Opinião
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17 de janeiro de 2019
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10:30

Um PT renovado precisa se apresentar para Porto Alegre (por Margarete Moraes, Márcio Medeiros Felix e Vinícius Lara)

Por
Sul 21
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Um PT renovado precisa se apresentar para Porto Alegre (por Margarete Moraes, Márcio Medeiros Felix e Vinícius Lara)
Um PT renovado precisa se apresentar para Porto Alegre (por Margarete Moraes, Márcio Medeiros Felix e Vinícius Lara)
Foto: Marco Weissheimer/Sul21

Margarete Moraes, Márcio Medeiros Félix e Vinícius Lara (*)

No dia 12 de janeiro foi publicada, no Portal Sul 21, entrevista com Flavio Koutzii, na qual o ex-deputado disserta sobre o ambiente no qual a democracia não está somente em estado de sítio, mas sob colapso. Essa realidade deslinda contornos alarmantes desde os momentos que sucederam o resultado das eleições presidenciais de 2014. Nesse processo, ganham destaque as arbitrariedades contra a vida e a dignidade de Lula, e segundo Flávio, não sabemos como se desenhará o final dessa máscara de horror.

A reflexão é profunda e talvez corresponda ao front onde o papel do Partido dos Trabalhadores (PT) tenha sido mais positivo na contenção de prejuízos. A presente contribuição que segue, entretanto, visa apoiar-se neste tipo de descrição da realidade a fim de estabelecer alguns outros pontos importantes com os quais o partido terá de debruçar-se.

Sem conexão imediata com as tensões atinentes à cidade e a organização das pessoas, os efeitos da tragédia poderão ser ainda mais extensivos. Por isso, precisamos pensar adiante.

O ponto inicial e motivador a dedicar atenção ao PT é que os últimos anos foram de duras derrotas para a ideia de um país soberano e um projeto de esquerda para o país.

A primeira etapa foi o golpe legislativo que derrubou a Presidenta Dilma sem o cometimento de crime de responsabilidade, sem que isso suscitasse um amplo movimento popular de resistência. A segunda, os enormes retrocessos do período Temer e, por fim, a eleição de Bolsonaro. Embora tenha mantido boa parte de sua força eleitoral (elegendo quatro governadores e a maior bancada de deputados), é evidente a derrota do PT.

A esquerda e todos os setores progressistas da sociedade brasileira se encontram num momento no qual concorrem variados sentimentos: da perplexidade à indignação; da depressão à motivação para resistir a um projeto que visa a destruição daquilo que representamos. Resistir a um governo que em poucos dias demonstra autoritarismo, excludente e concentrador de renda, prometendo desmantelar todo o sistema de instituições democráticas surgidos a partir da Constituição de 1988, não é uma opção, é um dever.

Em Porto Alegre, vivemos uma realidade parecida. O PT e a esquerda deixaram o governo em 2004, após uma experiência de quatro gestões. Vivemos nesse período 3 gestões de governos de uma coalização que pode ser definida como de centro, sucedida pela eleição do atual Prefeito, claramente identificado à direita (inclusive aliado ao lamentável MBL).

Nas duas últimas eleições, o PT sequer conseguiu levar sua candidatura ao segundo turno, o que, somado à redução gradual da nossa bancada de vereadores, demonstra uma perda de capital político-eleitoral imensa. Em 2016, a derrota só não foi mais dura pelo bravo papel cumprido por Raul Pont, ex-prefeito e figura que campeia notável respeito por parte da população da nossa cidade.

Diante de tal quadro, tanto nacional como local, evidente que se impõe ao PT de Porto Alegre fazer um profundo balanço. Desde a eleição de 1988, onde elegeu-se Olívio Dutra, a cidade viveu enormes transformações, em todas as áreas. Mais de 30 anos se passaram. Há 14 anos que já não governamos Porto Alegre. É hora, portanto, do PT fazer uma reflexão profunda, severa e detalhada, capaz de, ao final, apresentar um novo programa para uma nova cidade.

É urgente iniciar esse processo, de modo que se possa chegar à eleição municipal de 2020 com essa reflexão avançada, de modo que possamos colaborar com o conjunto da esquerda para que se apresente uma alternativa sólida e progressista para derrotar o projeto do atual prefeito e os seus amigos do MBL.

Passamos agora, a lançar alguns elementos que, no nosso entender, precisam ser enfrentados pelo partido em Porto Alegre.

1 – Dialogar com a base social atualmente identificada com o PT

Desde a eleição de Lula em 2002, houve uma consolidação de um padrão de preferência eleitoral que levou o PT ser o partido pelo qual optaram os setores mais pobres da população, com influência bastante forte nos chamados setores médios, a intelectualidade, os trabalhadores da educação e cultura.

Entretanto, fora o Nordeste, o PT perdeu capacidade de mobilização e liderança entre os setores médios e especialmente do funcionalismo público. Desde então, consciente ou inconscientemente, o Partido passou a ter uma sustentação cada vez mais dependente e restrita da maioria absoluta entre o povo pobre, efetivado apenas nos momentos eleitorais, diga-se de passagem.

No Rio Grande do Sul, como de resto em outras seções estaduais, o PT ainda parece muito voltado a um ideário que já não dialoga suficientemente com esse público atualmente cativo e fiel, comprometendo a construção de novas lideranças e as virtudes inerentes a um programa de ação política renovado. Assim, ficamos a meio caminho do diálogo intenso e necessário com a base social realmente existente, sem ter retomado sua decisiva influência entre a classe média.

Embora o programa político do PT deva sempre passar pelo respeito a todos os setores organizados da sociedade e deva sempre governar dialogando e respeitando o funcionalismo público, este é apenas um dos setores da sociedade porto-alegrense para os quais o PT precisa apresentar seu programa e dialogar.

A defesa dos servidores públicos de Porto Alegre contra os ataques sofridos pela gestão Marchezan tem sido uma orientação permanente (e correta) da nossa bancada na Câmara, mas o partido precisa olhar além quando pensa a pauta da cidade. O partido não pode pautar-se sobremaneira pelo funcionalismo público organizado, como se esse fosse o único público ao qual o partido está se dirigindo. É preciso mais. O PT precisa incorporar em seus espaços o acúmulo político da população periférica e dos demais movimentos sociais na cidade.

É preciso pensar uma Porto Alegre que vá além do planejamento urbano pautado pela lógica de expansão e acúmulo do capital concentrado nas mesmas famílias. Compreender a ocupação do espaço público pelas pessoas numa era em que os processos de engajamento cada vez mais são motivados por expressões identitárias, requer abrir espaço nos movimentos sociais tradicionais para que esses possam refletir ao mesmo tempo sobre o agregado de pautas feministas, LGBT, anti-racistas, e o uso dos novos instrumentos capazes de promover a mobilização política, condensando, a partir disso, um novo bloco histórico. Entretanto, a internet segue sendo um grande desafio ao partido.

Nesse sentido, não temos dúvida em afirmar que o olhar mais importante do PT deve ser ao povo pobre de Porto Alegre, que sofre diariamente com o desemprego de uma cidade empobrecida, desindustrializada, com um péssimo transporte coletivo, sem cultura, com educação precarizada e com níveis alarmantes de insegurança. Uma cidade que nas últimas duas décadas passou a conviver com regiões ocupadas pelo poder paralelo, cada vez mais exposta à violência e que pode, em breve, conviver com os aparatos milicianos tal como acontece no Rio de Janeiro.

2 – Duas prioridades: erradicação da miséria e qualidade de vida

Considerando a ideia central de que devemos organizar um programa político para o povo mais pobre de Porto Alegre, nos parece que o principal num futuro governo democrático-popular seria retomar o alto padrão de investimento que as administrações populares tinham em políticas no espaço urbano, assistência social, moradia e transporte coletivo. São os temas mais sensíveis à população mais pobre da cidade. Dentre as áreas em que fica visível que a cidade piorou, se destaca um aumento expressivo da população em situação de rua e uma degradação da frota de ônibus (e falamos de uma cidade cujo transporte coletivo era modelo). O lixo a céu aberto, os canteiros descuidados, as árvores que caem, o descuidado ao espaço Urbano.

Além disso, nenhum programa para a cidade pode ignorar as graves questões envolvendo segurança pública, educação, saúde, cultura, ocupações do espaço público, e menos ainda, a própria disposição econômica da cidade.

3 – Uma visão atualizada sobre participação popular

Uma das marcas mais importantes das administrações populares em Porto Alegre foram a visão sobre democracia participativa, que incluiu milhares de cidadãos ao debate público da cidade, suas decisões e rumos. No Orçamento Participativo, nos Congressos da Cidade, nos Conselhos, a cidade incluiu um conjunto de novos atores no debate político, num momento em que o país se redemocratizava. Não à toa, nossa experiência foi referência mundial de governo de esquerda, motivando que Porto Alegre sediasse as primeiras edições do Fórum Social Mundial.

As consequências dessa disposição permitiram a cidade integrar-se autonomamente no cenário internacional, gerando oportunidades para o desenvolvimento humano e até mesmo econômico da cidade. Não foram poucas as vezes nas quais a transparência da gestão manifesta na mobilização política das classes sociais em Porto Alegre, rendera ativos financeiros para que atacássemos problemas de infraestrutura urbana. Um programa de esquerda para a cidade precisa, necessariamente, retomar essa diretriz.

No entanto, o desafio está em pensar a participação popular numa época de muito maior complexidade, onde a sociedade está organizada de forma muito mais diversificada e onde qualquer pessoa, a partir de um celular, é capaz de pautar o debate público atual. Até para os efeitos nocivos deste fenômeno, verificadas no subterrâneo do debate público, as antigas “mentiras da internet” só serão suficientemente combatidas se retomarmos uma visão de esfera pública composta pela pluralidade das classes sociais da cidade, sobretudo se levarmos em conta as populações da periferia, historicamente excluídas do debate público.

É fundamental que à nossa visão de democracia participativa se possa agregar um conjunto de novos conhecimentos e de formas de expressão dos cidadãos, sobretudo em contraponto ao elogio da ignorância pregada e já em prática pelo governo federal. Trata-se, também aqui, de um debate desafiador e rico, que o PT pode ajudar a organizar e incluir em seu programa para a cidade.

É preciso, outra vez, ter coragem para mudar!

Margarete Moraes – Professora, ex-Vereadora e ex-Secretária da Cultura de Porto Alegre

Márcio Medeiros Félix – Advogado

Vinícius Lara – Doutorando em Ciência Política / UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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