Opinião
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6 de fevereiro de 2019
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09:30

Os bens comuns, a sanha privatista e as instituições do futuro (por Maister F. da Silva)

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Os bens comuns, a sanha privatista e as instituições do futuro (por Maister F. da Silva)
Os bens comuns, a sanha privatista e as instituições do futuro (por Maister F. da Silva)
Foto: Maria Júlia Andrade/Brasil de Fato

Maister F. da Silva (*)

Sempre que se enfrentam crises de longa duração o debate e a reflexão sobre os bens comuns guardam lugar de grande relevância no período de transição. Visto que, nos períodos sucedâneos a superestrutura do estado se reestrutura com novas instituições, construção de novos valores morais e éticos, e o bloco histórico no poder tende a ceder e incorporar novos atores alinhados com a política condizente ao regime emergente. No século XX as crises estruturais em sua maioria, conduziram os estados nacionais a avanços civilizatórios, consolidação de regimes de proteção social e zelo pelos bens comuns como riqueza nacional do povo – frutos do processo da intensa luta de classes, quando os pobres sublevaram-se contra o fardo de arcar com todo o peso da saída da crise. Neste início do século XXI, as crises enfrentadas levaram ao poder governantes dispostos a mudar as regras do jogo e não encontraram oposições organizadas à altura de frear tais desmandos.

Os bens comuns – água, terra, energia, saneamento básico, ferrovias, biodiversidade, estradas, saúde, educação, segurança, conhecimento, etc – são a riqueza coletiva dos povos, onde o mesmo é co-proprietário e elege representantes para fazer a gestão e organizar a distribuição horizontal para toda as classes sociais. A boa gestão e distribuição dos bens comuns é vital para a sobrevivência da democracia, da justiça social e do bem-estar coletivo. Em sociedades onde a democracia e a justiça social encontram-se ameaçadas, o bem-estar coletivo deixa de ser um valor universal e os bens comuns são para os governantes mero valor de troca, em nome da modernização e simplificação do poder do estado outorgam a si mesmos o direito de especular com a propriedade comum, solução burra, paliativa, que não resolve os problemas e limita a busca futura de soluções criativas para o desenvolvimento econômico e social.

Ocorre que a crise tem afetado de forma mais intensa a comunidade empobrecida da população, econômica e socialmente, com a grande perda de empregos, mudanças retrógradas no sistema de seguridade social e precariedade da gestão dos bens comuns – traduzidos em serviços públicos. A recessão econômica, no entanto, não afetou significativamente os donos do capital, que seguiram obtendo lucros extraordinários. A sanha privatista que assola os governantes, é parte da reconfiguração do bloco no poder, apoderar-se do que resta dos bens comuns e torná-los mercadoria é parte do novo ciclo de acumulação capitalista. Deixar ao estado a tarefa de administrar uma máquina esvaziada de riquezas, afundado em dívidas e ocupado em tutelar uma sociedade com cada vez menos liberdade real.

O avanço do processo de privatização da água é um dos exemplos mais latentes, encarece, limita o acesso e diminui a qualidade do serviço. Outro exemplo sintomático, a entrega do petróleo e das riquezas minerais que deixam de ser ativos financiadores do estado de bem-estar social para tornar-se dividendos de grandes corporações ou estatais estrangeiras – caso da China – que compra nossas riquezas para proporcionar melhor qualidade de vida ao povo chinês.

A crescente mercantilização da vida e o avanço do capital financeiro sobre os bens comuns tem atuado para que a riqueza produzida seja cada vez mais concentrada nas mãos das classes ricas. O capital financeiro avança sobre os bens comuns com nova face, as chamadas parcerias público-privadas, especialmente na gestão de serviços básicos como saúde e educação. A medida que aumenta a exploração das riquezas naturais, deixa um rastro de desterritorialização no campo e na cidade, aproveitando-se da debilidade dos sistemas de fiscalização e controle do estado e agindo impunemente cometendo crimes ambientais e violando direitos humanos e sociais.

A tarefa da defesa dos bens comuns como patrimônio do povo será tarefa primordial no próximo período a todos os que se denominam progressistas, democratas, socialistas…ainda constitui o caminho mais curto para encontrar-se junto ao povo e a busca de soluções transformadoras que possam nos conduzir a emergência de um novo projeto político e econômico de desenvolvimento, com justiça social e democracia verdadeira. A construção de uma política anti-privatista de nossas riquezas naturais e a boa gestão de nossos bens comuns passa pela conquista do estado e não há alternativa para lutar contra a sanha privatista fora dele.

(*) Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores e membro do FRONT – Instituto de Estudos Contemporâneos.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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