Opinião
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21 de janeiro de 2019
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09:38

Requiém à Rosa Luxemburgo: atualidade das suas teorias econômica e de ação política 100 anos após sua morte (por Marlon de Souza) 

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Sul 21
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Rosa Luxemburg Stiftung (Foto: Domínio Público – U.S, National Archives and Records Administration)

Marlon de Souza (*)

Há exatos 100 anos Rosa Luxemburgo foi assassinada. Jornalista, uma das mais importantes intelectuais marxistas, desenvolveu algumas obras clássicas de Teoria da Ação Política e de Teoria de Economia Política. A atualidade do pensamento de Luxemburgo deriva do rigor teórico que aplicou a Economia e pelas similitudes do contexto histórico em que ocorreu o seu ativismo político de esquerda na Alemanha, período em que concomitantemente emergiu o nazismo.

Por esta última razão as metodologias analíticas dispostas por Luxemburgo são proficientes à interpretação da conjuntura atual e para a elaboração de alternativas para a oposição as práticas de modos fascistas em ascensão no Brasil e na defesa da democracia. Importante chamar a atenção que sempre que se exerce comparativos de períodos históricos é necessário fazê-lo com observação crítica as especificidades da época pretérita e da atualidade porque a história nunca se repete na sua integralidade.

Além disso, a pertinência de análise do pensamento de Luxemburgo é constata pelo presente autor deste artigo que estudou no ensino médio e superior em uma instituição educacional luterana em Joinville, Santa Catarina, Sul do país que difunde a cultura da Alemanha. A Revolução Alemã (1918/1919) é ocultada – ao menos até os anos de 1990 – e este evento que marcou a história daquele país sequer consta nos livros didáticos e nas aulas de História. Sobre aquele período no Brasil, é enaltecido Otto Von Bismarck como o estadista que com a política da força unificou o império germânico edificando o Estado alemão e erguendo o 2º Reich (1871/1918) até a “passagem para a República de Weimar”.

Coerência de teoria e prática

Entre os biógrafos de Rosa Luxemburgo existe uma unanimidade de que não há um mínimo de distanciamento entre as proposições teóricas de Luxemburgo e da sua ação.  Seu ativismo político é marcado pela redação de teses, artigos, publicações analíticas políticas e econômicas em jornais, críticas a partidários, a autoridades políticas, a governos e outros teóricos marxistas, mas também pronunciamentos públicos, debates, intervenções orais em congressos e ações de massa.

Na orelha da recém biografia lançada pela editora Boitempo no Brasil Rosa Luxemburgo Pensamento e Ação, escrita pelo alemão Paul Frölich e originalmente publicada em Paris às vésperas da 2ª Guerra Mundial, quando a esquerda tentava sobreviver ao nazifascismo,  Michael Löwy – sociólogo nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) na capital da França onde vive desde 1969 – afirma que “a vida e a obra de Rosa Luxemburgo se caracterizam pela extraordinária unidade entre pensamento e ação, teoria e prática, conhecimento científico e compromisso com a luta dos oprimidos.”

Além da grandeza da obra intelectual de Rosa Luxemburgo cujo legado teórico está à altura de Trotsky e Lênin (de quem foi contemporânea e com quem conviveu) é importante destacar que ela protagoniza duas revoluções; a Russa de 1905 e a Alemã de 1918/1919. Na história do movimento operário, da formulação do pensamento socialista e enquanto teórica da revolução Luxemburgo é singular pelas suas características pessoais.

O professor de Economia e professor da Universidade de São Paulo (USP) Paul Singer (um dos principais teóricos do socialismo no Brasil falecido em abril de 1988) afirma na apresentação de Acumulação do Capital vol.1, na publicação da editora Abril Cultural de 1981, que “apesar de uma intelectual Luxemburgo tinha profunda identificação com as massas trabalhadoras, uma total dedicação com os oprimidos e explorados, um ódio mortal à injustiça, um desprezo aos burocratas acomodados que, a pretexto de servir aos trabalhadores deles se servem”.

Teoria e ação política

Pertencia a minorias oprimidas, era judia, sua família era relativamente próspera, nasceu em 5 de março de 1805 no vilarejo de Zamosc na Polônia que estava então sob domínio russo. Quando ela tinha ainda três anos o pai levou os filhos para Varsóvia para proporcionar melhor estudo. Ainda no ginásio a jovem Luxemburgo ingressa no partido de oposição Proletariat. Logo a polícia identifica sua atividade e para evitar a prisão foi para o exílio em Zurique no ano de 1889.

