Opinião
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23 de novembro de 2018
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21:04

A história da embaixada palestina e os riscos do abandono da causa palestina no Brasil (por Luciana Garcia de Oliveira)

Por
Sul 21
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Propostas de Bolsonaro podem acarretar um novo ciclo de violência nos territórios palestinos ocupados e trazer sérios prejuízos ao Brasil. (Foto: Divulgação)

Luciana Garcia de Oliveira (*)

O Brasil é um país grande, plural e imigrante. A história da imigração no Brasil, tem início entre os anos de 1872 e 1949, quando houve um intenso fluxo de imigrantes, formado em torno da entrada de mais de 5 milhões de estrangeiros no Brasil, entre eles muitos sírios, libaneses, judeus e palestinos. Particularmente, a história da emigração palestina no Brasil e na América Latina teve início na época do Império Turco Otomano, em meados de 1870. Os primeiros imigrantes palestinos eram predominantemente cristãos de Belém, Jerusalém, Taybeh e Ramallah.

Os palestinos, de um modo geral, chegaram ao Brasil em diferentes momentos históricos. Muitos imigraram antes da fundação do Estado de Israel (1948) e outros chegaram em virtude de uma experiência de deslocamento durante o conflito Israel-Palestina. No Brasil, muitas famílias palestinas chegaram após a guerra de independência de Israel e da Nakba (catástrofe) palestina em 1948; após a guerra de junho de 1967 e após os massacres nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, no contexto da guerra do Líbano em 1982. Entretanto, é possível notar que muitos refugiados palestinos continuam chegando ao Brasil devido ao agravamento da guerra civil na Síria. No ano de 2015, o Brasil registrou a entrada de centenas de refugiados palestinos do campo de Yarmouk, localizado na cidade de Damasco, na Síria.

A grande diáspora palestina espalhada no mundo costuma manter fortes conexões com a terra natal, uma vez que a pátria está sendo ameaçada por uma política cruel de ocupação e anexação de territórios. Muitos palestinos do exílio são apegados às suas tradições culturais e costumam se mobilizarem através de grupos transnacionais de pressão política, voltadas aos governos dos países hospedeiros, a fim de que suas reivindicações sejam aprovadas nos foros internacionais.

A presença de imigrantes árabes, palestinos e judeus no Brasil foi fundamental para a formação de uma política de relações internacionais entre o Brasil e as nações do Oriente Médio. Após a segunda guerra mundial o chanceler brasileiro, Osvaldo Aranha, aprovou o plano de partilha da Palestina e permitiu a criação do Estado de Israel, em 1947. O Brasil, até então, sustentava uma política internacional de alinhamento com os Estados Unidos que perdurou até meados dos anos de 1970, no momento que foi desencadeada a crise internacional do petróleo seguida pela guerra do Yom Kippur, em 1973, o que provocou mudanças estruturais das relações internacionais do Brasil.

O acirramento da ofensiva entre Israel e as nações árabes foi determinante para que os países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) ameaçassem os países que apoiassem Israel durante a guerra de outubro de 1973. A necessidade de importação do petróleo durante os avanços da economia e da industrialização do Brasil, o chamado período de “milagre econômico brasileiro”, impulsionou respostas pragmáticas da diplomacia brasileira. Em 1974, a política diplomática pragmática do governo Geisel intensificou a “diplomacia do interesse nacional”. Uma das metas desse modelo de diplomacia foi a intensificação das relações políticas e comerciais entre o Brasil e os países árabes.

A proximidade entre o Brasil e o mundo árabe foi decisiva para a abertura do escritório da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) em Brasília, em 1975. O Brasil foi o segundo país da América Latina, depois de Cuba, a autorizar a instalação do escritório da OLP em território nacional. A presença de um escritório administrativo de representação da diáspora palestina do Brasil foi importante para unir e politizar a enorme comunidade palestina no vasto território brasileiro. Até a década de 1980 algumas instituições da diáspora palestina se formaram nas grandes cidades brasileiras, entre elas a Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), legítima representante da Autoridade Palestina no Brasil. As programações políticas e culturais aconteciam com intensidade nas cidades de São Paulo, Foz do Iguaçu, Curitiba e Porto Alegre na medida em que a violência em Israel, na Palestina e no mundo árabe se acirravam.

Décadas mais tarde, em dezembro de 2010, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, enviou uma carta ao presidente da Autoridade palestina, Mahmoud Abbas, “declarando que o Brasil reconhece o Estado palestino nas fronteiras anteriores à guerra dos Seis Dias, deflagrada em 1967, que incluem a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental”[1]. Cabe ressaltar que a atual proposta de Estado palestino considera Jerusalém Oriental como a futura capital do Estado da Palestina.

O Brasil foi o primeiro país ocidental a reconhecer o Estado palestino. O anúncio brasileiro influenciou outros países latino-americanos como a Argentina, Cuba, Nicarágua, Costa Rica, Venezuela, Bolívia, Equador e Uruguai.

