ministérios estratégicos (como os da Defesa, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e Infraestrutura) numa tentativa cada vez maior de flexibilização das leis ambientais e de reversão dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais, e que culmina na preocupante elevação da violência (que já é alarmante) contra indígenas, quilombolas e a camponeses, especialmente na Amazônia.”

Relembram os professores uma crítica anterior de José de Souza Martins, feita em 1984, sinalizando que “o problema não está na terra em si, mas em impedir que a luta pela terra coloque em questão o pacto político que a concentração fundiária sustenta.” Hoje, verifica-se “a necessidade de uma nova ofensiva do pacto do agronegócio – rentismo sobre assentamentos de reforma agrária, terras indígenas, quilombolas e de povos e comunidades tradicionais, sustentada por forças militares.”

Uma prova de empoderamento dessa política nefasta pode ser vista no encaminhamento de um projeto de lei do filho do presidente, senador Flavio Bolsonaro e do senador Marcio Bittar, segundo publica o Globo, edição de 18 deste abril. “Sem ofensa ao meio ambiente”, conforme o seu entendimento, as reservas legais impostas pela lei às propriedades rurais, na Amazônia legal e no Cerrado especialmente, os dois senadores salientam como “justificativa” do projeto: “…estudos e prospecções revelam que a Amazônia “possuiu em valores de recursos naturais o montante de 23 trilhões de dólares a ser explorado, sendo 15 trilhões em recursos minerais metálicos, não metálicos e energéticos e oito trilhões na superfície, com a biodiversidade”. Por isso, para eles, “é urgente a conciliação profunda e permanente entre proteção do meio ambiente, crescimento econômico e geração de oportunidades para os brasileiros”.

Indígenas, quilombolas, posseiros, acampados que perseveram na luta pelo reconhecimento do seu direito à terra, que se preparem. Se hoje já são perseguidos e até mortos, como a publicação da CPT denuncia a cada ano, agora mesmo é que precisam se unir e organizar em defesa do que ainda garante sua sobrevivência.

A notícia da Globo, para isso, já antecipa um contraponto de peso ao projeto. A pesquisadora Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica, diz: “infelizmente é mais um grande equívoco. E essa foi, durante a votação do novo Código Florestal, uma das maiores pressões da bancada ruralista e do chamado Centrão, durante aquela votação. O novo Código Florestal foi sancionado em 2012, substituindo uma versão anterior de 1965. Ele regulamenta a exploração de terras e estabelece onde a vegetação nativa deve ser mantida. O texto dividiu ambientalistas, que apontaram retrocessos em relação à legislação anterior, e ruralistas, que defendem a lei. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve um dos trechos mais polêmicos: a anistia a produtores rurais que desmataram ilegalmente antes de julho de 2008. A Reserva Legal hoje tem uma estratégica finalidade de banco genético, de estoque das chamadas madeiras de lei, estoque da biodiversidade. É um grande equívoco essa guerra declarada de um setor conservador do ruralismo brasileiro contra a Reserva Legal. É um absurdo para o país. Só as áreas de preservação permanente, que já foram reduzidas pelo Código Florestal, são insuficientes.”

Existem outros “horizontes de sentido”, portanto, que não os de se dar prioridade da troca da terra por dinheiro, como advertem os professores Malheiro, Michelotti e Porto-Gonçalves. Conceder anistia para quem a fere e mata só serve de estímulo para esse crime. Que o boi, a “expansão da fronteira agrícola” a mineração e outras formas de sua depredação, se contenham no ponto em que o dinheiro a sacrifique. A terra vem sendo vítima de uma devastação irracional e irresponsável, denunciada em todo o mundo, que está chegando à fronteira do irremediável. Contribuir para esse desastre, como pretendem esses dois senadores, só agrava o que já está ruim.

(*) Procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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