Nos sete anos que passa na Suíça ela inicia seu estudo na universidade local em Economia Política e se integra a outros exilados. Zurique concentrava naquele momento um número expressivo de exilados do império czarista, revolucionários, inclusive alguns proeminentes líderes da social-democracia russa como Georges Plekhanov, Vera Sassunlitch e Paul Axeirod.

Em 1893, o partido Proletariat se reorganiza após inúmeras baixas devido a prisões e condenações em massa e se fundi com a Liga Operária Polonesa e dois agrupamentos menores para formar o Partido Socialista Polonês (PPS), cujo órgão de imprensa era o Sprawa Robotnicza (Causa Operária), que tinha na direção intelectual Rosa Luxemburgo e que fora fundado por Leo Jogiches. Ela foi delegada do partido no Congresso Internacional que foi realizado em Zurique. No mesmo ano ela apresentou um amplo relatório, no qual ela delineou a perspetiva estratégica do partido.

É em 1897 que Rosa Luxemburgo é aprovada doutora em Economia Política cuja a tese que defendeu para o doutoramento é “O Desenvolvimento Industrial da Polônia”. Depois de passar alguns meses na França migra para a Alemanha, onde adquire cidadania após um casamento de aparência com Gustav Lübeck. Em pouco tempo passa a frequentar os círculos de grandes líderes da social-democracia alemã (o Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) era já na época o maior partido socialista do mundo) onde tem contato com lideranças de peso como August Bebel, Paul Singer, Franz Mehring e onde inicia a grande amizade com o líder socialista Karl Kautsky.

Neste período Rosa Luxemburgo passa a ser colaboradora de vários órgãos de imprensa partidária e na revista Neue Zeit – a mais importante revista teórica do partido – dirigida por Kautsky. É neste momento que o SPD passava pelo profundo e colossal debate teórico sobre reformismo na social-democracia alemã. Este debate se estende até os dias atuais por todos os países inclusive no Brasil.

No interior do SPD o debate se caracterizava pelos marxistas ortodoxos que defendiam o socialismo científico, as proposições de Marx para a economia e da revolução como estratégia central da ação política. Do outro lado estavam os revisionistas, que propunham a revisão das ideias de Marx e postulavam um socialismo ético – termo cunhado pela própria Rosa Luxemburgo para caracterizar pejorativamente a política que tem no seu centro a denúncia das injustiças sociais a partir das debilidades morais e éticas do capitalismo. Os marxistas ortodoxos faziam a denúncia do modelo do sistema econômico capitalista a partir da descrição da reprodução da concentração do capital.

Quando se observa o fenômeno da social-democracia alemã neste período é possível estabelecer um paralelo comparativo por analogia ao que ocorreu e ocorre com outros partidos de esquerda e centro esquerda brasileiros e no mundo. Após 12 anos de estar na ilegalidade a partir de 1890 quando ocorrem mudanças na legislação o Partido da Social-Democrata da Alemanha (SPD) supera as restrições e inicia um ciclo de crescimento eleitoral e organizacional. Sindicatos e cooperativas são constituídos por todo o país. Há um evidente fortalecimento do movimento operário. De um reduzido grupo de ousados militantes, o partido social democrata se transforma numa organização de massa, com seus parlamentares, intelectuais e burocratas.

Isto provoca mudanças profundas na prática política do partido, qual passa a se distanciar cada vez mais da ideologia originária do seu programa. Esta questão foi apontada por Eduardo Berstein, que era adepto de Friedrich Engels de quem foi também seu testamentário. Berstein publica este debate em uma série de artigos na Neue Zeit, em 1897 e 1898 e posteriormente no livro Os Pressupostos do Socialismo e as Tarefas da Social-Democracia vindo a público em 1899.

O economista brasileiro Paul Singer descreve que a tese de Berstein era a de que o capitalismo estava desenvolvendo uma série de mecanismos de adaptação, que evitariam as crises no futuro, tornando sua evolução pacífica e contínua. Ainda de acordo com Singer, Bernstein propunha uma “revisão” das formulações de Karl Marx, sua conclusão era de que o programa socialista não deveria enfatizar a implantação revolucionária do socialismo, mas a multiplicação das pequenas conquistas diárias e o grande efeito que a soma teria sobre as condições de vida da classe trabalhadora.