Apesar do apoio à causa palestina no Brasil, o modelo de política externa universal adotada durante o governo Lula através do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, nunca deixou de contemplar o Estado de Israel. Foi nesse mesmo período, mais especificamente à partir de dezembro de 2007, após a assinatura do Acordo entre o MERCOSUL e Israel, que houve um aumento do comércio e de investimentos entre Brasil e Israel. De acordo com documento sobre as relações comerciais e de cooperação entre o Brasil e Israel da embaixada de Israel no Brasil, as relações comerciais entre Brasil e Israel foram inclusive consideradas maiores aos dos demais países do MERCOSUL. [2]

O reconhecimento do Estado da Palestina pelo governo brasileiro, impulsionou muitas organizações políticas, culturais e religiosas da sociedade civil brasileira à inaugurar, em 2011, um comitê nacional, “Estado da Palestina Já!”, em função do apoio ao pedido feito pela Autoridade palestina junto ao conselho de segurança e à Assembleia Geral das Nações Unidas, para a Palestina integrar como 194º Estado membro ou não-membro da ONU. O requerimento foi votado no dia 29 de novembro de 2012, na ocasião do Fórum Social Mundial Palestina Livre que ocorria na cidade de Porto Alegre–RS. O primeiro Fórum Social Mundial da história sobre a temática exclusivamente palestina foi organizado por um grupo plural nacional e contava com a FEPAL e o comitê “Estado da Palestina Já!” como protagonistas.

Durante as atividades do Fórum Social Mundial Palestina Livre (FSMPL), a Assembleia Geral da ONU aprovou uma moção que alterou o status da Palestina como “Estado não-membro observador” por uma votação de 138 votos favoráveis a 9 votos contrários, com 41 abstenções. Muito embora a Palestina não seja considerado um Estado soberano, até o ano de 2015, 136 dos 193 Estados membros da ONU e dois Estados não-membros, inclusive o Vaticano, reconheceram o Estado da Palestina.

Uma mudança radical na política externa brasileira, de uma política universal para uma política de alinhamento com os Estados Unidos, justamente durante o governo do presidente Donald Trump, poderá provocar muitos prejuízos ao Brasil. A proposta do presidente recém eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, de excluir a embaixada da Palestina no Brasil e, pior, de transferência da embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, poderá acarretar um novo e dramático ciclo de violência nos territórios palestinos ocupados. Na ocasião em que o governo dos Estados Unidos transferiu a sua embaixada para a cidade sagrada de Jerusalém houve intensas manifestações na Faixa de Gaza e muitos ativistas palestinos entraram em confronto com as tropas israelenses. Somente na data do dia 14 de maio de 2018, o Ministério da Saúde de Gaza registrou 52 mortos. [3]

Além do enorme prejuízo humano, uma eventual transferência da embaixada do Brasil poderá acarretar no boicote de alguns países árabes aos produtos brasileiros. Vale a pena ressaltar que, segundo a revista do Agronegócio, “o Brasil é considerado o maior produtor e exportador mundial de carne bovina, segundo maior de frangos e líder nas vendas de carne Halal (abate islâmico), especialmente comercializada para os muçulmanos”. [4]

Existem no mundo 57 países de maioria islâmica – dentre os quais são 22 países árabes – que importam alimentos Halal. O Brasil é um dos maiores exportadores para a maioria deles. Um eventual boicote à carne do Brasil em retaliação à uma eventual transferência da embaixada do Brasil em Israel poderá provocar um abalo importante na economia brasileira.

Além do prejuízo humano e econômico, um alinhamento à atual política norte-americana poderá ameaçar a segurança do Brasil. Caso o atual presidente dos Estados Unidos deflagrar um novo conflito ou um “ataque preventivo” no Oriente Médio com o aval do novo governo brasileiro, o Brasil poderá se tornar alvo de grupos extremistas, assim como alguns países da Europa como a Alemanha, a Inglaterra e a França.

O presidente do Brasil não tem a obrigação de apoiar a causa palestina, nem de concordar com o modelo de política externa adotada pelos presidentes que o antecederam, entretanto diante de uma atitude drástica é preciso parar e refletir sobre os eventuais consequências de um alinhamento automático à política externa dos Estados Unidos. Os prejuízos são muitos. É o momento de tomar decisões pragmáticas, assim como aconteceu durante o regime militar, a fim de evitar danos e muitos prejuízos à imagem do Brasil e à população brasileira.

Notas

[1] FLINT, Guila. Palestinos saúdam reconhecimento e dizem que o Brasil é pioneiro. BBC-Brasil, dezembro de 2010, disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/12/101206_palestinos_reacao_rp. Acessado no dia 06 de novembro de 2018.

[2] Os dados referentes aos acordos comerciais entre o Brasil e Israel está disponível no documento Rede Diplomática de Israel da embaixada de Israel no Brasil e poderá ser acessado no seguinte link: http://embassies.gov.il/brasilia/AboutTheEmbassy/Artigos_e_publicacoes/Documents/Parceria%20Brasil%20Israel%20PDF.pdf. Acessado no dia 06 de novembro de 2018.

[3] WELLE, Deutsche. Embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém gera conflitos com mais de 50 mortos. Carta Capital, maio de 2018, disponível em: https://www.cartacapital.com.br/internacional/violencia-marca-abertura-de-embaixada-dos-eua-em-jerusalem. Acessado no dia 6 de novembro de 2018.

[4] Brasil é maior exportador de carnes Halal do mundo. Revista do Agronegócio, novembro de 2018, disponível em: http://ceoagro.com.br/brasil-maior-exportador-de-carnes-halal-do-mundo/. Acessado no dia 6 de novembro de 2018.

(*) Mestra no Programa de Estudos Judaicos e Árabes do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo (DLO-USP). Autora da dissertação de mestrado “A diáspora palestina no Brasil – A FEPAL: Trajetórias, reivindicações e desdobramentos (2000-2012)”. Contato: [email protected].

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