Opinião
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20 de março de 2019
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18:22

Aula de História VI – Manifesto pela Paz e a Amizade (por Carmem Zeli de Vargas Gil, Caroline Pacievitch, Fernando Seffner e Nilton Mullet Pereira)

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Sul 21
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Aula de História VI – Manifesto pela Paz e a Amizade (por Carmem Zeli de Vargas Gil, Caroline Pacievitch, Fernando Seffner e Nilton Mullet Pereira)
Aula de História VI – Manifesto pela Paz e a Amizade (por Carmem Zeli de Vargas Gil, Caroline Pacievitch, Fernando Seffner e Nilton Mullet Pereira)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Carmem Zeli de Vargas Gil, Caroline Pacievitch, Fernando Seffner e Nilton Mullet Pereira (*)

Este texto foi escrito como um manifesto de professoras/es que atuam na licenciatura em História, a fim de iniciar um diálogo produtivo acerca de três acontecimentos muito tristes (ver links abaixo), envolvendo a morte de jovens e de pessoas adultas, que certamente dilaceraram inúmeras famílias. Pensamos muito antes de fazer este texto. Mas, somos professoras/es de História, não podemos nos omitir. Não somos simplesmente aqueles que contemplam um passado distanciado do presente; ou um presente que não coexiste com o passado. Problematizamos, de uma só vez, o que se passa hoje e ontem. Precisamos pensar e ajudar a compreender o que acontece à nossa volta. Com respeito muito grande às famílias que perderam seus filhos e afetos em Suzano; com respeito às famílias e seus entes queridos sepultados no cemitério judaico da França; com respeito aos fiéis que rezavam na Mesquita, na Nova Zelândia, precisamos analisar, pensar, escrever, debater.

A vitalidade de uma aula de História está em se perguntar por que sentimos medo e por que uma cultura da violência parece cobrir com uma névoa sufocante nossa liberdade de escolher, de pensar, de reagir e de criar? Desconhecer e não problematizar esse ambiente no qual estamos vivendo nos leva a afundar num período no qual os jovens e as pessoas em geral se tornam presas fáceis para discursos de ódio, para o culto às armas e para o uso da violência que destrói o outro, como única forma de resolver problemas e conflitos.

Mas o que pode uma professora, um professor de História diante da barbárie e da tristeza que imobiliza, do medo que faz nascer o ressentimento? Sabemos dos perigos do ressentimento, de seus flertes com o ódio. Os perpetradores desses crimes que nos deixaram consternados lançam mão de justificativas aparentemente históricas para seus atos.

Apesar de parecer que se referem a conteúdos tradicionalmente ensinados nas aulas de história (como nazismo, migrações e nacionalismo), as narrativas produzidas e divulgadas por grupos extremistas não podem jamais ser confundidas com “interpretações possíveis”, “outro ponto de vista”, ou mesmo “distorções” da História. Trata-se de perversão, por se disfarçar de racionais falácias contaminadas pelo ódio, que dificilmente podem ser enfrentadas se as tomarmos como desdobramentos da mesma fonte, isto é, como narrativas históricas legítimas.

Neste sentido, a influência da aula de história, baseada na razão, nos fatos e na linearidade progressiva parece ter pouca força, diante do poder de um sentimento distorcido sobre a injustiça histórica. Um caminho possível não seria, então, unir os afetos positivos e suas paixões à razão e buscar outras formas de expressão, mais abertas? À desconfiança, responder com acolhida; ao medo, com ousadia; à linearidade, com o caos?

Talvez devêssemos aprender mais com o Carnaval – o Carnaval da Mangueira, sim em 2019 e em 1988, mas também com as festas de rua que resistem e se reinventam em muitas cidades do país. Talvez também pudéssemos aprender mais com as experiências dos próprios jovens, do diálogo afetuoso, da música, da dança, dos desenhos nos cantos dos cadernos e das formas expressivas que convidam ao convívio sadio e alegre. Na folia cansativa – mas adorável – de um sexto ano, colocar em jogo a história que é viva, que desperta novas curiosidades, que permite deslocamentos no tempo e no espaço, que permite criar novidades.

Hannah Arendt, estudiosa dos totalitarismos, escreveu que muitas vezes sentimos como se vivêssemos em um deserto, mas que não podemos pensar que somos parte dele (ou seja, de banalizar o mal). Precisamos de nossos oásis – o amor e a amizade – para regenerar a alma e seguir na luta.

Os eventos que selecionamos para demonstrar nossa perplexidade diante do rumos das nossas vidas, no presente, são bem diferentes um do outro, mas eles têm em comum uma vontade de ferir e uma descarga de violência que deriva de um ódio indecifrável e incompreensível. Mas, tanto a vontade de ferir quanto o ódio, tem uma explicação histórica. Não são nenhuma novidade em nosso mundo. Um voo rápido pelo século XX pode permitir ver e compreender como o mal pode ser tornar banal, aceitável e até mesmo cultuado. No século XXI, depois de conquistas significativas das grupos identitários e povos até então invisíveis nas mídias, nas escolas, nos livros, uma reação altamente perigosa em razão da perda de privilégios, parece continuar a exigir os direitos do macho, do branco e de uma imemorial raça pura, bradando contra os povos indígenas, os negros, os LGBTS, as mulheres…

Contra o ódio e a favor da amizade, da alegria e da acolhida, seguem as aulas de História.

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(*) Professores da Faculdade de Educação da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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