Opinião
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26 de dezembro de 2018
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13:24

Entretenimento e ócio repressivos e o poder pastoral (por Franklin Cunha)

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Sul 21
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Entretenimento e ócio repressivos e o poder pastoral (por Franklin Cunha)
Entretenimento e ócio repressivos e o poder pastoral (por Franklin Cunha)
O que alimenta a periódica, organizada e frenética debandada da classe média rumo ao litoral? (Foto: Itamar Aguiar / Palácio Piratini)

Franklin Cunha (*)

O título do texto nos remete ao que disseram  Marcuse, Foucault, José Pablo Feinmann  e Juan José Sebreli ao se referirem à época  de veraneio da classe média. Há também quem pensou de forma parecida no RGS, onde um grupo de intelectuais se negam ir à coercitiva ordem unida no litoral. Para a turma do Pasquim, “ Intelectual não ia à praia, intelectual bebia”,  e em parte era verdade.

Para os escritores aqui citados a repressão também funciona dando prazer e entretenimento porque uma das características mais espetaculares que tem o poder é que ele pode dominarmos entretendo-nos.

Foucault dizia que no século XIX o tema fundamental era o da exploração social, mas que em nossos dias é fundamental que lutemos contra a dominação de nossa subjetividade. As esquerdas naquele século, denunciavam a exploração do trabalho, porque em plena revolução industrial, com a concentração urbana do proletariado a exploração  social  se dava através da extração da mais valia que os proprietários extraiam dos operários. Mas, hoje, a nova revolução que a burguesia executa é a comunicacional. E a segue realizando através do desenvolvimento do tecnocapitalismo e com ela continua manejando o mundo, devastando-o, arrasando-o e o conquistando.

Os meios de comunicação são tão poderosos, as fusões das empresas são tão sólidas,  tão permanentes que possibilita esse poder se agregar, se autodirigir e ter tanta penetração para chegar às consciências. Porque esta revolução já não busca a exploração do homem como no século XIX, mas o que busca é controlar  e sujeitar as subjetividades. Então, se o objetivo único e atual para a burguesia não é exploração da força do trabalho do proletariado é que ela já não se define como uma classe produtora que se encarrega de fabricar mercadorias para acumular plusvalia senão é que cada vez mais se torna realizadora de negócios virtuais, negócios do dinheiro por meio do dinheiro, isto é, negócios comunicacionais, informáticos.

Então essa burguesia que realizou esta nova revolução não necessita mais  controlar os operários da indústria  e da produção primária, setores em visível diminuição numérica, porém tem que controlar uma enorme massa de gente expulsa de seu âmago e tem de controlá-la por meio da sujeição das subjetividades. É o que percebe claramente Foucault quando diz: “Nossa luta é a luta contra  a sujeição das subjetividades”. Assim tem razão  J.P. Feinmann ao dizer ao leitor que “Você não é você, você é um ente do poder comunicacional.” É Zizek quem assegura que “ Não pensamos, eles nos pensam”.

E isso o poder consegue proporcionando às massas grandes doses de entretenimento e de ócio coercitivo.

A revista Caras retrata bem o real. O leitor, por alguns trocados, entra em um mundo fabuloso que em vez de indigná-lo o deslumbra. Este é o grande triunfo do poder, em vez de produzir indignação produz deslumbramento e alimenta a ideia que alguma vez, se tiver sorte e Deus ajudar estará no mundo de Caras ou que já está porque comprou a revista e que já faz parte desse mundo.

A periódica, organizada e coercitiva debandada frenética da classe média rumo ao litoral, é provocada endemicamente pela publicidade empresarial, pelas  imobiliárias, pelas revistas e novelas da moda. Criou-se uma espécie de ambiente dito “pastoral” por Foucault (na Idade Média exercido pela igreja católica) o qual tenta cooptar nossa subjetividades e que em vez prometer a salvação mais adiante, no reino dos céus, nos promete algo imediato, como a saúde, dinheiro, a fuga da pobreza e, enfim,  a felicidade. Papel desempenhado com absoluto sucesso pelas igrejas evangélicas e pelo poder comunicacional que deturpa, dissimula  e esconde a desumana realidade brutal em que vive a população brasileira.  E sem manifestar qualquer sentimento de culpa, de comiseração ou ao menos de vergonha.

Fica quase impossível fugir disso tudo e do tal “ espírito do Natal “.

“Dingo  bell , terminou o papel “.

(*) Médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.


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