Opinião
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17 de abril de 2019
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12:55

A escola da periferia e o que causa comoção na cidade (por Regina Scherer)

Por
Sul 21
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A escola da periferia e o que causa comoção na cidade (por Regina Scherer)
A escola da periferia e o que causa comoção na cidade (por Regina Scherer)
Comunidade da EMEF Monte Cristo fez caminhada pedindo segurança e atenção da SMED. (Arquivo pessoal)

Regina Scherer (*)

A segunda-feira foi um dia de notícias ruins. Dois fatos mexeram muito comigo. Um aconteceu bem distante de Porto Alegre e o outro aconteceu aqui, em um bairro de periferia. Os dois fatos foram notícia de jornal. Um ganhou capa e mais uma página, o outro uma pequena nota no canto direito inferior na parte interna. Uma das notícias estava relacionada a um lugar que nunca visitei, mas que conheço a história e a importância. A outra notícia tem relação profunda com a minha vida profissional e pessoal, e é desta notícia que preciso falar. Trata-se do vandalismo que aconteceu na EMEF Vila Monte Cristo.

As imagens publicadas por colegas que mostram as pichações em todos os prédios, pátio, quadra doeram profundamente. Mesmo aposentada da Rede Municipal de Porto Alegre desde 2014 continuo mantendo uma ligação grande com a escola. Foram 15 anos de convivência diária com colegas, alunos, famílias, moradores, trabalhadores de outras instituições que atuam na Vila Monte Cristo. A escola é relativamente “jovem”, pois vai fazer 24 anos em 2019. Durante este tempo nunca sofreu um ataque desta proporção.

Quando iniciamos as atividades em 1995 um dos princípios definidos é de que seria uma escola aberta para a Comunidade, que faria parte do cotidiano, sem ser um elefante branco cercado e alheio ao que acontecia com os moradores daquela comunidade, pois aquele espaço fora uma conquista de homens e mulheres, muitos deles que nem tinham filhos em idade escolar, mas que reconheciam e lutavam pelo direito de todos a uma educação pública de qualidade. E foi assim que fizemos. E foi assim que foi construída uma proposta pedagógica diferenciada. Com espaço igualitário no currículo para todas as áreas do conhecimento. Uma organização curricular que permitia que cada um descobrisse suas potencialidades e tivesse acesso a arte, cultura, esporte.

A escola que se propôs a ser polo cultural de uma região em que, junto com o Posto de Saúde e a Escola de Educação Infantil se constituíam nos únicos equipamentos públicos daquela comunidade. Uma escola que abrisse suas quadras nos finais de semana, pois não havia quadras e praças públicas no seu entorno. Uma escola que levou espetáculos de teatro, música e dança para seus espaços e convidou todos os moradores a conviverem e assistirem a espetáculos. Uma escola que levou seus alunos para ver e viver a cidade, fazer arte, música, teatro, dança, fotografia, atletismo…

Por estas vivências contribuiu para que jovens da periferia da cidade descobrissem seus talentos e vivessem eles de forma plena. Uma escola que incentivou e integrou ao seu trabalho pedagógico a atuação coletiva, a luta pelo direito de acesso às políticas públicas, respeitando as diferenças e promovendo a inclusão… Uma escola com uma biblioteca maravilhosa, com trabalho permanente de incentivo a leitura… Uma escola que incorporou a tecnologia ao trabalho de sala de aula …. Uma escola com projeto de respeito ao meio ambiente e que mesmo com uma área física limitada consegue ter uma horta, que espalha o verde e as cores em cada canto possível…

Pois este espaço foi invadido e vandalizado. Recados ameaçadores de repetir a violência ocorrida em Suzano/SP foram pichados pelas paredes. E daí vem a minha inquietação quando vejo que mesmo que isso tenha ocorrido tão próximo de todos nós, o espaço para “notícia” seja somente uma nota pequena. Obviamente isto dá sinais do quanto determinados ocorridos podem causar indignação. Não tem como não pensar que a “periferia de Porto Alegre” e suas mazelas está mais distante dos cidadãos do que Paris. Não sei se não estou exagerando, mas queria saber se tal ação ocorresse em uma escola localizada em área “nobre” se a silenciosa manifestação teria as mesmas proporções.

As pessoas ainda são o maior patrimônio deste mundo em habitamos. Enquanto não compreendermos que todos somos gente, independente do dinheiro e do bairro onde moramos, a preocupação seletiva com o que ocorre nesta cidade vai seguir seu curso. Que toda a comunidade da Vila Monte Cristo lembre da sua história de luta e de união para agir de forma inteligente, vivendo a escola novamente de forma conjunta. A solução está no coletivo, na Comunidade Escolar, nos moradores. Temos os 25 anos para comemorar em 2020, e que este fato triste e violento sirva como propulsor para projetos ainda mais inovadores.

(*) Professora aposentada da rede municipal de Porto Alegre, trabalhou por 15 anos na EMEF Vila Monte Cristo.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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