Opinião
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6 de janeiro de 2019
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10:50

A cada 120 minutos um “príncipe” mata uma “princesa” no Brasil (por Aline Kerber e Eduardo Pazinato)

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Sul 21
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A cada 120 minutos um “príncipe” mata uma “princesa” no Brasil (por Aline Kerber e Eduardo Pazinato)
A cada 120 minutos um “príncipe” mata uma “princesa” no Brasil (por Aline Kerber e Eduardo Pazinato)
Segundo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve 4.539 homicídios de mulheres em 2017. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Aline Kerber e Eduardo Pazinato (*)

Já faz parte do cenário latinoamericano a prática reiterada de graves violências contra as mulheres e as meninas. Inobstante o fato de a região abarcar 8% da população mundial, concentra, aproximadamente, 40% dos feminicídios, 38% deles no Brasil, 5º colocado no ranking global. Em números absolutos, somos campeões de assassinatos em geral – cerca de 64 mil vidas perdidas no último ano em razão da violência. Só um país em estado de exceção conviveria, inerte, com essa tragédia cotidiana, oferecendo “metáforas” bizarras que remontam à pré-modernidade.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), houve 4.539 homicídios de mulheres em 2017 no país, uma mulher foi morta a cada duas horas, um incremento de 6% em relação a 2016, sendo que somente 25% desses casos foram considerados feminicídios. Para construirmos outras gramáticas para a compreensão e a intervenção nessa cruenta dinâmica há que se reconhecer referências como a do Estado do Piauí que virou case nacional de implementação do Protocolo Latinoamericano de Investigação de Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero, produzindo um alto percentual de identificação dos casos de feminicídios entre as mulheres assassinadas.

65% das vítimas de feminicídios consumados que ocorrem no Brasil são negras, seguindo o mesmo perfil das mulheres encarceradas na nossa combalida República – 53% desses crimes com o emprego de arma de fogo, principal fator de risco como evidenciam diversos estudos nacionais e internacionais sobre o tema. Esse contexto assombroso vem sendo perpetrado e, sobretudo, potencializado pela cristalização e difusão de uma cultura machista e patriarcal, como aquela reverberada esta semana pela famigerada Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Na pesquisa “Visível e Invisível”, de 2017, liderada pelo FBSP com o apoio do Instituto Avon, 73% da população brasileira acham que a violência contra a mulher aumentou nos últimos 10 anos no país, assim como 29% das entrevistadas afirmaram ter sofrido alguma violência nos últimos 12 meses, 61% em casa, sendo que a maioria não conseguiu buscar uma mediação, “não fez nada” a respeito, e apenas 11% formalizaram o registro policial.

Quer dizer, dados tanto objetivos quanto subjetivos demonstram fartamente o tamanho e a gravidade do problema, o que deveria suscitar indignação, desassossego e sendo de corresponsabilidade para a sua superação de todas e todos nós e não comentários jocosos que nos levam do nada a lugar nenhum, constituindo uma “cortina de fumaça” deste e de outras ausências no campo das políticas públicas de segurança e justiça no país, notadamente no enfrentamento a todas as formas de violências de gênero, sejam psicológicas, físicas, sexuais, patrimoniais ou morais, como preconiza a Lei Federal nº 11.340/2016 (“Lei Maria da Penha”), bem como a dita “Lei do Feminicídio”.

E, como se não bastasse, 55% dos brasileiros acreditam que feminismo é o contrário de machismo, na medida em que professam a crença, de todo equivocada, de que as mulheres desejam o mesmo que os homens: supremacia de poder e de privilégios. E um dos preconceitos mais vergonhosos reside no fato de que uma em cada três pessoas culpar a mulher, em alguns casos, por uma situação de estupro, como também aponta outra investigação do Avon e do FBSP do ano de 2016. Com tantos preconceitos e obstáculos socioculturais para a necessária igualdade entre homens e mulheres, da aliança dos corpos entre diferentes, há ainda muitos obstáculos para revertermos esse dramático quadro de crimes de ódio e de gênero contra as mulheres.

O “Mapa das Armas de Fogo” produzido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) nas macroregiões brasileiras, sob a coordenação do pesquisador Daniel Cerqueira, em 2013, indica que 1% a mais de armas eleva em 2% a taxa de assassinatos. Embora, a partir do Estatuto do Desarmamento tenha sido barrada a corrida armamentista, com taxas estáveis de homicídios por arma de fogo ao longo dos anos 2000, nas residências, desviando dessa tendência, houve um aumento de 44%, crimes que tem 95% de autoria de cônjuges, familiares e conhecidos da vítima.

Portanto, se quisermos menos feminicídios não podemos aceitar a flexibilização da posse de arma de fogo no Brasil, nem a ideologia que estipula que “homens devem usar azul e mulheres, rosa”, pois é a partir dessa representação social que temos a estruturação do machismo e a reafirmação do patriarcado que mata os sonhos de várias “princesas” e de “príncipes” através da violência.

Por essa razão, temos alimentado a esperança na potência dos movimentos de base e da sociedade civil que tem incidido em agendas relacionadas à prevenção das violências, à segurança do direito à educação na democracia, logo contra o “Escola Sem Partido”, a exemplo do Mães e Pais pela Democracia, criado por centenas de familiares de alunos de escolas particulares de Porto Alegre. A defesa do pluralismo de ideiais, da liberdade de ensinar e aprender e da faculdade de pensar, de ser e existir com amor e liberdade pode nos levar a algumas chaves de compreensão importantes para explodirmos essa danosa fábrica de produção de violências, desigualdades e mortes de corpos, sobretudo negros.

Aline Kerber é socióloga, Especialista em Segurança Pública, Mestranda em Políticas Públicas (UFRGS), Diretora Executiva do Instituto Fidedigna e uma das Porta-vozes do Movimento Mães e Pais pela Democracia.

Eduardo Pazinato é advogado, Mestre em Direito (UFSC), Doutorando em Políticas Públicas (UFRGS), Conselheiro do Instituto Fidedigna e Integrante do Movimento Mães e Pais pela Democracia.


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