Rosa Luxemburgo notoriabiliza-se enquanto intelectual quando lança-se neste debate teórico com uma série de artigos publicados na Leipzeiger Volskseitung, entre 1898 e 1899, mais tarde editados em livro sob o título Reforma ou Revolução, hoje uma clássico da teoria política traduzido para inúmeras línguas. Contra a posição de Bersntein e em defesa da ortodoxia de Marx se ergueram Plekhanov e Kautsky e as teses revisionistas foram derrotadas em um congresso do partido.

Ainda de acordo com Singer, importante considerar que, no entanto, Rosa Luxemburgo como desenvolvedora do pensamento de Marx manejando com maestria a lógica dialética reconhecia as mudanças do capitalismo e defendia que cabia aos marxistas reavaliarem permanentemente sua tática, “sem cair nas ilusões propagadas pela apologética acadêmica sobre as futuras virtudes do capitalismo regulado”.

Singer conta que para Luxemburgo as lutas por reformas não se opunham, como alternativa a revolução, mas, pelo contrário, constituía a única maneira do proletariado se educar politicamente para travar o grande combate final quando chegasse o momento. Mas Rosa Luxemburgo ressaltava com veemência que se o crescimento operário proporcionava possível a conquista por reformas, ao mesmo tempo não alteravam o caráter básico do capitalismo, nem resolviam suas contradições.

Paul Singer é conclusivo e afirma categoricamente que “a via pacífica para o socialismo pela acumulação de reformas foi sempre cortada por crises, quando não pelo nazifascismo, exatamente como Rosa Luxemburgo equacionou”. Em Reforma ou Revolução (p.66) Luxemburgo aponta que as elaborações de Bernstein em defesa da reforma como estratégia “condena o proletariado à inação nos momentos mais decisivos da luta e, por conseguinte, à traição passiva quanto à sua própria causa”.

Ela dedica suas melhores energias para combater e fazer da luta contra o reformismo a principal meta de sua atividade política. A defesa da democracia no seio da revolução também é uma marca da sua obra. Em A Revolução Russa (p.35-36) pondera que “a vida pública dos Estados de liberdade limitada é tão pobre, tão esquemática, tão infecunda, precisamente porque, excluindo a democracia, ela fecha a fonte viva de toda a riqueza e de todos os progressos intelectuais”.

Teoria Econômica

O método de análise de Rosa Luxemburgo subordinava as lutas nacionais a luta maior pelo socialismo, de modo que cada conjuntura nacional deveria ter sua base material, suas condições sociais inseridas na conjuntura internacional rigorosamente analisadas. Ela extrai desta metodologia e de formulações a partir da obra de Marx uma teoria do imperialismo.

Mas a principal obra teórica de Rosa Luxemburgo é A Acumulação do Capital, também considerada uma das mais importantes da Economia Política marxista. Aqui está presente a economista e onde se encontra um alto nível de erudição. Neste trabalho Luxemburgo descreve que em modos de produção não capitalistas “o momento determinante de reprodução são as necessidades de consumo da sociedade”, como quer que estejam determinadas. No capitalismo, esse mesmo momento consome a forma de realização da mais-valia como forma imprescindível à acumulação do capital.

Neste livro Luxemburgo faz desenvolvimentos de teorias de Marx e Smith, além de outros teóricos da Economia Política. Para ela “o capital constante (que Smith chama de fixo e na tradução pesada de Loewenthal aparece como capital preso ou imobilizado) é, pois, colocado no mesmo plano do dinheiro e não integra absolutamente o produto total da sociedade (sua `renda bruta´): ele não existe como parte do valor do produto total.

Como não existe não é objeto de discussão, é evidente que partindo da circulação, do intercâmbio mútuo do produto total assim formado, só se consegue assim chegar à realização dos salários (v) e da mais-valia (m), jamais porém, à reposição do capital constante, sendo que o prosseguimento da reprodução se mostra, pois, impossível”.

Análises posteriores como na obra Teoria da Dinâmica Econômica de Michal Kalecki, baseados nos modelos esquemáticos de Rosa Luxemburgo, generalizam o raciocínio do déficit orçamentário do Estado, que constituiria hoje em dia parcela cada vez mais expressiva da demanda efetiva que possibilita acumular o capital.

Karl-Liebknecht na proclamação dupla da república. (Reprodução)

República Alemã proclamada duas vezes

É fundamental ter claro o contexto histórico político em que Rosa Luxemburgo estava inserida. Em 1915, após o SPD apoiar a participação alemã na 1ª Guerra Mundial, Luxemburgo fundou, ao lado de Karl Liebknecht, a tendência marxista Liga Espartaquista.

