Opinião
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10 de dezembro de 2018
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12:41

Os Direitos Humanos são inegociáveis em tempos sombrios (por Célio Golin e Marcelo Sgarbossa)

Por
Sul 21
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Os Direitos Humanos são inegociáveis em tempos sombrios (por Célio Golin e Marcelo Sgarbossa)
Os Direitos Humanos são inegociáveis em tempos sombrios (por Célio Golin e Marcelo Sgarbossa)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Por Célio Golin e Marcelo Sgarbossa (*)

Vivemos tempos onde falar em direitos humanos no Brasil é trazer para a pauta política questões que estão na vida real das pessoas. Direitos humanos não é uma ideia abstrata, desconectada de todo o processo histórico que a humanidade vivenciou. Nunca é demais ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi consequência da pior experiência que a humanidade moderna experimentou, ou seja, o nazismo que eliminou milhares de pessoas por convicções baseadas em preconceitos.

A ONU estabeleceu o dia 10 de dezembro como Dia Internacional dos Direitos Humanos para que o mundo reflita sobre seu passado e principalmente o futuro como sociedade.

O conhecimento de nosso passado histórico é fundamental para que a sociedade reflita sobre os direitos nos dias de hoje. Se pensarmos no Brasil de hoje e de como o conceito de direitos humanos vem sendo disputado no imaginário social, percebemos que o debate precisa ser aprofundado. Setores importantes da sociedade falam em direitos humanos com um olhar estigmatizante e negativo, associando de forma reduzida o tema à defesa de pessoas que cometem algum tipo de delito. Esta perspectiva revela uma visão limitada e distorcida do debate.

Não é difícil pensar que o conceito não se resume às questões envolvendo segurança pública, mas aos direitos das populações à terra, meio ambiente, àgua, moradia, saúde e educação por exemplo. As violências são produzidas nas mais variadas esferas sociais, de variadas maneiras, inclusive por aqueles que se colocam como guardiães da moral. Um exemplo, são empresários que assediam funcionários para votar em seus candidatos, revelando que atitudes como estas também dizem respeito aos diretos das pessoas.

Quando reduzimos o conceito de direitos humanos às questões de violência e de como estabelecemos parâmetros de verdades sobre nossas atitudes, acabamos por subtrair seu conteúdo, que traz justamente a defesa de uma sociedade mais inclusiva, respeitando a diversidade que a compõe.

A defesa de setores da sociedade que associam o termo à defesa de “bandidos”, defendendo a ideia de cidadão de bem versus cidadão do mal precisa ser enfrentada. Esta falsa dicotomia está permeada de preconceitos de classe de raça e de gênero, legitimando um modelo de Estado violento a determinadas parcelas da população. Violência institucional, que decide de forma arbitrária quem são os cidadãos do mal que merecem ser eliminados e perseguidos.

Esta visão elitista e preconceituosa encontra respaldo em setores da mídia brasileira com seus programas sensacionalistas, que acabam por estigmatizar parcelas da população. Partidos políticos, setores da sociedade que defendem um Estado meramente repressor, se utilizam dessa triste realidade, produzida pela desigualdade social para capitalizar politicamente.

A última eleição revelou esta estratégia perversa, colocando no debate público discursos oportunistas e irresponsáveis, que pregavam a violência como forma de resolução aos problemas estruturais da sociedade. Seriam esses os ditos cidadãos de bem?

Hoje, com o recrudescimento da retirada de direitos sociais, essa premissa crivada de preconceitos contra negros, mulheres, indígenas, quilombolas e LGBBTs, legitimado pelo discurso oficial, pregando que as demandas dessas populações não passam de vitimismo e mimimi, encontra terreno fértil para ações repressivas, contando com o apoio de setores da sociedade que não percebem o risco que isto significa, inclusive para suas vidas.

Nos discursos de muitos que se consideram “cidadãos de bem”, não está, por exemplo, a elite econômica que, com sua ganância, corrompe o tecido social com suas práticas predatórias e excludentes. Temos um passado onde os ditos cidadãos do bem, que sempre usurparam o Estado brasileiro para manter seus privilégios, se auto elegem como defensores da moral. Afinal, quem vai estabelecer e com quais critérios éticos, quem são os cidadãos do bem e do mal na sociedade brasileira?

Esta pergunta nos remete a pensar que numa sociedade com desigualdades abissais como a nossa, o conceito de cidadão de bem depende do local social e ético que cada um ocupa na sociedade. Muitos dos que se consideram cidadãos de bem não se importam com a desigualdade social. E pior: naturalizam essa realidade como se fosse consequência natural da vida.

Exemplo disto é que ainda convivemos no Brasil com trabalho escravo e desumano. Mas essas pessoas responsáveis por impor essa triste realidade com certeza não se consideram cidadãos do mal. E mais grave: acham que “direitos humanos são para humanos direitos” e  não incluem em seu conceito essas pessoas.

Na realidade vivemos uma disputa de significados e de poder de fala, que revela posições ideológicas de classe, de preconceitos enraizados historicamente em nossa cultura.

Exemplo disto é o tema dos LGBTTs, que estiveram na pauta política do último processo eleitoral, usado de forma antiética por muita gente que se considera cidadão do bem.

Essas pessoas que estiveram enfileirados nesta cruzada preconceituosa dizem que não têm preconceito contra os e as LGBTTS. Mas não admitem que o tema seja tratado nos espaços escolares, e aí vem com a desculpa cínica de que estes temas sociais são assunto de família e que não podem ser tratados na escola. Não tem preconceito contra LGBTTs, mas acham que se o tema for discutido na escola influenciará a sexualidade dos alunos, sugerindo que poderiam tornar os mesmos LGBTTs.

Confundem caráter, associando o conceito à sexualidade das pessoas, como se o fato de alguém ser heterossexual fosse alguma garantia de ética e caráter. Sabemos que a sexualidade das pessoas não tem nada a ver com ética, caráter e não garante condutas respeitosas. Vide os inúmeros abusos e assédios que acontecem no seio das ditas famílias de pessoas normais.

Direitos Humanos não são um conceito abstrato, mas uma forma de ver a vida, de olhar para o outro e perceber que quando hierarquizamos as relações sociais e damos status de poder diferenciados aos humanos, estamos corroborando para uma sociedade mais violenta, excludente. Precisamos avançar e entender que Direitos Humanos são garantia fundamental que a humanidade não pode abrir mão. Principalmente na atual conjuntura política.

(*) Célio Golin é integrante do Coletivo Cidade Mais Humana; Marcelo Sgarbossa é vereador de Porto Alegre (PT).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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