Opinião
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4 de outubro de 2018
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12:48

Nossa resistência gaúcha (por Jaime Rodrigues)

Por
Sul 21
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Nossa resistência gaúcha (por Jaime Rodrigues)
Nossa resistência gaúcha (por Jaime Rodrigues)
“Nós tivemos indústrias próprias, éramos o Celeiro do Brasil na Alimentação, com uma criativa arte na pintura, escultura, teatro e muito mais”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jaime Rodrigues (*)

Uma amiga criticava as barreiras ideológicas para dinamizar a cultura gaúcha, particularmente a arte de nosso querido Estado. Nossos artistas são ótimos mas encontram obstáculos enormes, Aproveitei a questão colocada para lançar um pensamento que tenho sobre toda nossa situação e desenvolvimento.

É necessário repensar nossa trajetória histórica para observarmos sua dinâmica e o momento de condicionamento e barreiras. Começou um pouco na era de 1960 com o governo JK. Depois acentuou quando veio a ditadura e predominava o grande capital que saía de seus países porque lá estava caro, então vieram onde o terreno era de graça, a mão de obra barata, e o Estado retirava os impostos na produção das grandes empresas. Mas o RS era longe do mercado. Nós que tivemos as indústrias próprias, éramos o “Celeiro do Brasil na Alimentação”, uma criativa arte na pintura, escultura, teatro e muito mais. Na cultura também tivemos uma das maiores editoras (Livraria Globo), grandes universidades e tanto mais. Tudo o que caracteriza essa época de empreendedorismo estava vivo por aqui. Hoje fenecemos e na mão destes conservadores que querem vender tudo. Isto dói.

O Estado no RS foi muito importante neste período. Contratou empresas onde o Brasil ainda não tinha capacidade de realizar, mas a iniciativa era da nova República e o governo local que se instalavam. A estrada de ferro foi um elemento impulsionador que abriu espaços e mercado para as regiões. No nordeste uma cidade como Caxias do Sul é um exemplo preciso. Também a eletricidade, a água. Tivemos como elemento significativo as grandes avenidas de Porto Alegre. Iniciativas que acompanhavam com soluções artísticas como o prédio de Theo Wiendesfan para o prédio de tratamento da água no bairro Auxiliadora, o prédio da CEEE, hoje Casa de Cultura Érico Veríssimo. Mas também as nossas belas avenidas, o Viaduto da Borges, como o povo gosta de falar. Teríamos que acrescentar o porto de Rio Grande e de Porto Alegre. O financiamento com o banco de nosso Estado, hoje o BANRISUL. Muito desta fase podemos falar.

Tivemos resistências frente a este caminho novo que favorecia São Paulo, um pouco Minas Gerais e depois muito ao Paraná. O próprio governador Brizola teve iniciativas na sua época. Agora mais recente houve um reforço desta orientação com soluções com o governo de Olívio e também o governo Tarso. Até o PIB do Rio Grande do Sul melhorou nestes mandatos, embora precisemos de muito mais. Mas para as épocas recentes foram as únicas iniciativas e de muita qualidade. Em contrapartida surgiram governadores que até desconsideraram o Estado e venderam grande parte da CEEE. Agora mesmo terminou a Fundação Zoobotânica, a FEE e junto outras entidades que são conquistas altamente necessárias em qualquer desenvolvimento.

Sinceramente temos uma história que não pode ser posta fora ou então ficar só para falar de algo que já passou. Não considerar o que foi acumulado é não se respeitar, ser envergonhado e pode ser mesmo de gente fraca, que só sabe ficar chorando. Não servem nem para capitalista e tampouco para socialistas, como se costuma afirmar. São aqueles que não gostam de empreender e se acomodam, tratam de vender tudo para não fazer nada. Não reconhecer isto é fugir do jogo.

Algumas importantes iniciativas novas estavam sendo realizadas como a ampliação do porto de Rio Grande que foi oficialmente interrompido e só o prefeito da cidade e deputados reagiram contra. A ampliação do Hospital de Clínicas que até agora não se instalou e só se arrasta. A ponte do Guaíba que é decisiva para a Região Metropolitana toda, e da mesma maneira está parada e com problemas sociais que não são tratados ou então só é dito: “sim é importante”.

Nossa força é imensa, precisamos ser empreendedores novamente. O Rio Grande do Sul tem uma mão de obra de alta capacidade. As universidades de qualidade internacional, nossa agricultura com valor ecológico é a maior do Brasil, temos uma infra-estrutura instalada, uma base industrial também  funcionando. Nosso setor de serviço é muito bom. Além de tudo isto temos setores como a medicina que o Brasil inteiro reconhece por ser de qualidade. Da mesma maneira indústrias de áreas específicas como a de máquinas de agricultura.

É muito importante termos confiança, mas agora com outras características. Uma iniciativa para a própria população trabalhar aqui e não se preparar para sair e se instalar fora. Neste sentido a pequena e média empresa é uma das questões fundamentais. Não se trata de uma concorrência com a grande empresa. Um exemplo é sabermos que os mercados são mais próximos, não são internacionais e precisam de condições de produção próprias, o que deve ser construído porque existem novas características para o momento atual. Mas sabemos que não será com a especulação como o sistema financeiro que condiciona a maior parte do grande capital.

O Estado é mais uma vez decisivo nesta dinâmica. É a articulação de diversas atividades, o financiamento em condições muito mais favoráveis, os impostos e outros aspectos administrativos. Será importante também o investimento que o Estado deverá fazer para esta dinâmica toda se realizar.

Não podemos optar por uma postura de evitar o gasto. Capital não falta, não é só a questão de orçamento que está em questão. Podemos aproveitar nossa grandeza política e alcançar investimentos da União, financiamentos de nosso banco e de outros com juros razoáveis, fazer projetos específicos neste sentido, financiamentos para obras e atividades necessárias e possíveis.

O grande mérito é que temos instalações, qualidade profissional, infra-estrutura, Universidade e ensino técnico. É urgente nos movimentarmos porque esta situação existe agora, quando o capitalismo está em profunda crise e o próprio imperialismo está recolhi

do. Os EUA criaram barreiras com a Europa, a China e na América Latina estão em dificuldades. As condições econômicas são outras e podemos aproveitar se não nos submetermos ao grande capital e dinamizarmos nossos valores próprios.

Neste sentido é decisivo valorizar cada vez mais a Democracia hoje é acrescentar a participação com poderes precisos de decisão diretos.

(*) Urbanista e Historiador

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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