Opinião
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26 de janeiro de 2019
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10:45

Jean Wyllys e as fraturas expostas sobre a violência contra a população LGBT (por Tamires de Oliveira Garcia)

Por
Sul 21
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Foto: Tânia Rêgo/Arquivo Agência Brasil

Tamires de Oliveira Garcia (*)

No dia 24 de janeiro, Jean Wyllys revelou em entrevista à Folha de S. Paulo [1] que não vai assumir o cargo de deputado federal para o qual foi eleito pela terceira vez como representante do estado do Rio de Janeiro, pelo PSOL. Além disso, informou também que vai deixar de residir no Brasil e que provavelmente vai se dedicar à carreira acadêmica, sem dizer onde está no momento.

Na sua conta no Twitter, Jean escreveu que “Preservar a vida ameaçada é também uma estratégia da luta por dias melhores.”[2].

A notícia é sintomática e dividiu opiniões: enquanto alguns apoiam a decisão de Jean, baseada em proteger sua vida, dizendo que não tem o propósito de tornar-se mártir da causa, outros se entristecem e questionam a posição de abandonar o país em um momento que tanto se precisa de pessoas como ele, que claramente é um representante na defesa de direitos de grupos vulneráveis e inúmeras questões voltadas aos direitos humanos.

Para além da opinião pública, o que mais se destaca são os motivos expostos para decidir não assumir o cargo em 2019: Jean diz que ponderou as ameaças de morte que vêm recebendo por suas posições políticas e, com o cenário atual, também pelas posturas de embate em que Bolsonaro(s) se coloca(m) contra parlamentares com o perfil como o do Jean.

Não são novas as notícias de que Jean é sistematicamente ameaçado, tanto que desde a morte de Marielle Franco vive sob escolta policial. A sensação de riscos contra defensores e defensoras de direitos das populações mais vulneráveis se torna cada vez mais forte e tem assustado desde os sujeitos na sua vida cotidiana até figuras políticas.

Jean também aponta que, desde a última eleição, se estabeleceu um ambiente de violência política que atinge, principalmente, pessoas LGBT e ativistas de modo geral. As posições rígidas, excludentes e tantas vezes preconceituosas do presidente eleito parecem ter constituído um espaço em que opiniões discriminatórias, a violência e a intolerância contra a diversidade se legitimam com a representação de Bolsonaro no poder – o filho, Carlos Bolsonaro, inclusive manifestou-se no Twitter comemorando que Jean não estará mais no Congresso Nacional : “Vá com Deus e seja feliz!”, disse ele.

As ameaças contra Jean Wyllys, empurrões em espaço público, restrição em estar em alguns lugares públicos por medo de ataques constituem violências e demonstram os problemas de se propor a uma vida pública no Brasil tratando de temas controversos. São os reflexos de ter encampado importantes debates no Congresso Nacional, defender a educação sexual nas escolas, os direitos das mulheres, entre outros.

O que Jean sofria não deixa de ser a representação, em maior dimensão, do que inúmeras LGBTs passam no seu cotidiano. Violências simbólicas como ameaças e supostas brincadeiras, violências físicas consideradas “leves”, mas motivadas pela identidade de gênero ou orientação sexual são elementos de um grupo de manifestações violentas que LGBTs sofrem cada uma nas suas vidas pessoais: em casa, no trabalho, na rua.

Ameaças, por vezes, podem um dia deixar de figurar como mero jogo de palavras. Violências físicas motivadas pela condição de existência dos indivíduos, como é o caso de pessoas LGBTs, podem ferir mais que a marca de um arranhão ou de um leve hematoma. Passar por violências sistematicamente pode resultar na decisão de abandonar um cargo público de referência, ou romper com a família, ou até em tentar se matar.

Os dados do último relatório do Grupo Gay da Bahia[3], de 2017, apontam para a morte de 445 LGBTs, sendo 387 homicídios e 58 suicídios. A violência contra a população LGBT não é brincadeira e a emblemática decisão de Jean Wyllys sobre não assumir o cargo de deputado são suficientes para lembrarmos que ele não está sozinho nas difíceis situações que passou. Tampouco está sem razão em ter medo do que pode ocorrer.

O modo como sentimos o perigo é subjetivo e, em tempos de medo como estrutura de controle social, é preciso pensar em formas de: i. prevenção ii. proteger-nos; e iii. desconstrução da lógica da violência e do medo. Para isso, é preciso sim de políticas públicas que garantam os direitos da população LGBT, mas é preciso também que aquelas e aqueles que confiam na representatividade de figuras como Jean Wyllys não analisem essa situação somente pelo olhar da desistência do cargo, mas nas razões que motivaram a decisão e o que pode ser feito para alterar essa realidade.

Jean deixa o mandato expondo inúmeras fraturas do sistema onde atuou, mas sem negar a importância dele enquanto espaço para a construção de alternativas. De cá, penso que nem tudo é tristeza: a ausência do parlamentar abre espaço para que novos protagonistas surjam em Brasília, permitindo a renovação do cenário e oxigenação dos blocos de construção de estratégias no legislativo.

O suplente de Jean Wyllys para representar o Rio de Janeiro na Câmara de Deputados é David Miranda, do PSOL, que teve 17.356 votos em 2018. O jovem é nascido no Jacarezinho, na zona norte do RJ, casado e tem dois filhos em comunhão com um homem. David foi o primeiro vereador assumidamente LGBT no Rio de Janeiro, eleito em 2016. Ontem, no Twitter, respondeu a um post de Jair Bolsonaro dizendo pra ele “Respeite o Jean, Jair, e segura sua empolgação. Sai um LGBT mas entra outro, e que vem do Jacarezinho, Outro que em 2 anos aprovou mais projetos que você em 28. Nos vemos em Brasília.”

Parece que a luta segue!

[1] Disponível em: “Com medo de ameaças, Jean Wyllys desiste do mandato e deixa o Brasil” . Acesso em: 25 jan. 2019.

[2] Disponível em: Conta de Jean Wyllys no Twitter   Acesso em: 25 jan. 2019.

[3] Disponível em: Homofobia mata . Acesso em: 25 jan. 2019.

(*) Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Sociedade da Universidade La Salle, com graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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