Opinião
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4 de dezembro de 2018
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19:34

O “amor aos livros” está em crise (por Francieli Borges)

Por
Sul 21
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O “amor aos livros” está em crise (por Francieli Borges)
O “amor aos livros” está em crise (por Francieli Borges)
No RS, as pequenas editoras, livrarias e sebos sobrevivem sem grandes dívidas. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Francieli Borges (*)

Os livreiros vêm se lamentando publicamente com frequência, de modo que acompanho com pesar os desdobramentos da crise do mercado editorial, também porque trabalho em uma pesquisa envolvendo a história do livro brasileiro. Na verdade, a tese não é sobre isso, mas espero decidir em breve sobre o que ela é. Ocorre que, aí sim, isso não muda, estudo a primeira metade do século XX, especialmente os anos 1930, a época de ouro do livro no país. As pessoas vendiam livros. As pessoas faziam livros – e recebiam pelos livros que faziam, isso é importante. As pessoas liam livros. Curiosamente, vivo talvez no pior momento, desde então, para concretizar uma carreira com qualquer setor que os envolva. No Rio Grande do Sul a gente vive uma situação interessante: as pequenas editoras, livrarias e sebos sobrevivem quase às pampas, quer dizer, sem grandes dívidas. É que elas apostam na experiência.

Ocorre que recentemente, em São Paulo, recebi com curiosidade o entusiasmo de colegas da USP por certo sebo com “um trabalho de curadoria incrível”, pra usar as palavras deles. Uma cidade daquele tamanho claudicava nisso, justamente nisso, uma garagem velha com uns volumes com nódoas, mais ou menos empilhados de acordo com escolhas razoáveis de um dono que se não é lá aqueles leitores, pelo menos não é obtuso. Do alto do meu desdém interiorano achei tudo aquilo uma bobagem, já que a vida por aqui permite que essas situações sejam vivenciadas à exaustão e sem glamour. Corta pra minha tarde de hoje, quer dizer, uma conversa de horas com um a) desconhecido que oferece uma xícara de café para uma desconhecida que b) aceita enquanto c) vê os livros que ele está vendendo, d) também em uma garagem. Cena de crime bastante previsível de qualquer uma dessas séries ruins ou então só uma tomada de consciência: como pude pensar em gastar meu suado dinheirinho na Amazon?

Pode ser o impacto de um antigo interesse que tenho sobre a força da Editora Globo, nos anos 1940, para a cultura nacional, para o estabelecimento do trabalho de escritor, de tradutor, de avô do design, ainda, parafraseando Graciliano Ramos “quem conhece fora do Rio Grande do Sul a cara do senhor Erico Verissimo? No entanto ele produz livros notáveis, livros notabilíssimos”, quer dizer, para dar uma ideia de país para além do Sudeste; ou, adiante, refletindo sobre o que foi a Editora José Olympio para reconhecermos toda uma geração de artistas que pensaram aquele país de Rachel de Queiroz, de Dyonélio Machado, de José Lins do Rego, toda uma rede de sociabilidade literária e intelectual para outros espaços que não os do ensino formal. Assim como defendo a rua, justamente a rua, a caminhada, a vivência plena do entorno urbano, no fim, é isso, defendo a livraria, o sebo, a feira como espaços de encontro, de conversa, e finalmente, de situações também verdadeiramente democráticas – e me entristeço e tenho preguiça da ala progressista que tem a convicção de dizer tais preocupações, como a derrocada das livrarias, são frivolidades.

Na retrospectiva, afinal sou dezembrina literal e simbolicamente, repito que talvez eu deva metade da formação que verdadeiramente me importa aos sebos e cafés de Pelotas, o resto a ter saído aos dezessete anos do interior de Santa Catarina para dividir um lar com várias pessoas com toda sorte de personalidades com a desculpa de fazer um curso de Letras. E que fique dito que eu gosto do digital, além de prezar, e bastante, pelo meu bolso. Apenas desejo que haja alternativa para as discussões sobre a materialidade do livro. É que todas as vezes que aparecem com soluções aroma limão 3 em 1, preciso esclarecer que vejo vantagem na naftalina. Por fim, e principalmente, espero que essa carta do Luiz Schwarcz dê mais certo do que a última.

(*) Doutoranda em Estudos Literários na Universidade Federal de Santa Maria.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.   


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