Opinião
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11 de março de 2019
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13:41

Um Marechal em tempos de guerra (por Maister F. da Silva)

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Um Marechal em tempos de guerra (por Maister F. da Silva)
Um Marechal em tempos de guerra (por Maister F. da Silva)
Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Maister F. da Silva (*)

O Brasil é um país um tanto difícil de entender, carregado de regionalidades arraigadas que se sobrepunham a construção de uma identidade nacional a séculos, o que mais se aproxima de uma unidade nacional ainda que superfluamente é o chauvinismo pelo futebol – visivelmente abatido na última copa do mundo, pelos escândalos de corrupção envolvendo FIFA e CBF. O Brasil saiu da condição de colônia em um acordo que o manteve colonizado, saiu do regime escravocrata mantendo a cultura escravocrata como princípio, de acordo em acordo manteve a estrutura política, jurídica e militar sempre sob a tutela das mesmas oligarquias. A estrutura do poder real alterou-se muito infimamente nos últimos 200 anos – no que tange as famílias detentoras dos destinos do país, talvez a grande incorporação dos oligarcas tenha sido a inserção dos barões da mídia.

A falta de uma identidade nacional capaz de mobilizar a povo contra a interferência dos países imperialistas em nosso território, fez emergir em vários momentos de nossa história o sentimento de um nacionalismo às avessas manipulado com a construção de farsas como a existência de um “inimigo interno” que é contra a família, a moral e os bons costumes, enquanto o verdadeiro inimigo age sobrepujando nossa soberania e suprimindo nossas riquezas. As revoltas que temos ciência acabaram por ser revoltas localizadas, restringidas as regionalidades, Balaiada, Malês, Cabanagem, Praieira, Canudos, Farroupilha, algumas de natureza popular outras oriundas das próprias oligarquias burguesas.

Em todas essas revoltas e revoluções destacaram-se homens e mulheres alçados ao imaginário popular como destacados (as) Generais de guerra, no entanto todos foram esmagados pelo poder central. Poucos são os relatos e a historiografia de movimentos e organizações que conseguiram subsistir organizados em todo ou quase todo o território nacional com um mínimo de unidade na ação política. O primeiro movimento que a história brasileira reconhece como um movimento que logrou êxito na atuação coordenada em todo o território brasileiro foi o movimento abolicionista, atuando com três frentes sincronizadas, o parlamento, o judiciário e as ruas. No entanto não disputava o poder, com a abolição não evoluiu para novas formas organizativas. Há quem afirme que a primeira organização política a atuar de forma sincronizada foi a maçonaria, inclusive muitos dos mais destacados dirigentes do movimento abolicionista eram maçons, outros ainda consideram a igreja católica a precursora.

A Coluna Prestes que cruzou o país denunciando o poder oligárquico, a pobreza e a fome foi uma tentativa real de unificar o povo brasileiro na luta contra a elite, foi derrotada em seu objetivo, mas terminou por contribuir com a chamada Revolução de 1930 que alterou significativamente a estrutura do estado brasileiro, inserindo-o na rota do capitalismo industrial europeu e norte-americano. Prestes entrou para a história como um dedicado General, passando maior parte da vida encarcerado, devotou sua vida a construção de uma pátria comum a todos os brasileiros. Getúlio Vargas, representante legal da oligarquia gaúcha, foi um líder controverso, para alguns eternizado como um ditador, para outros é o “pai dos pobres”. É iniciativa de seu governo a criação do Ministério do Trabalho (que sobreviveu até o Governo Bolsonaro), a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a Petrobrás (saqueada agora pela Lava Jato), a Vale do Rio Doce (vendida por FHC), a Eletrobrás, o BNDES, apenas para exemplificar, também o responsabilizam por ter instituído a aliança “elite-proletariado”.

Fim dos anos 1970, fruto da industrialização de Getúlio e da repressão dos generais emerge um novo sindicalismo, mais contestador, traz a frente um nordestino, retirante, criado pela mãe, não muito alto e de voz rouca. Pensei e muitos de minha geração certamente também pensaram que por não ter visto o Lula sindicalista, nunca veríamos o Lula que assombrava o sistema, o Lula Marechal de Guerra – para esclarecer em tempos de guerra um General é alçado ao posto de Marechal. O Lula que minha geração até então conhecia era o Lula pós eleição de 1994, dirigente partidário, já mais afeito a disputa eleitoral, era o General de um partido popular comprometido a melhorar a vida do povo, convencido que podia mudar as coisas por dentro do sistema.

Getúlio incluiu o país no mapa do capitalismo industrial, iniciou a construção de um estado grande e soberano e criou as bases da legislação trabalhista protetiva que foi sendo melhorada à medida que aumentaram a organização dos trabalhadores em nível nacional, mas as medidas restringem-se quase que exclusivamente aos inseridos no processo produtivo capitalista. Lula foi mais longe, buscou inserir os excluídos do sistema, torná-los cidadãos, qualificar e expandir os direitos dos trabalhadores, reforçar a condição de país soberano e torná-lo uma referência, uma liderança entre os países tradicionalmente oprimidos pelas potências imperialistas, constitui-se hoje como o único Marechal de Guerra da esquerda, capaz de falar a toda nação. Ocorre que o sistema não costuma ser condescendente com mudanças, sobretudo em países com oligarquias seculares como é o caso do Brasil.

A luta de classes no país evoluiu para um cenário de guerra aberta entre capital (financeiro) e trabalho e por mais paradoxal que pareça, no momento marchamos sem nosso único Marechal, capaz de unificar os progressistas, os movimentos sociais e os verdadeiros nacionalistas contra as forças retrógradas que assolam o país. Contamos com alguns poucos Generais de Divisão regionalizada, uma infantaria meio atônita e uma artilharia desarmada.

(*) Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores e membro do FRONT – Instituto de Estudos Contemporâneos.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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