Opinião
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23 de abril de 2019
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10:46

A saúde de Porto Alegre está doente (por Jonas Tarcísio Reis)

Por
Sul 21
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A saúde de Porto Alegre está doente (por Jonas Tarcísio Reis)
A saúde de Porto Alegre está doente (por Jonas Tarcísio Reis)
(Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Jonas Tarcísio Reis (*)

O governo Marchezan põe em risco a vida de mais de 1,5 milhão de habitantes de Porto Alegre quando sucateia a saúde terceirizando, privatizando e fechando serviços. Tal prática permite ao prefeito Nelson Marchezan Júnior terceirizar sua responsabilidade de gestor, tornando fácil a não manutenção dos salários em dia e transferindo, exclusivamente, a culpa para as empresas contratadas. O resultado se traduz em serviços de saúde sem higienização, sem segurança nas portarias, sem refeições para funcionários e pacientes (que muitas vezes têm dieta específica por conta de suas enfermidades).

O mais novo ataque na Atenção Básica foi o fechamento da Unidade de Saúde Mato Sampaio alegando “reforma” e transferindo toda equipe e pacientes para a Unidade de Saúde Vila Jardim, sendo que as coordenações das duas unidades só foram informadas na véspera da mudança (12-04-2019). Segundo consta, as duas equipes não contaram com a presença das Gerências Distritais de Saúde (representantes da gestão no território) no sentido de apoio institucional e mediação com a comunidade visivelmente descontente pela medida arbitrária, definida sem comunicação prévia aos usuários dos serviços. Mandaram “somar” dois grupos territoriais em uma mesma unidade, desconsiderando vínculos, processos de trabalho e participação popular para a solução de problemas locais. É a precarização e o desrespeito com a população, que será prejudicada, também, em função dos gastos com transporte para acessar o novo local. É o retorno da centralização da saúde na “marra”, o descumprimento aos princípios de territorialidade do SUS. É a Porto Alegre na contramão.

O correto seria a locação temporária de um espaço adequado para que a UBS Mato Sampaio seguisse atuando na sua região. Por que motivos o “gestor” Júnior não fez uma parceria com o empresariado (que tanto elogia) ou com as instituições que estão lucrando com suas Parcerias Público-Privadas (PPPs) para um aluguel temporário? Seria a região da Unidade Mato Sampaio pouco atrativa? Os grandes empreendedores que querem os Prontos Atendimentos (PAs) e hospitais municipais não se interessaram em “ajudar” o serviço público? O prefeito, desta vez, optou por prescindir de “entregar o produto com agilidade e qualidade”, parafraseando sua verborréia liberal, que traduzindo, é uma “entrega” infinitamente menor do que a prestação de serviços que sempre foi e é realizada pelos servidores públicos municipais de Porto Alegre.

Os ataques são muitos! O que dizer da situação dos serviços de segurança terceirizados das unidades de saúde, dos PAs e hospitais municipais (HMIPV e HPS) que há 90 dias estão sem receber o salário, o vale-transporte e o vale-alimentação na data contratual. Descaso com os trabalhadores desde o dia 1º de janeiro de 2019. Várias cláusulas do contrato não são respeitadas pelas empresas terceirizadas e o governo Marchezan bloqueia os repasses propositalmente, precarizando mais ainda a saúde e a segurança dos trabalhadores e dos usuários do SUS.

Na terceirização dos motoristas do SAMU, houve atraso de salários já no início da execução do contrato, deixando o SAMU à beira do colapso durante muitos meses.

Outro fator impactante refere-se à saúde da população idosa que perdeu espaços de prevenção, integração e lazer com a extinção da Secretaria Municipal de Esportes, onde participava de atividades físicas em praças e parques da capital.

Situações como a de pacientes crônicos, que deveriam ser acompanhados de perto por equipes multiprofissionais, se agravam, gerando a necessidade de atendimentos onerosos como hemodiálise e intervenções cardíacas. Muitos quadros são evitáveis com práticas que vinculam o paciente à sua unidade de saúde, aos profissionais de sua referência. A ideia de que o cuidado em saúde é um ato pedagógico e que deve implicar o usuário no seu próprio tratamento, difundindo informações através de ações educativas de prevenção, cada vez são mais escassas.

