Opinião
|
18 de fevereiro de 2019
|
13:35

Aos condenados da terra não é permitido falar (por Franklin Cunha)

Por
Sul 21
[email protected]
Aos condenados da terra não é permitido falar (por Franklin Cunha)
Aos condenados da terra não é permitido falar (por Franklin Cunha)
Rei de Espanha, Juan Carlos, jura lealdade ao ditador Francisco Franco (Reprodução/Youtube)

Franklin Cunha (*)

“Por qué  no te callas”
Juan Carlos de Bourbon, Rei da Espanha, dirigindo-se ao presidente  Hugo Chaves numa reunião de dirigentes  ibero-americanos.

No prefácio do livro Os Condenados da Terra do escritor da Martinica, Franz Fanon, Sartre escreveu: “ Não faz muito tempo a Terra estava povoada por dois milhões de habitantes,  quinhentos milhões de homens e  mil e quinhentos milhões de indígenas. Os primeiros dispunham  da palavra, os outros a tomavam  emprestada”.

Falar é dispor do verbo, da palavra e esta era propriedade dos europeus. O escandaloso  é que a partir da descolonização os colonizados se apropriaram da palavra. Já não a tomam emprestada e a usam contra os colonizadores. E são capazes, como Franz Fanon,  de dizer coisas terríveis ou como disse Aimé Césaire, dramaturgo negro que, como Fanon, nasceu na Martinica: “Entre o colonizador e o colonizado só há lugar para o trabalho forçado, para a intimidação e violência policial, para o roubo do trabalho, para a violência sexual, para a imposição da cultura, para o desprezo e para o assassinato”.

A respeito das palavras de Césaire, diz o ensaísta argentino J.P. Feinmann:

“ Que coisas tão incômodas disse Césaire. Como se atreve,  a usar contra o colonizador o verbo que este lhe emprestou? Graças a nós se fizeram-se humanos;  se integraram na História porque alguma vez os invadimos, demos a eles  um Deus , matamos os inúteis e rebeldes , roubamos  suas riquezas e lhes demos a Razão, o Progresso, a Civilização. Porque, agora,  usam contra nós a palavra que lhes demos”?

Por qué no se calan?

Toda a história do colonialismo ecoa nesta frase. Feinmann: “Chega de usar a palavra , tu filho de indígenas, descendente de escravos . É um Rei europeu que ordena que te cales, um descendente de colonizadores, de ousados empreendedores que te descobriram para a História, para uma civilização que colocou a palavra  em tua boca insolente”.

Hugo Chavez foi um brilhante orador, podíamos acreditar nele ou não, mas o monarca que pretendeu fazê-lo calar foi somente uma figura arqueológica, um rescaldo dos tempos terríveis quando predominavam as palavras de ordem proferidas contra quem  consideravam naturalmente e por tradição como raças inferiores.

Há alguns anos, na Argentina, a revista Barcelona exibiu uma foto do Rei Juan Carlos de Bourbon e de sua esposa, Sofia. Entre eles havia um genocida, o General Jorge Rafael Videla. O Rei espanhol o visitava, o homenageava com sua nobre  presença, lhe ofereceu o prestígio de uma monarquia europeia. Na legenda da foto lia-se:

“Por qué te calaste? A pergunta estava dirigida ao rei Juan Carlos. Se antes ele  tinha ordenado a Hugo Chaves que se calasse, porque se calou diante de Videla, um notório serial killer que terminou seus dias na prisão, julgado e condenado pela justiça argentina?

(*) Médico, Membro da Academia Rio-Grandense de Letras

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora