Opinião
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28 de janeiro de 2019
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17:47

Não nos calarão! (por Formandos em Jornalismo da PUC-RS)

Por
Sul 21
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Discurso da turma de formandos de Jornalismo da Famecos/PUCRS. Foto: Giovana Fleck

Turma de Jornalismo 2018/2 da Famecos/PUCRS (*)

“Bombom de castanhas. Ingredientes: um pacote mais oito biscoitos do tipo “Maria”, duas xícaras de castanha do Pará, uma lata de leite, quinhentos gramas de cobertura de chocolate com leite. Como fazer: Misture os biscoitos no liquidificador e peneire. Misture as castanhas com o leite e acrescente a farinha dos biscoitos, amassando bem. Enrole bolinhas, passe-as pela cobertura de chocolate dissolvida em banho maria. Deixe-os secar e coloque-os em forminhas de papel. Rende de 50 a 60 bombons.

Em 6 de abril de 1973, a receita de bombons de castanha foi a alternativa que o Jornal da Tarde, de São Paulo, encontrou para preencher páginas de seu impresso, censuradas pelo governo militar brasileiro.

Jornalistas latino-americanas são alvo de assédio e agressões machistas em cobertura da Copa do Mundo na Rússia! Estudo revela que fake news apelam e viralizam mais do que notícias reais! Mais de 120 jornalistas são agredidos ao cobrir as eleições de 2018! Relatório da Unesco mostra que 86 jornalistas foram mortos em 2018! Todas essas manchetes foram publicadas no ano passado. Elas revelam um cenário difícil para comunicação.

O quadro se mostra ainda mais preocupante depois que centenas de jornalistas enfrentaram péssimas condições de trabalho oferecidas durante a posse do novo presidente. Confinados por 14 horas, sendo que durante as sete primeiras aguardando o evento começar, os profissionais estrangeiros e brasileiros tiveram acesso limitado à água e ao banheiro. Fotógrafos chegaram a ser orientados a não levantar suas câmeras, porque poderiam levar um atirador de elite a ‘abater o alvo’. Pela primeira vez em uma posse presidencial, jornalistas não puderam transitar pela Esplanada dos Ministérios e nem realizar entrevistas junto à população.

Todas as informações que recebemos são apuradas por jornalistas. Para que possamos realizar nosso trabalho, precisamos ter acesso às pessoas. O artigo dois do Código de Ética dos Jornalistas diz que, ‘como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse’. É inaceitável que os profissionais sejam vetados de realizar seu trabalho. Limitar o jornalista é limitar a informação. Limitar a informação significa abrir espaço para criação de notícias falsas, as fake news – protagonistas da eleição de 2018. O caráter do jornalismo é apurar e questionar, reiterando seu compromisso com a verdade. Para que uma sociedade democrática funcione, é necessário que a imprensa seja livre.

Entramos aqui hoje como 52 estudantes. Saímos agora como jornalistas. Independente dos diferentes caminhos que levaram cada um de nós a estar aqui hoje, somos movidos pelo mesmo objetivo: a comunicação, um dos pilares da democracia. Para que contribuamos para esse sistema… é também preciso entender os nossos privilégios. Por isso, gostaríamos de chamar para concluir a leitura do discurso e representando uma turma privilegiadamente branca, nossos colegas Sara Santiago e Valmir Pires.

A comunicação se torna privilegiada no momento em que grande parte de seus profissionais possuem Ensino Superior, garantia que somente 15,3% dos brasileiros têm, segundo o IBGE. De acordo com a edição 176 da Revista da PUCRS, em 2015, 90% dos estudantes da universidade eram brancos. Em um país onde mais de 50% da população se declara negra ou parda, como pode uma turma de jornalismo de 52 pessoas formar somente dois negros? Além disso, a pesquisa também revelou que mais da metade dos estudantes possuíam algum tipo de financiamento estudantil, como FIES e ProUni. Financiamentos que estão sendo cada vez mais diminuídos e que são essenciais para tornar uma universidade privada mais democrática. É com muito orgulho que, hoje, formamos uma turma composta por dezenas de bolsistas! Ainda assim, precisamos ter em mente que carregar esse canudo hoje é sim, um privilégio.

Nos questionamos, então, para quem o jornalismo fala, senão para elite? Pessoas que possuem acesso à informação, à leitura, aos meios de comunicação. Estabelecemos uma comunicação de elite para elite. De privilegiados para privilegiados. Afinal, quando é que esse processo será quebrado?

Mais do que nunca, é necessário que, hoje, o jornalismo se reinvente. Passamos pela era do anti-jornalismo, a era das fake news. Precisamos reconhecer nossas responsabilidades e nosso papel enquanto agentes da comunicação. Se engana o jornalista que acredita que ele é responsável por dar voz às fontes. O jornalista não dá voz, porque cada um possui a sua. Nós somos a ferramenta, nós somos o meio. Somos a conexão entre partes. Por isso, o jornalismo se torna uma ferramenta tão importante para uma sociedade tão plural. Ainda assim, precisamos repensar, reinventar, quebrar esse processo elitizado da comunicação e usar nossos privilégios como ferramenta de diminuição dessa desigualdade.

Que não nos curvemos à governantes. Que não nos curvemos à censura. A sociedade precisa de informação e a informação precisa do jornalismo. Durante a Ditadura Militar brasileira, 24 jornalistas foram mortos pelas forças do governo. Vladimir Herzog, Luis Eduardo Merlino, Joaquim Ferreira, Edmur Péricles Camargo, Gilberto Olimpio Maria, Luiz Guilhardini, Antônio Benetazzo, David Capistrano, Hiran Lima Pereira, Ieda Santos Delgado, Jayme Amorim Miranda, José Roberto Spieger, Luiz Inácio Maranhão Filho, Mário Alves de Souza Vieira, Maurício Grabois, Orlando da Silva Júnior, Pedro Ventura Pomar, Rui Osvaldo Aguiar, Thomaz Antônio Neto, Wanio José de Mattos, Lincoln Oest, Nestor Vera, Djalma Maranhão, Sidney dos Santos, presentes!

Calar um jornalista, é calar a democracia. Não nos calarão. Muito obrigada.”

(*) Discurso proferido por Joana Berwanger, Sara Santiago, Valmir Pires e Viviane Helm na cerimônia de formatura do curso de Jornalismo da PUC-RS, em 26/01/2019.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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