Opinião
|
16 de abril de 2019
|
17:28

Cem dias de Solidão – A Educação não é mercadoria (por Silvana Conti)

Por
Sul 21
[email protected]
Cem dias de Solidão – A Educação não é mercadoria (por Silvana Conti)
Cem dias de Solidão – A Educação não é mercadoria (por Silvana Conti)
Comunidade da EMEF Monte Cristo fez caminhada pedindo segurança e atenção da SMED. (Arquivo pessoal)

Silvana Conti (*)

Quero abraçar e demonstrar minha solidariedade à todas(os) colegas da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre e em especial aos(as) que fazem parte da comunidade escolar da EMEF Monte Cristo, que foi hoje ameaçada através de pichações que fazem referência ao massacre de Suzano.

Nossas armas são os livros, e precisamos com urgência da presença do Estado, das instituições que devem garantir um serviço público de qualidade, segurança, valorização profissional e tudo mais para que possamos oferecer políticas públicas dignas para toda a população da cidade de Porto Alegre.

Quando a violência é banalizada e governantes se elegem fazendo um sinal grotesco fingindo estar apontando uma arma. Quando o presidente da República é a favor da flexibilização do porte de arma. Quando uma família é alvejada com 80 tiros e o Estado Brasileiro se cala e faz um silêncio assustador. Quando um prefeito não dialoga com os(as) servidores(as) públicos de toda a cidade, e vai para a mídia mentir e falar mal das professoras(es), monitoras, aposentadas(os), médicos(as), assistentes sociais, guardas municipais, enfermeiros(as), trabalhadores(as) de todos os serviços públicos, dizendo que estes são vagabundos e querem manter seus privilégios. Quando um prefeito sucateia o Sistema Municipal de Educação, assedia professoras(es), retira suas horas de planejamento, interfere diretamente no calendário escolar, desrespeitando a gestão democrática e toda a comunidade escolar. Quando o prefeito escolhe criar uma polícia de choque municipal, ao invés de investir em concurso e formação para os(as) colegas da guarda municipal. Quando tudo isso acontece, ficamos expostas a violência, estamos sozinhas, vivendo uma profunda solidão institucional na capital gaúcha.

Também quero saudar a todas as professoras e professores do Brasil, em especial a professora Camila Marques, que foi presa dentro do Instituto Federal de Goiás, acusada de ser doutrinadora. Quando isso acontece, a quem vamos recorrer? Se o próprio Estado Brasileiro defende a Lei da Mordaça, a censura e a criminalização das(os) professores(as), movimentos sociais, partidos e movimento sindical. É a esta solidão que me refiro. A solidão institucional que sofremos a cada dia após o golpe de 2016, e a gora agudamente nestes cem dias de solidão.

Cheque em branco

Aquelas e aqueles que votaram no presidente de farda verde oliva, achando que ele era a salvação do Brasil, começam a entender que ele tem compromissos e pactos já selados anteriormente, não com os(as) brasileiros(as), mas sim com o imperialismo estadunidense, com os rentistas, com os privatistas, enfim, o povo brasileiro está sozinho, pois não votou em um governante patriota, nacionalista, republicano, mas mais da metade da população escolheu para dirigir nosso País alguém antidemocrático, antinacional, que incita o ódio e a violência, banaliza o racismo, o machismo, a LGBTfobia, e infelizmente já havia anunciado suas intenções em seu programa durante as eleições, e aí vai a pergunta: Quem conheceu o programa no período eleitoral?

O capitão não falou sobre seu programa, mas estava escrito em algum lugar. Me parece agora após estes cem dias, que não foi por acaso que fugiu dos debates. Foi por convicção que inventou mentiras, falsas notícias, e desta forma mais da metade dos(as) brasileiros(as) assinou um cheque em branco para o Messias.

