Jorge Barcellos (*)
Inicia-se o ano com os novos governos brandindo a defesa da austeridade, que reduz o papel do estado social, distribui sacríficos a população e martiriza servidores públicos. Em entrevista a Zero Hora, o recém-chegado ao Estado, o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurélio Cardoso, tem se dedicado em tempo integral ao desafio de pensar a política de austeridade do governo Eduardo Leite. O foco de sua política de austeridade é o funcionalismo “estudar os benefícios aos servidores é obrigação”, diz . É a mesma ladainha do governo anterior,o problema da dívida, os passivos, a insuficiência de recursos para pagar salários. As artimanhas estão nas entrelinhas “reverter essa tendência significa mexer nos contratos sociais”, diz. A contradição está em defender o bem público com a retirada de direitos que inviabilizam a prestação de serviços pelos servidores públicos. Existe bem público baseado na injustiça dos servidores do Estado?
O secretário afirma que “não se trata de ideologia”, quando é exatamente disto que se trata, de que a ideologia que venceu as eleições prega a defesa do estado mínimo. Por um lado, o ataque é aos servidores ativos, e por outro, à Previdência: o presente e o futuro dos trabalhadores está novamente em risco. Sem entrar em detalhes, afirma que o projeto de reformas está relacionando o plano de carreira dos professores na revisão das despesas de pessoal.
A austeridade prega a recompensa obtida pelo sacrifício, mas ela não tem a capacidade de reequilibrar a economia porque seu pressuposto é equivocado, o de que o setor público e o setor privado disputam recursos. Dizem os economistas Pedro Rossi, Esther Deweck e Flávio Arantes em “A economia política da austeridade” (Autonomia Literária, 2018): ”Quando o governo contrai o seu gasto, milhões de pessoas passam a receber menos, o que tem impactos negativos na renda privada. Contabilmente, o gasto público é receita do setor privado”. Corte de gastos em períodos de crise só reduz o crescimento, piora o resultado fiscal e produz aumento da dívida pública.
Porque a austeridade tem tanta aceitação? Primeiro porque se baseia na “fada da confiança”, a ideia de que o mercado recompensa o bom comportamento, ideia amplamente desmentida. “Países europeus que mais aplicaram em austeridade foram os que menos cresceram”, diz o economista Paul Krungman. Segundo porque a “metáfora do orçamento doméstico”, de que o governo é como uma família, é equivocado. Família e governo não são iguais: o governo é capaz de definir quanto ganha com seu orçamento e com o simples gesto de tributar os ricos, o luxo e os bancos, faz muito mais economia do que fechando hospitais.
A austeridade é um erro porque é ruim para a sociedade e para o equílibrio fiscal. Ela só interessa aos interesses das elites econômicas que lucram com a redução de direitos sociais e o fim de acordos democráticos. Os governos a defendem porque sua função é produzir recessão e desemprego para reduzir pressões por aumentos de salários e aumentar lucratividade dos acionistas, abrir caminho para corte de impostos das empresas e das elites e reduzir a qualidade dos serviços públicos para aumentar a demanda por serviços privados e novamente, aumentar a lucratividade do mercado.
A austeridade é perversa porque corrói a democracia e fortalece o poder das corporações privadas no sistema político.
(*) Historiador, Mestre e Doutor em Educação. Autor de O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017) e A Impossibilidade do Real: introdução ao pensamento de Jean Baudrillard. É colaborador de Le Monde Diplomatique Brasil e Sul 21. Mantém a coluna Democracia e política no Jornal O Estado de Direito e a página jorgebarcellos.pro.br.
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