Opinião
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30 de outubro de 2018
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16:49

As fake news venceram; o povo perdeu (por Jonas Tarcísio Reis)

Por
Sul 21
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As fake news venceram; o povo perdeu (por Jonas Tarcísio Reis)
As fake news venceram; o povo perdeu (por Jonas Tarcísio Reis)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jonas Tarcísio Reis (*)

Uma eleição inédita. Um povo sofrido. Uma democracia golpeada. Uma nação sem soberania. Esse é o Brasil de 2018. Um povo que depositou suas esperanças nas urnas com base em notícias falsas, invenções e fisiologismos políticos jamais vistos antes. Uma mistura explosiva de religião, ódio e política que resultará na destruição do sistema previdenciário brasileiro, no aprofundamento da precarização do trabalho e no aumento do desemprego e da miséria que assombram e devoram o povo deste país.

Aceitemos ou não, Bolsonaro era candidato desde 2013. Desde o início do plano do golpe (dado em Dilma Rousseff), a burguesia buscava falsos profetas para tentar ocupar de novo a Presidência da República, comandar o Estado para concentrar mais e mais renda. A elite estava cansada de cotas, de médicos cubanos enfiados em todos os rincões do Brasil, curando os pobres e os miseráveis, estava cansada de pagar direitos trabalhistas para empregadas domésticas, de reduzir margem de lucro e pagar impostos pra que o governo desperdiçasse em programas como “Minha Casa, Minha Vida”, “PROUNI”, dando oportunidade de moradia e de educação para os trabalhadores do Brasil.

Um erro. O candidato da esquerda só foi escolhido na metade do segundo tempo da eleição em substituição ao goleador maior, Lula, que fora aprisionado ilegalmente e sem provas em Curitiba, barrado pelo TSE de concorrer e ter sido reeleito pela segunda vez Presidente da República. A esquerda e os trabalhistas fizeram um primeiro turno como a direita sonhava e desejava: rachados e divididos. Nesse contexto, um populismo de extrema direita triunfou destilando ódio, injúrias e impropérios de toda forma contra diversos extratos sociais e sem apresentar propostas reais para os problemas do desemprego, da fome e da miséria que se aprofundam.

Contudo, muitos fatos nos levam a compreender que perdemos o trem da História quando os progressistas não souberam ocupar as redes sociais, coisa que a direita fazia desde 2013. No “WhatsApp”, entramos apenas a partir do segundo turno, mas com muita dificuldade e amadorismo. No jogo das Fake News, fomos derrotados de forma avassaladora. O povo parecia não querer ouvir a verdade, gritava “não quero Venezuela”, “não quero Comunismo”, “pelo fim do kit gay”, como se fossem coisas reais. As mentiras se tornaram tão reais para expressiva parcela da população brasileira, que dizia: “Fulano, eu vou votar no Bolsonaro, porque eu não quero que tu comas a carne de cachorro de rua, que tu não precises caçar os pombos das praças para poder te alimentar como está acontecendo na Venezuela”. Eu ouvi isso de uma funcionária de escola, numa periferia de Porto Alegre.

A eleição de 2018 parecia uma história fictícia. Algo surreal. As mentiras tomaram força de verdade, se transformaram em auto-verdades, ocuparam mentes e corpos e colocaram uma militância bolsonarista na rua e nas redes voluntariamente, milhares e milhares de trabalhadores, comprando camisetas, bandeiras, botons e adesivos de carro com dinheiro que nem tinham, uma epidemia de consumo bolsonarista, acreditando numa mudança para melhor no Brasil. Estavam numa cegueira e não conseguiam nem distinguir o programa de Haddad do de Bolsonaro, só gritavam: “mito, mito, mito, mito, mito”. Eram legiões de zumbis que repetiam chavões antipetistas e antitrabalhistas. Foi uma loucura coletiva que durou infinitos dias. A eleição mais curta da história recente, mas que deixou a sensação de anos de campanha.

Quem tentava reverter votos na rua encontrava nos indecisos uma potência para conseguir votos para o Haddad. Mas ao tentar virar votos bolsonaristas, ouviam os gritos de “mito, mito, mito”, “Bolsonaro”, “armas já”, “morte aos esquerdistas”, “chega de ideologia de gênero”, etc. Eram mantras repetidos irracionalmente, saídos diretamente das redes sociais para a vida real. Os bolsões de desempregados – outrora classe média, esgoelada na crise brasileira catapultada pelo Golpe midiático-parlamentar-judiciário, iniciado em 2014 – culpavam o PT por todo o mal da economia de Temer. O presidente interino era citado como vice do PT. No segundo turno, a campanha de Bolsonaro pregava que iria tirar o PT do poder, e enganou milhões de brasileiros. Puxa, desde 2016 o PT não governa o Brasil. Mas o mote era: “Bolsonaro, para tirar o PT do poder”. Parece até uma piada, mas foi o que houve. Simplesmente surreal.

A candidatura do ódio, além de em 2016 ter auxiliado no golpe, ameaçou com a ditadura e a tortura o povo brasileiro, ao dedicar o seu voto ao Brilhante Ustra, torturador da Ditadura Militar (1964-1985). Muitos golpistas foram soterrados pelo próprio lamaçal do qual emergiram, respiraram alguns dias no governo Temer, mas agora mergulharam novamente no limbo da história política brasileira. Tantos chefes do golpe foram aniquilados como Antonio Anastasia, Eunício Oliveira, Romero Jucá. Salvaram-se apenas os bons estrategistas como Renan Calheiros, que surfou no lulismo nordestino, e Dória que pegou o foguete do “ondão fascista” que varreu o interior do estado de São Paulo, onde o ex-governador Geraldo Alckmin, do PSDB, ficou a ver navios.

Uma legião de políticos oportunistas situados na podridão da política brasileira surfou no imaginário social no qual imperaram as Fake News, a mentira, as farsas repetidas mil vezes que se tornaram verdades quase incontestáveis.

Contudo, o PT, o PCdoB, o PSOL, parte do PSB e do PDT garantiram a esquerda e a oposição no Congresso Nacional. Assim, serão peças chave junto aos movimentos sociais para organizar a resistência e não deixar o povo brasileiro ser escravizado mais ainda pelo rentismo e pelos privatistas de plantão que, como aves de rapina, ocuparão Brasília nestes tempos sombrios.

O que fazer? Chorar e se isolar não. Ampliar o poder de luta das forças populares e democráticas, trazendo outros partidos e pessoas para as ruas do Brasil, pra barrar os ataques que virão à Constituição brasileira, aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários dos brasileiros.

É uma tarefa gigantesca. É o momento mais acirrado da luta de classes nesta nação. Cabe à esquerda e aos movimentos sociais a reinvenção. Isso passa por usar as redes sociais de forma mais competente do que o faz a extrema direita do Brasil de 2018. Se o campo progressista não aprender a usar as novas tecnologias, a direita vai passar o rodo na Democracia, nos direitos e nos trabalhadores e ainda vai espalhar Fake News implantando na maioria do povo a ideia de que foi a esquerda a grande responsável pelos atrasos civilizatórios que os capitalistas querem emplacar.

Não é hora de sair das ruas, nem dos grupos de “WhatsApp” e demais redes. É hora de permanecer, OCUPAR e RESISTIR!

(*) Jonas Tarcísio Reis é professor e doutor em educação.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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