Opinião
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13 de abril de 2019
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14:07

As entrelinhas dos 100 dias do Governo Bolsonaro (por Christian Velloso Kuhn)

Por
Sul 21
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Jair Bolsonaro (World Economic Forum/Christian Clavadetscher)

Christian Velloso Kuhn (*)

Para o difícil intento de avaliar os 100 primeiros dias do Governo Bolsonaro, primeiramente, faz-se imprescindível considerar o atual contexto mundial. Bolsonaro é uma liderança alinhada com o movimento neoconservador da extrema direita que chegou ao poder nos EUA, com Trump, passando por Israel (Netanyahu), Hungria (Orbán), Polônia (Morawiecki), Áustria (Kurz), dentre outros. Com suas nuances e estilos, as distinções entre os líderes desses países são pequenas frente a suas semelhanças. A truculência do discurso (de ódio), sobretudo nas redes sociais (Twitter e Facebook), o uso de marketing digital duvidoso, a retirada dos direitos dos trabalhadores, a cooptação de governos em plutocracias, são algumas das tônicas onde o populismo de direita vem governando.

Não é por conta disso que as idiossincrasias de Bolsonaro devam ser desprezadas a priori. Sem ter um perfil empreendedor e forte confiança, como de seu ídolo e colega norteamericano, Bolsonaro faz mais a linha de uma mistura da ingenuidade atrapalhada de Mazaropi e a brutalidade misógina de Jece Valadão. Bolsonaro não possuía um único dia como gestor até assumir a presidência do país. Não tem pulso sobre os demais ministros, que agem às vezes soltos demais para também proferir seus discursos repletos de barbaridades sobre temas ora supérfluos, ora fundamentais. É extremamente desafiadora a construção de uma síntese e identificar um norte diante de tantas ações e manifestações desencontradas e confusas.

Pois talvez estejamos realmente assistindo uma aula de esculhambação estratégica capaz de nos mantermos divididos e entretidos com pormenores fugazes, seduzidos e instigados por sua excentricidade intrigante. Na linguagem popular dos pampas gaúchos, faz como o pássaro Quero-Quero, que despista os predadores voando para longe do ninho. Cada absurdo polêmico possui o propósito oculto de desviar a nossa atenção para pautas desimportantes, comparativamente às medidas mais impactantes que estão nubladas em nossa míope visão. Esses assuntos triviais são mais facilmente abordados, mais ao alcance do brasileiro médio poder expressar a sua opinião, ante temas que envolvem maior capacidade analítica. É por isso que a Reforma da Previdência perde na concorrência de trend topics para matérias vulgares e irrelevantes como Golden Shower, Mamadeira de Piroca, a ministra Damares ter visto Jesus na goiabeira e outras bizarrices criadas pelo governo (a lista é enorme) que nada acrescentam ou resolvem os grandes problemas brasileiros, como desemprego, miséria, educação, dentre outros.

É nesse particular que a manutenção do estado de crise cumpre o seu objetivo. O governo endividado e a economia em recessão funcionam como combustível para a implantação de reformas estruturantes e alienação do patrimônio, sob o mantra do Estado mínimo, falsamente motivado com vistas ao combate da corrupção. Por esse motivo, que a situação pouco se modificou desde 2016. Até que os representantes das forças liberais e conservadoras cumpram a sua missão, o cenário se manterá sem grandes modificações.

Que fazer então para a Oposição (não somente da esquerda) enfrentar esse tsunami de futilidades em meio a medidas contundentes coercitivamente aprovadas à surdina? Munir-se de bons e embasados argumentos e usá-los respeitosamente nos debates com o governo, postura já adotada por alguns jovens deputados, tem se mostrado profícuo. A questão se é suficiente. A vigília e fiscalização, a aproximação com as parcelas descontentes com o rumo do governo, a apresentação de propostas alternativas, são algumas viáveis saídas para a oposição cumprir o seu papel. Exigirá determinação e resiliência.

Foram 100 dias que se passaram, um tempo perdido que custa muito caro para os mais desassistidos. Resta à oposição orar por esses e demais que representa. Talvez o seu retorno comece nas próximas eleições municipais, ganhando corpo e espaço como as forças elitistas conservadoras conseguiram a partir de 2016, claro que sem repetir as táticas condenáveis de fake news. Precisa-se de projetos e não de mais aventureiros alçados ao poder. Menos lacração, mais razão.

(*) Professor e economista, Doutor em Economia do Desenvolvimento na UFRGS, integrante do Instituto 
PROFECOACH.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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