Opinião
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30 de janeiro de 2019
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12:50

Um zero sete. 107 casos de feminicídios no Brasil em 2019 (por Ane Cruz)

Por
Sul 21
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Um zero sete. 107 casos de feminicídios no Brasil em 2019 (por Ane Cruz)
Um zero sete. 107 casos de feminicídios no Brasil em 2019 (por Ane Cruz)
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ane Cruz (*)

Todos os dias ouvimos uma notícia sobre violência contra mulher, de morte ou tentativas de feminicídios. Sant’Ana do Livramento/RS teve mais um caso neste último domingo, 27 de janeiro.

No ano de 2012 foi instituída a CPI Mista da Violência contra a Mulher, que envolveu por quase três anos, o parlamento brasileiro, governo federal e sociedade civil organizada. Deste processo de investigação e audiências públicas pelo Brasil, nasceu a Lei do Feminicídio (Lei 13.104, de 2015). Esta Lei concedeu como agravante o crime de homicídio, uma circunstância específica que transformou o ato em homicídio qualificado. O feminicídio qualifica o assassinato quando a mulher é morta por questões de gênero. A pena para o crime vai de 12 a 30 anos de reclusão. Mas pode ser elevada em até 50% caso o crime seja praticado na presença de filhos, pais ou avós da vítima, durante a gestação ou nos três meses imediatamente pós-parto e ainda contra vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência.

Em março deste ano, a Lei completará 4 anos. Tempo em que muita coisa mudou na conjuntura política do Brasil e na cultura do povo e da sociedade brasileira. Mudanças que dão conta de 107 casos de feminicídios registrados em 2019 e o primeiro mês do ano, nem acabou (até o momento de escrever este artigo). O estudo foi feito pelo professor Jefferson Nascimento, doutor em Direito Internacional pela USP, com base no noticiário nacional, e divulgado pelo jornal O Globo, em 21 de janeiro de 2019.

Considerando a eleição de Jair Bolsonaro como Presidente do Brasil, e que traz como fundamento o armamento da população não é à toa que crescem os feminicídios e tentativas de feminicídios, é óbvio que a parte mais frágil deste sistema patriarcal, de cultura machista, quem vai ser atingida. Se é verdade que a Lei do Feminicídio “qualifica o assassinato quando a mulher é morta por questões de gênero” e se é verdade que o governo Bolsonaro, a Ministra Damares e demais ministros não compreendem as questões de gênero, é verdade que as mortes vão continuar acontecendo nesse país.

As mulheres são as que mais morrem no lugar que deveria ser o mais seguro: as suas casas. Estas mortes e tentativas de feminicídios, são majoritariamente de seus companheiros, ou ex, maridos ou ex…namorados e dentro de seus lares. Isso já é sabido há muito tempo. Então o lugar que deveria ser o lugar de proteção é o lugar que isola e que é cúmplice da morte destas mulheres. Agora imaginem com a autorização do estado se não seriam as mulheres a serem as primeiras? É por isso que é crescente o número de feminicidios já no primeiro mês de janeiro de 2019.

Quando o estado autoriza, defende o porte de armas, incentiva a violência, a sociedade que já vive em uma cultura machista e violenta, só corresponde a isso.

Pois bem, o que estes dados nos fazem refletir diante desta conjuntura, pós golpe misógino, mortes por execução, prisões injustas, eleições duvidosas, exílios, impunidades e de um judiciário acachapado? Podemos dizer que é um cenário de terra arrasada ou terra de ninguém, ou terra sem lei. Mas a notícia boa é que nós temos Leis para todos estes crimes. Elas devem ser aplicadas. A punição para as tentativas e para os feminicídios devem ser rigorosas.

A má notícia, é que o poder Judiciário continua sendo o maior imbróglio disso tudo. O único sistema que deveria funcionar de forma exemplar e fazer valer as leis não cumpre seu papel. O que vivemos no Brasil hoje é um sistema de justiça acovardado e vendido e por outro lado, os serviços públicos da rede de atendimento cada vez mais escassos e precarizados para prestar apoio às mulheres em situação de violência.

(*) Feminista, licenciada em Ciências Sociais, foi Coordenadora Geral da Central Ligue 180 no Governo Dilma.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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