No entanto, a maior delinquência do governo na saúde é mentir, favorecendo de um lado, a indústria do especialismo, de clínicas, hospitais privados e PPPs que lucram com caros procedimentos. Do outro lado, a indústria da Telemedicina, que abrange a prática médica realizada à distância, independente do instrumento utilizado para essa relação. A prática tem origem em Israel e é bastante aplicada nos Estados Unidos, Canadá e países da Europa[1]. Sobre a Telemedicina ficam aqui duas pontuações que não serão desenvolvidas neste artigo: 1) Segue a síndrome do colonizado submisso. 2) Envolve a prática de usar o público para alavancar projetos pessoais.

O objetivo desta gestão para a saúde da capital está focado no maior número possível de consultas médicas (independente da qualidade). O governo do estelionato eleitoral simula a dita eficiência apresentando números maiores de consultas dos postos abertos até 22 horas, sem fornecer dados sobre a resolubilidade destes atendimentos. Omite que a grande procura a estes poucos serviços tem relação com regiões onde faltam médicos e outros profissionais. Oculta os atendimentos provenientes da região metropolitana como se toda a “entrega” fosse exclusivamente à população de Porto Alegre. Esconde as filas formadas durante todo o dia para uma consulta no horário estendido e, em decorrência, a situação humilhante e desumana dos usuários que esperam este atendimento. Vendem à mídia da “pós-verdade” uma ampliação de serviços e assistência em saúde apenas por que o padre que está vestindo a batina na missa deixou o outro nú na sacristia.

O ex-secretário Erno Harzheim, partidário da tese “Quanto menos Estado, mais saúde”[2], ascendeu ao Ministério da Saúde, mas deixou tarefas ao sucessor da pasta. Ou seja, terceirizou também as maldades. Deixou o projeto de extinção dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs) pronto. Em 2017, fecharam o NASF Lomba do Pinheiro e Sul Centro-Sul e no início de 2019, via processo SEI, foi a vez do fim dos serviços na Zona Norte, Cruzeiro e Zona Leste. O secretário Pablo executou sem o menor pudor essa besteira. Estes núcleos tinham papel fulcral, pois contavam com equipes multiprofissionais para a prevenção da saúde da cidadania. Agora, entraram para o museu de história da saúde municipal. Restou apenas um serviço próprio no município e localizado apenas na Região Centro. Mais um princípio do SUS que não chegou ao conhecimento dos “gestores” da saúde da capital: a Equidade!

Ao não apontar soluções, Marchezan insiste no “mais do mesmo” presente no seu discurso ecolálico da campanha eleitoral à gestão, ou seja, as terceirizações como salvadoras da “Pátria”. O resultado já está público: privatizações e terceirizações desenfreadas, precarização dos serviços oferecidos à população, desmonte da estrutura de Estado, venda de patrimônio público, guetização da cidade com a seletividade que o cercamento dos parques e praças promoverão.

Trabalhadores sem salário, famílias sem recursos para a alimentação, sem acesso à saúde. Sofremos riscos, mais e mais, por depredação do patrimônio e ameaça à vida dos que estão nos equipamentos públicos sucateados e sem segurança, realizando seu trabalho. Uma cidade que não conta mais com o recurso dos vencimentos dos servidores na sua economia. Salários completamente defasados, que deixam de circular e fomentar o consumo e a geração de empregos na capital. É um prefeito incompetente, que manda às favas os escrúpulos de consciência ao governar para o Capital e o empresariado em detrimento do povo de Porto Alegre.

Nesse processo social, obesidade, diabetes, depressão entre outras doenças crescem na cidade. O governo promove a doença ao destruir a atenção básica. A mentira dos postos de saúde até às 22 horas é o grande estelionato da gestão ao transformar qualidade em quantidade, como se fossem sinônimos.

Estudos mostram que a hipertensão e o tabagismo podem ser combatidos pelas metodologias coletivas de auto-ajuda. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) atesta isso, mas Marchezan não investe na prevenção. Grupos de prevenção e promoção são desestimulados pela Diretoria de Atenção Primária. É o naufrágio total do SUS. O aumento no número de equipes Estratégia de Saúde da Família (ESF) é a fake news do momento, os agentes que deveriam estar na assistência direta aos usuários estão alocados majoritariamente em tarefas burocráticas. Antigamente, os cadastros eram feitos nas casas dos usuários, em diálogo com a população no sistema de prevenção e promoção da saúde da família, mas uma instrução normativa da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de novembro de 2018 desconstruiu isso. Os agentes mais seguem escala de trabalho interno nas unidades do que visitas aos que precisam.

No final de 2016, tínhamos um total de 5.386 servidores na saúde municipal, no final de 2018 contávamos apenas com 4.599. No IMESF, no final de 2016, tinha 1.734 funcionários, ao cabo de 2018 havia aumentado 102 funcionários, totalizando 1.836. Mas no total geral perdemos mais de 700 funcionários da saúde municipal. Além do mais, muitas equipes de ESF estão sendo transformadas em grupos de atendimento até às 22 horas. A prevenção está indo pelo ralo, o que aumentará o número de doentes, engrossando as filas nos PAs e hospitais, por conta da política iniciada por Erno e Marchezan, da precarização e destruição da ESF.

Outro desastre, arrochou o salário dos servidores da saúde: médicos, psicólogos, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem e enfermeiros, entre outros profissionais (além de sofrerem o assédio moral ao terem que cumprir sobrecargas de trabalho), têm seu poder de compra violentado por 36 meses de não reajuste salarial. Um absurdo jamais vivido em Porto Alegre. Os servidores públicos estão se endividando em empréstimos para honrarem suas dívidas, pois, diferentes do governo, não são caloteiros.

Nesse quadro caótico, observamos pedidos de exoneração de muitos trabalhadores por conta do sistema de opressão e desvalorização no serviço público da capital, resultando na “fuga de cérebros”. A fuga de cérebros é um fenômeno em que os melhores profissionais são atraídos por maiores salários para fora de um espaço, que pode ser um setor de serviço, uma empresa, uma cidade ou até um país. No HPS o ranking foi de 1,2 mil funcionários para pouco mais de 800 no último período. É o desmonte do público para a felicidade das aves de rapina que vivem de sugar o SUS no privado.

O HPS está debilitado. Sem o número adequado de profissionais, vidas podem ser colocadas em risco. Muitos leitos foram fechados por Marchezan em 2018. Essa responsabilidade é do prefeito que joga a saúde municipal na UTI e, junto com ela, ameaça a vida de milhares de pessoas que necessitam do SUS funcionando. Isso é insustentável, principalmente no momento de crise nacional, onde a classe média está abandonando seus planos de saúde e se soma às filas dos serviços em hospitais públicos.

Na esteira da destruição, com a privatização do atendimento no Pronto Atendimento Bom Jesus (PABJ) e do Pronto Atendimento da Lomba do Pinheiro (PALP), Marchezan tira a saúde da mão do Estado e transforma a prefeitura numa indústria da terceirização da saúde.

Cabe um alerta: as empresas privadas, que ganham as licitações e contratações de terceirização e privatização, muitas vezes, se tornam depósitos de cabos eleitorais de políticos. É assim no Brasil inteiro. O momento social indica o agravamento desta prática, pois já circularam até mensagens de whatsapp onde certa figura pública de Brasília dizia que iria ficar rica privatizando a saúde.

É a velha política em que os governantes poderosos da direita se apossam da coisa pública, na venda direta e indireta, criando currais eleitorais, oferecendo serviços precários a quem paga impostos em demasia sem o retorno devido.

São os governos das fraudes: eleitorais e de gestão. Querem transformar Porto Alegre em uma grande fraude. Só o povo na rua poderá resistir à destruição do SUS e garantir o mínimo de políticas públicas na saúde.

É hora de ir para a rua, OCUPAR e RESISTIR, contra o adoecimento de Porto Alegre perpetrado pelo tucano Marchezan!

O povo unido defenderá o SUS!

(*) Jonas Tarcísio Reis é professor e doutor em educação. Diretor Geral do Simpa.

[1] http://portaltelemedicina.com.br/blog/telemedicina-o-que-e-e-como-funciona/

[2] http://www.ibross.org.br/artigo-bons-contratos-com-instituicoes-privadas-sao-pivos-para-avanco-na-saude-publica/

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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