Opinião
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20 de dezembro de 2018
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17:13

Prevenir continua sendo o melhor remédio (por Jeferson Fernandes)

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Sul 21
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Prevenir continua sendo o melhor remédio (por Jeferson Fernandes)
Prevenir continua sendo o melhor remédio (por Jeferson Fernandes)
Primeira unidade prisional baseada num método que prevê a ressocialização humanizada dos apenados – Foto: Karine Viana/ Palácio Piratini

Jeferson Fernandes (*)

Numa sociedade onde são assassinadas por volta de 60 mil pessoas por ano, na qual o estupro virou corriqueiro, assim como lesão corporal, feminicídio, latrocínio, etc, todos que desejam o fim da criminalidade se perguntam: o que fazer para impedir esta onda de violência que só aumenta?

A afirmação do título serve tanto para a área da saúde quanto a da segurança pública: uma pessoa com hábitos saudáveis (alimentação adequada, exercícios físicos, mente sã, etc) tem menos chances de adoecer. No caso da violência, não há um único fator a explicar atitudes disruptivas dos seres humanos. A chance de termos um adulto criminoso é menor se este foi bem atendido do ponto de vista da saúde e educação na infância e adolescência, além do controle social informal que, para Criminologia CSI, são todos aqueles freios inibitórios que a vida em sociedade impõe ao sujeito no seu dia a dia. A instituição que mais pesa, neste aspecto, é a família: pais ausentes, pouco afetivos e maus exemplos comportamentais vão gerar, em regra, filhos propensos a atos violentos.

A escola tem importância similar. Ali, crianças e adolescentes tem um exemplo de convivência social, que pode ser de harmonia e respeito ou não. E não se trata apenas de absorção de conteúdo didático, há ainda troca de saberes que marcam a vida dos estudantes. Também há a influência do meio social da criança. Esse convívio interage com princípios e conhecimentos que ela adquiriu em casa ou na escola, o que pode fortalece-los ou negá-los. Atualmente, devido ao fácil acesso às mídias sociais, na primeira infância, os filhos podem conhecer culturas e hábitos distintos daqueles da casa ou da escola.

Por isso, são necessárias políticas de prevenção primária. Assim como na saúde pública agentes vão às casas das pessoas observar e orientar para boas práticas de higiene e hábitos saudáveis, cabe perguntar: como evitar também práticas de violência? Não há uma forma única. Famílias, escolas, meios de comunicação, estado e religiões são imprescindíveis na efetivação de políticas preventivas. Não se trata de uniformizar uma cultura social, mas de escolher princípios humanitários e civilizatórios que gerem ações pacificadoras. Tais como: ver os demais como iguais em direitos e obrigações, preservando o respeito e consideração às diferenças; e respeitar a dignidade e a diversidade humana.

Destes princípios derivam obrigações de todos, sobretudo do Poder Público. Construir espaços de lazer e cultura para juventude, dentro e fora do ambiente escolar, por exemplo, é dar condições para educadores e famílias ocuparem seus filhos com atividades saudáveis. Mas não se consegue adesão a princípios nobres sem investimento em infraestrutura e pessoal.

Trabalhar uma cultura humanizadora em todos os espaços da vida em sociedade é ter uma política chamada pela criminologia de “Prevenção Primária”. Embora não tenhamos isso na ampla maioria das cidades, não é impeditivo para que façamos Prevenção Secundária e Terciária.

É com esta visão que apoiamos o método APAC como exemplo de tratamento penal que reeduca as pessoas para abandonarem o crime. A Associação de Proteção e Acompanhamento aos Condenados existe há mais de 45 anos em Minas Gerais. São unidades prisionais pequenas, com envolvimento voluntário das comunidades que as cercam, onde os reeducandos cumprem uma rotina de cuidados com o local, consigo mesmo e com a segurança. Não se admitem fugas, violência, desrespeito às regras e não participação nas atividades laborais, educacionais e de espiritualidade. O método orienta e dá condições para que o condenado saia do crime através do seu próprio convencimento. As normas são rigorosas; não os castigos. E o resultado é muito significativo: menos de 20% dos que passam pelas Apacs voltam a delinquir.

Em Porto Alegre foi inaugurado o Centro de Ressocialização Pio Buck, no bairro Partenon. Em breve, teremos mais de 20 pessoas vivendo esta experiência, com apoio de mais de 150 voluntários. Trata-se de uma aposta no cumprimento da Lei de Execução Penal: que prevê punição e ressocialização, o que se tornou quase impossível no método convencional devido à superlotação e pouco investimento em pessoal e infraestrutura das casas prisionais.

Na Apac, o condenado não é um coitadinho que merece piedade; tampouco, um monstro que deve ser torturado e morto. Se o sujeito de fato assume o desafio de mudar de vida, vai receber o apoio necessário. Caso contrário, volta para o método convencional. A sociedade ganha por ter um criminoso a menos nas ruas. Este ideário da Apac seria mais facilmente concretizado se houvesse prevenção à violência na comunidade, escola e família de quem cumpre pena hoje. Como isso não ocorreu, espera-se que o sucesso desta política de Prevenção Terciária no RS faça com que as autoridades invistam mais em prevenção em todos os níveis.

É preciso lembrar, entretanto, que a APAC não substitui o sistema que temos hoje. Contudo, quando a sociedade se envolve e conhece melhor os mecanismos ligados ao cumprimento de pena, ela própria tensiona pela valorização dos agentes penitenciários, técnicos superiores e agentes administrativos, no caso aqui do RS, servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários – SUSEPE, que seguem como peças-chave neste processo.

(*) Advogado com especializações em Criminologia e Gestão Pública. Deputado PT /RS, Presidente daComissão de Cidadania e Direitos Humanos da AL-RS


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