Rosa Luxemburgo tinha uma posição irredutível contra a guerra. Desde o início do século XIX defendeu em um Congresso da Internacional Comunista em Paris a posição antimilitarista que manteria até o fim da sua vida. Para ela os ataques armados entre as potências imperialistas advém de conjunturas de características favoráveis a processos revolucionários ou pré-revolucionários.

Em 1917 em outro congresso da Internacional, Luxemburgo apresentou uma emenda assinada também por Lênin e Martov (que logo viria a ser o líder do partido Menchevique) onde afirma que, se existe a ameaça de que inicie uma guerra, é obrigação da classe trabalhadora e de seus representantes parlamentares, sob a coordenação da Internacional Comunista, fazer todos os esforços para evitar os conflitos armados. Ainda discorria que se a guerra iniciasse e se multiplicasse era obrigação da classe trabalhadora encerrar o mais rápido possível e aproveitar a crise gerada com o conflito para mobilizar o povo com o objetivo de se “precipitar a queda da dominação capitalista”.

Este discurso era uma conclamação para o levante revolucionário que veio a ocorrer alguns anos a frente em 1919 pelo Partido Comunista da Alemanha (KPD) a organização política qual Rosa Luxemburgo integrava e havia fundado. Já no início da 1ª Guerra Mundial em 1914 no dia 2 de dezembro, na sessão do Reichstag (parlamento federal da Alemanha) que votava o Orçamento de Guerra (o crédito de guerra) Karl Liebknecht foi o único deputado que votou contra, sua posição o elevou a uma estatura internacional.

Em 1915 Rosa Luxemburgo foi presa em Frankfurt após fazer um discurso contundente em que mobilizava os soldados para que desertassem e parassem de combater seus próprios compatriotas, os trabalhadores de seu próprio país e aderissem a uma greve geral para que tomasse tamanha proporção ao ponto de aglutinar inclusive o lado oposto do espectro político e sobrepusesse as fronteiras da Alemanha.

No final da 1ª Guerra Mundial, com a Alemanha derrotada, a deterioração da sustentação política social da monarquia, os comunistas, sobretudo Luxemburgo e Liebknecht, propunham a tomada do poder e o desencadeamento da ruptura revolucionária a exemplo da Revolução Russa. Os sociais-democratas vinham constituindo uma aliança com a monarquia e apoiavam o enquadramento dos comunistas e da insurreição que se constituía no país, sendo que o movimento revolucionário era em sua maioria formado pelo operariado.

Meses antes no dia 9 de novembro de 1918 (o fim da guerra foi decretado oficialmente no dia 11 de novembro) o chanceler do Reich Príncipe Max Von Baden anunciou pessoalmente a renúncia do imperador Guilherme 2º. O imperador sequer havia sido consultado previamente, mas acatou o seu próprio afastamento logo em seguida ao anúncio proferido pelo chanceler. Desta forma terminou oficialmente o Império Alemão.

O momento era de convulsão social. Após este episódio as pessoas se reuniam em Berlim, se aglomeravam em outras cidades do interior e os rumores de que os comunistas iriam proclamar a república se disseminavam por todos os lugares. No entanto, o deputado social-democrata Philipp Scheidemann se adiantou em relação ao Partido Comunista da Alemanha (KPD) e ao meio dia em Berlim, do dia 9 de novembro, proclamou a república de uma sacada do Reichstag (parlamento federal alemão).

Poucos instantes depois, no mesmo dia 9 de novembro, às 16 horas, no castelo de  Stadtschlos em Berlim (residência dos reis da Prússia – símbolo da monarquia alemã) o comunista Karl Liebknecht também proclamou a república para uma multidão tão grande quanto a que aplaudira horas antes o social-democrata Scheidemann.

Historiadores consideram que a monarquia transmitiu o poder aos sociais-democratas para “negociarem a paz”. O fato é que o social-democrata líder do SPD Friedricht Ebert assume a presidência do governo, membros do SPD assumem posições do Estado alemão; ministérios, instituições estatais, funções diretivas da polícia.