Fica explícito que não tinha nenhuma proposta de desenvolvimento nacional, garantia de direitos para os(as) trabalhadores(as), garantia dos direitos sociais, e ao contrário, só apresentou e apresenta a cada dia, decretos, projetos de lei, medidas provisórias que rasgam a constituição de 88, retiram direitos conquistados e desmontam o Estado Democrático de Direito.

A Educação é Mercadoria?

A metralhadora giratória do capitão, aponta para todos os lados, mas faço um destaque aos descalabros dirigidos à educação. Jair acabou com secretarias estratégicas, tais como a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Isto significa um retrocesso histórico, uma violência brutal contra todo o avanço e construção participativa que vivemos nos governos Lula e Dilma.

Será que o presidente e sua turma fazem isso por vingança? Tudo indica que é por vingança e por convicção. Eles representam sim um projeto ultraliberal, neocolonial e conservador. Não estão de brincadeira.

Enxergando “cabelo em ovo”, o ex-ministro Vélez defendeu o método fônico como solução para os problemas da alfabetização, afirmando que o letramento: “Consiste em uma preocupação exagerada com a construção de uma sociedade igualitária, democrática e pluralista em formar leitores críticos”.

Estão de olho também no financiamento da educação, questionando o que já está previsto em lei e ainda não foi implementado. O Custo Aluno Qualidade – Inicial(CAQUI) e o Custo Aluno Qualidade(CAQ) que permitem o cálculo para o padrão mínimo de investimento por aluno(a) para que possa garantir a educação pública de qualidade. Tudo isso foi construído no processo das CONAEs e consta na meta 20 do PNE para se alcançar em 2024 o investimento de 10% do PIB para a educação.

Isto não nos pertence mais! Estamos cada vez mais longe das nossas conquistas. Nós professores e professoras vivemos a solidão institucional, a criminalização e silenciamento com mais um ataque a nossa liberdade de cátedra, liberdade de expressão através do Escola “Sem” Partido, que nada mais é do que a Educação com Mordaça.

Não posso deixar de destacar dentre as inúmeras atrocidades a proposta que já constava em seu programa de governo, que é a educação domiciliar. Poderia ser engraçado se não fosse trágico, mas sua regulamentação consta nas metas prioritárias do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Esta proposta ataca a educação pública, ataca a Constituição Federal e a LDB que afirma ser dever do Estado e da família garantir frequência escolar da população de 07 aos 17 anos. Também modifica o previsto no ECA(Lei nº8.06990) que prevê o direito a educação atrelado ao aceso de crianças e adolescentes à escolas públicas e gratuitas e próximas das suas casas. Com base na Lei de Diretrizes Bases da Educação, o STF no ano passado decidiu por não reconhece-la como modalidade de ensino.

Nestes cem dias o capitão criou a Subsecreatria de Fomento às Escolas Cívico-Militares. Será parceira de primeira hora da Secretaria de Educação Básica. Sua grande tarefa deve ser fomentar, acompanhar, e avaliar a ampliação de escolas e modelos de gestão compartilhada entre Secretaria de Educação, o Exército, as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros.

Num passado muito recente nossas parcerias eram Secretaria de Educação e Conselhos Escolares, compostos por professores(as), alunos(as), famílias, funcionários(as), a sempre parceira de primeira hora – A COMUNIDADE ESCOLAR – Agora a gestão será compartilhada, com a comunidade militar. Que momento…

Sobre o questionamento inicial, a educação não é mercadoria, e nestes cem dias e nos próximos anos desta congestão federal perigosa, precisamos “estar atentas(os) e fortes, não soltar a mão da educação pública de qualidade, que é tão importante, e corre um grave risco.

Cem dias de destruição -“ Dize-me com quem andas, que eu te direi quem ès”

A turma que circunda o capitão, é o retrato falado do “cocô do cavalo do bandido”.

