Opinião
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1 de fevereiro de 2019
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17:12

Violência contra mulheres e meninas: é tempo de trabalhar nas causas (por Sofia Cavedon)

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Sul 21
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Violência contra mulheres e meninas: é tempo de trabalhar nas causas (por Sofia Cavedon)
Violência contra mulheres e meninas: é tempo de trabalhar nas causas (por Sofia Cavedon)
Foto| Elza Fiúza/Agência Brasil

Sofia Cavedon (*)

A Constituição Federal afirma, no caput de seu art. 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […]”. No inc. I do mesmo artigo, estabelece que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Ou seja, o legislador não apenas afirma uma igualdade genérica, mas define a igualdade entre homens e mulheres, destacando os aspectos de gênero como merecedores de uma menção específica.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, um conjunto de leis infraconstitucionais tratou da proteção e do combate à opressão, à discriminação e à violência contra a mulher. Entre elas, podemos citar a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que pune a violência doméstica e sexual, a Lei Federal nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, que obriga os partidos políticos a apresentarem o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, e a Lei Federal nº 13.104, 9 de março de 2015, que tipifica o crime de feminicídio, definido como o assassinato de mulher por razões de gênero, ou seja, quando envolve violência doméstica e familiar ou com menosprezo e discriminação contra a condição de mulher da vítima.

Segundo a ONU, uma em cada três mulheres e meninas sofrem ou vão sofrer violência durante a vida, índices considerados de pandemia. Na América Latina concentramos 40% dos feminicídios, apesar de sermos 8% da população mundial e desses 38% no Brasil – 5º colocado no ranking global. Segundo o Atlas da Violência 2018, são registradas no Brasil 13 mortes violentas de mulheres por dia. Em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país. O número representa um aumento de 6,4% no período de dez anos. Já em 2017, dois anos após a Lei do Feminicídio entrar em vigor, os tribunais de justiça de todo o país movimentaram 13.825 casos. Desses, foram contabilizadas 4.829 sentenças proferidas. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas os números só aumentam: no primeiro mês de 2019 tivemos reportados mais de 100 feminicídios em todo o país e desses, quatro em Porto Alegre pelo levantamento na imprensa local. É também na capital que os conselheiros tutelares ao prestarem conta do trabalho de 2018 identificaram como maior percentual de violação de direitos o estupro de meninas!

Fica evidente que trabalhar apenas na repressão não resulta em redução da violência contra a mulher e as meninas. É fundamental conseguir trabalhar nos fatores geradores da violência. E todos os estudos apontam para a construção cultural dos papeis de homens e de mulheres que coloca essas em posição inferior, a destina a espaços privados e a atividades consideradas de menor complexidade e poder, ao mesmo tempo em que concede ao homem papel superior, de liderança, de liberdade e de poder. O que chamamos de machismo está aí produzido diariamente nos costumes, nas práticas sociais, no âmbito das famílias, atingindo fortemente a construção das subjetividades.

A educação cumpre um papel fundamental para mudar comportamentos machistas e discriminatórios em relação às mulheres e às meninas. Quanto mais cedo começar a educação para uma cultura não machista, mais possibilidades teremos de os meninos tornarem-se adultos que respeitam as mulheres. A Rede Estadual de Educação pode cumprir função importante e decisiva para a difusão de comportamentos não machistas e de respeito às meninas e às mulheres, desde que seus e suas profissionais tenham suporte e formação para tal. A própria condição de mulher da grande maioria das nossas professoras carrega a desigualdade e recebe a discriminação, assédio e violência tanto no âmbito familiar quanto, muitas vezes na relação com os estudantes e com a comunidade escolar. A degradação do espaço físico e das condições remuneratórias agravam essa condição. A autonomia financeira das mulheres é fator decisivo na sua libertação.

No município de Porto Alegre, já é forte a legislação que busca reprimir a violência e a discriminação. A Lei Orgânica do Município de Porto Alegre prevê, por exemplo, em seu art. 150, que “sofrerão penalidades de multa até cassação do alvará de instalação e funcionamento os estabelecimentos de pessoas físicas ou jurídicas que, no território do Município, pratiquem ato de discriminação racial, de gênero […]”. Já o art. 151 estabelece que:

O Executivo Municipal, anualmente, na primeira quinzena do mês de março, prestará contas à Câmara Municipal acerca das ações e dos programas desenvolvidos no exercício anterior relacionados à:

I – proteção de mulheres e de crianças vítimas de violência;
II – prevenção e ao combate à violência contra a mulher; e
III – promoção dos direitos da mulher.

Recentemente promulgada, a Lei 12.507/2019, estabeleceu para a Rede Municipal de Ensino da Capital diretrizes para a valorização de meninas e mulheres através de ações educativas buscando o fim da discriminação e da violência e tem o desafio de implementá-la no próximo período.

Aquela lei foi construída a partir do processo de criação da Primeira Procuradoria da Mulher dos Legislativos do Estado e da realização de dois seminários nacionais sobre educação e seu papel na construção de uma sociedade não sexista. Desses debates e processos de luta para implementar as leis e garantir os direitos das mulheres, ficou mais clara a percepção de que é necessário interferir na produção da violência, não só na repressão depois que ela acontece.

A exemplo do que conseguimos aprovar na Câmara Municipal da Capital, e também inspirados no projeto do deputado estadual de Mato Grosso do Sul, Pedro Kemp (PT), aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado e sancionado pelo governador Reinaldo Azambuja Silva (PSDB) em 14 de junho de 2017, dando origem à Lei Estadual nº 5.011, colocamos em tramitação novo Projeto de Lei, ampliado e atualizado para trazer ao âmbito estadual, para seu sistema de ensino, o desafio de transformar a educação no sentido de identificar, problematizar e superar todas as manifestações de violência e discriminação das mulheres e meninas.

Apostamos que o próprio processo de tramitação possibilite a ampliação da compreensão de tamanha problemática para a qual não há respostas simplificadas e que também não será apenas a educação que dará conta. Terá que ser compromisso da sociedade como um todo. Porém, sem a educação intervir – a partir de investimento e suporte para perceber e alterar as manifestações de violência que dentro da escola retratam a realidade das famílias de suas e seus estudantes – não teremos êxito.

(*) Deputada Estadual (PT)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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