Os revolucionários passam a ocupar fábricas, sedes de jornais e a formar conselhos, prisões são tomadas e no mesmo dia em que a república da Alemanha é proclamada Rosa Luxemburgo é libertada depois de quase 4 longos anos de prisão e imediatamente se junta ao processo revolucionário. Em novembro de 1918, durante o desencadeamento da Revolução Alemã, Rosa Luxemburgo funda o jornal diário Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha), para compartilhar os ideais políticos da Liga Espartaquista, editado pela própria Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

Em seus artigos publicados no Die Rote Fahne é possível se constatar seu reposicionamento às suas críticas a Revolução Russa e passa claramente a defender a Revolução na Alemanha devido ao acúmulo de força da classe trabalhadora e a conjuntura favorável a revolução. Singer relata que neste momento Luxemburgo avalia que a convocação de eleição naquele contexto seria defender a dominação da elite econômica, “em seu lugar exige todo poder aos sovietes, aos conselhos de trabalhadores e soldados”.

A reivindicação da eleição naquele contexto, passa na opinião de Luxemburgo ser “a defesa do capitalismo”, e ela passa a defender a insurreição revolucionária a exemplo da Russa “devido ao avanço do proletariado ao poder para expropriar os meios de produção e assim instaurar o seu domínio”. Para Singer “Rosa Luxembrugo crê que a Revolução de 9 de novembro deverá logo superar seu estágio republicano burguês para entrar em seu estágio socialista”.

De 16 a 20 de dezembro de 1918 foi realizado o 1º Congresso dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados de Berlim. No dia anterior Rosa Luxemburgo redige proposições publicadas no Die Rote Fahne que eram quatro medidas que deveriam ser tomadas em caráter de urgência:

1) derrubar o gabinete de Elbert-Haase

2) exigir o desarmamento de toda as tropas da frente que não  reconheçam incondicionalmente o poder supremo dos conselhos de trabalhadores  e soldados.

3) Promover o desarmamento de todos os oficiais da guarda branca, constituindo a guarda vermelha.

4) rejeitar a Assembleia Nacional como um atentado à revolução.

Mas entre os 489 delegados do Congresso, 288 eram do Partido Social-Democrata (SPD), 80 do Partido Social-Democrata Independente (USPD), e apenas 10 da Liga Espartaquista. O Congresso apoiou a convocação de eleições para a Assembleia Nacional e delegou até a eleição todo poder legislativo e executivo ao já formado governo social-democrata.

A orientação política de Ebert e de seu governo era o do estabelecimento de uma democracia política burguesa, o que era exatamente que Luxemburgo e os comunistas queriam derrubar. No final de 1918 a Liga Espartaquista e outros grupos radicais de esquerda fundam o Partido Comunista da Alemanha (KPD). No congresso de fundação do KPD Rosa Luxemburgo faz um discurso onde afirma o programa partidário: “Precisamos preparar de baixo para cima, dar aos conselhos de trabalhadores e soldados tal poder que, quando o Governo Ebert-Scheneidemann ou qualquer outro que se lhe assemelhe for derrubado, isto seja então apenas o ato final. Assim, a conquista do poder não deve ser feita de uma vez, mas progressivamente, aos nos infiltrarmos no estado burguês, até que tenhamos todas as posições e defendamos com unhas e dentes”.

A conjuntura de convulsão já havia tomado a proporção de deflagração ao ponto de que direita e a esquerda haviam tomado as ruas em atos de confrontos físicos. Os soldados que retornaram da guerra passaram a apoiar grupos de extrema direita e formaram milícias paramilitares, os Freikorps. O Governo social-democrata concede liberdade de ação aos Feikorps, forma a guarda branca com antigos oficiais monarquistas e desencadeia uma repressão brutal aos comunistas, principalmente em Berlim onde os revolucionários tinham maior força.

A partir do dia 29 de dezembro de 1918, o social-democrata Gustav Noske (que seria nomeado ministro da Defesa) – linha dura e descrito como sanguinário – a pedido do presidente social-democrata Friedricht Ebert assume o comando das tropas contra-revolucionárias às portas da capital. No dia 4 de janeiro de 1919, o chefe de polícia de Berlim Emil Eichhorn – que era considerado um democrata e homem honesto – é demitido pelo Governo Central por acusações falsas e infames. Eichorn recusa-se a passar o cargo e a direção do Partido Social Democrata Independente da Alemanha (USPD) convoca uma ato político em seu apoio. O Partido Comunista adere e milhares de manifestantes marcham até a sede da Polícia e impedem a deposição de Eichorn.

Mobilizados com esta vitória política parcial, os comunistas e a social-democracia independente e os delegados revolucionários tentam derrubar o Governo de Freidricht Ebert. No dia 5 de janeiro após uma grande manifestação os revolucionários passam a ocupar todas as redações dos jornais. A liberdade de imprensa é o álibi utilizado para a intervenção militar. O Governo social-democrata reprime barbaramente os revolucionários e coloca as cabeças a prêmio de seus antigos partidários Rosa Luxemburgo e Karl Liebnecht e Wihlelm Piek (que em 1949 viria a ser presidente da República Democrática Alemã).

Traição e covardia marcam o assassinato de Rosa Luxemburgo

Em 15 de janeiro de 1919 a caçada humana chega ao fim. De acordo com o Dossiê Rosa Luxemburgo publicado no DISPUT neste janeiro de 2019 em uma edição alusiva ao centenário, em texto assinado por Ronald Friedmann, membro da Comissão Histórica do Die Linke, Dr. em Filosofia pela Universidade de Potsdam, afirma que Liebnecht e Rosa são presos no seu último esconderijo, o Hotel Éden em Berlim. Foram ali mesmo barbaramente espancados.

O DISPUT é um periódico do Partei Die Linke – Partido A Esquerda – editado pela sua comissão executiva na edição alusiva ao centenário. Segundo o relato de Friedmann (que também é formado em História da América Latina pela Universidade de Wilhelm Pieck e que trabalhou no Ministério das Relações Exteriores da República Democrática da Alemanha) Rosa Luxemburgo foi arrastada para dentro de um carro com golpes e chutes para  supostamente levá-la ao centro de detenção de Moabit. Ela ficou inconsciente após ser atingida com a coronhada de um rifle e depois foi morta com um tiro na cabeça no local que hoje é a Budapester Strasse em Berlim. Seu corpo foi jogado a apenas algumas centenas de metros de distância no Canal Landwehr, no Rio Spree, perto da ponte Cornelius. Seu cadáver só foi encontrado meses depois.

Karl Liebnecht depois de levar chutes na cabeça e desmaiar foi levado arrastado até um carro e transportado até o Tiergarten (um grande parque em Berlim – uma espécie de zoobotânico) onde foi executado a tiros. O dossiê publicado pelo Die Linke relata ainda que os próprios assassinos entregaram o corpo de Liebnecht no necrotério como “um homem desconhecido”.

A publicação do Die Linke traz ainda a compilação de documentos que não deixam dúvidas de que a execução de Karl Liebnecht e Rosa Luxemburgo foi planejada e tinha o consentimento do Governo social-democrata – partido qual ambos haviam integrado em um passado recente e compartilhado ideais.

Segundo a publicação meio século depois do assassinato, em maio de 1970, foi encontrado um relato na propriedade de um dos diretamente responsáveis pelo assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht; “Não pude realizar a ação sem o consentimento de Noske – com Ebert ao fundo – […] está claro. Mas muito poucas pessoas entenderam porque nunca fui interrogado ou acusado. Como um cavalheiro, deixei a atuação do SPD na época, mantendo minha boca fechada por 50 anos em cooperação” (tradução livre do alemão).

O dossiê do Die Linke assinado por Friedman reporta que “o general Wilhelm Groener disse de maneira mais geral, mas não menos clara, em  suas Memórias da Vida que a execução de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foi realizada com a anuência do governo social democrata: `No início de 1919, fomos autorizados a confiar em nós mesmos para fazer as malas e limpar  Berlim. Todas as medidas agora e mais tarde levada a cabo em estreita consulta com o comando do exército, mas a gestão e a responsabilidade do governo e o povo levou logo para o ministro da Defesa Noske, que, seguindo os passos de Ebert (presidente do Governo da Alemanha), estava tomando uma aliança firme com os  oficiais designados” (tradução livre do alemão).

No último dia 15 de janeiro de 2019, milhares de pessoas realizaram uma manifestação silenciosa pelas ruas de Berlim em homenagem aos lutadores do povo Karl  Liebknecht e Rosa Luxemburgo.

Naquele mesmo dia 15 e janeiro de 1919 poucas horas antes de serem assassinados a edição do Red Flag trazia em suas páginas o último artigo de Karl  Liebknecht que afirmava que os Espartaquistas haviam sido derrotados, os trabalhadores revolucionários de Berlim foram espancados, cem dos seus melhores haviam sido abatidos, na prisão centenas dos mais fiéis foram afogados, mas “nós não fugimos (…) estamos aqui e ficamos! E a vitória será nossa. (…) E se ainda vamos viver, será para alcançar o nosso programa (…). Apesar de tudo!” (tradução livre do alemão).

(*) Marlon de Souza é Bacharel em Comunicação Social – jornalista, especialista em Jornalismo Econômico. Venceu o Prêmio de Jornalismo Econômico da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC).

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.


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