O guru, Olavo de Carvalho, dá suas “deordens” e declarações numa espécie de previsões de um futuro ruim. Tem como uma de suas responsabilidades “desorientar”o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e o Ministério da Educação, Olavo desorienta e faz uma dupla sertaneja: Bolsolavo que está no último lugar nas paradas de sucesso. Cada um com seu jeitinho desastroso de ser, mas com um projeto de desmonte do Brasil na ponta da língua.

Paulo Guedes, que é ruim na argumentação e bom no canetaço, ficou 6 horas tentando explicar o inexplicável, não existe forma de dizer que acabar com a seguridade social pública é um bom negócio para os(as) trabalhadores(as), e quando irritado mete os pés pelas mãos falando de forma grosseira e machista “tchutchuca” x “trigão.”

Não tenho saudade do ex–Veléz, pois tudo pode piorar nestes tempos, mas convenhamos, ele fez afirmações muito perigosas em um curto espaço de tempo, ou como diria meu avô, cavou sua própria sepultura quando afirmou que:

“Quero mudar os livros didáticos para revisar a versão sobre a ditadura militar de 1964, não foi golpe, foi revolução.”Tem mais: “Quero que as escolas filmem crianças e adolescentes cantando o hino nacional e ainda enviem para o MEC. Certamente o ex desconhece o Estatuto da Criança e do Adolescente, já que direito de imagem precisa ser autorizado pelas as famílias. E ainda tem mais: “Falou publicamente que a universidade não é para todos(as), além de tudo ofendeu o nosso povo com preconceito dizendo que quando brasileiro viaja de avião, parece um “canibal”.

Mas como tudo pode piorar, o novo ministro Abraham Weintraub, já trabalhava no governo do Jair. Ele era secretário-executivo da Casa Civil. O atual ministro da educação foi executivo do mercado financeiro, tendo trabalhado na Bovespa e em diversas corretoras. Sua missão é: Transformar a Educação em Mercadoria. Só que não!

É impossível não falar de Damares Alves, uma das poucas mulheres que infelizmente confirma a tese: “ Não basta ser mulher”. A ministra tem orgulho e defende pensamentos patriarcais, e se consagrou internacionalmente com a “celebre” frase: “menina veste rosa e menino veste azul”. Sua missão é defender a sua família e a não laicidade do Estado Brasileiro.

Para encerrar este ponto, preciso fazer um destaque para o general Mourão. O vice, está construindo um caminho próprio. Apresenta um contraponto sensato contra as ações do capitão, também impedindo os desmandos do ministro das relações exteriores. Faz questão de corrigir o presidente, para expôr sua incapacidade política e surfar na onda para se constituir como referência de empresários, políticos e o “senhor” mercado. O Vice verde oliva segue à risca e com muita astúcia os manuais de estratégias do exército. Temos que ficar de olho nele, pois como já afirmei anteriormente: “tudo pode piorar”.

Quando se analisa o cenário e as peças que compõe o cenário, a conclusão é uma solidão institucional gigante.

“Nossos inimigos estão no poder…”

O Brasil copia o caminho da austeridade da Europa Ocidental, que levou aquele continente ao desastre econômico e social, fazendo ressurgir a xenofobia e o fascismo no velho mundo.

O fascismo nada mais é do que um sistema de governo em conluio com grandes empresas, que favorecem economicamente com a cartelização do setor privado, os subsídios às oligarquias financeiras e econômicas. A crise do capitalismo nos últimos 10 anos mostra que a saída dos governos neoliberais, do capital financeiro e especulativo tem sido o arrocho e o aperto para cima dos(as) trabalhadores(as). A consequência é nítida: aumento da fome, pobreza, de guerras e conflitos em diversas partes do mundo.

Porto Alegre, o RS e o Brasil reproduzem este sistema de governo fascista, privatista, entreguista, que tem como inimigo central a classe trabalhadora, com destaque as(os) servidoras(es) públicos. “Vai passar”. Tem que passar!

Ninguém solta a mão de ninguém! #Lutecomoumaprofessora!

(*) Professora aposentada da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora