Opinião
|
20 de setembro de 2018
|
10:30

Tradição inventada ou costumes preservados? (por Maister F. da Silva)

Por
Sul 21
[email protected]
Tradição inventada ou costumes preservados? (por Maister F. da Silva)
Tradição inventada ou costumes preservados? (por Maister F. da Silva)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Maister F. da Silva (*)

Segundo Eric Hobsbawm, não é necessário inventar tradições quando velhos costumes ainda se preservam. No Rio Grande do Sul a combinação desses dois fatores vem há tempos causando infortúnios para a sociedade.

O piquete Aporreados do 38 resolveu “abrilhantar” a Semana Farroupilha, do Parque Harmonia em Porto Alegre, com a reprodução fiel de um dos capítulos mais vergonhosos da história gaúcha e brasileira: a escravidão. O fato que causou enorme mobilização nas redes e a chamada de atos de rua para debater o espaço do negro na cultura gaúcha.

Ocorre que o piquete justificou-se, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) disse que não tem a ver com isso e discorda da abordagem, a prefeitura se posicionou dizendo que repudia a exaltação da escravidão, ou seja, todos pedem desculpas e segue o baile. Em tempos bicudos como os que vivemos, com exaltações de conservadorismos e fascismo aflorando, o racismo nosso de cada dia dá-se ao direito de também vir à festa.

Algumas considerações sobre o fato:

1 – Todos os piquetes geralmente esforçam-se por nomes fortes, que causem impacto, que carreguem sinais de superioridade e orgulho chauvinista. O caso é o Aporreados do 38. “Aporreado” é sinônimo de algo indomado, violento. “38” remete ao calibre do revólver mais popular, compondo uma combinação agressiva.

2 – O Rio Grande do Sul é o estado mais racista do Brasil, fato comprovado. A elite dominadora rio-grandense, além do domínio territorial, dominou os costumes, impôs regras e normas, afirmou as tradições a serem seguidas e sufocou os rituais e valores dos povos tidos como inferiores, no caso o povo negro. Como se sabe, a história é contada do ponto de vista do dominador. Portanto, o que ali foi retratado é o que os costumes dominantes de fato consideram, que está incutido na sociedade gaúcha.

3 – O MTG é um reflexo da sociedade gaúcha, conservador, reprodutor de uma tradição chauvinista, carregada de tradições inventadas, que distorcem o passado. Esses expedientes são utilizados para definir e justificar a posição do branco, fornecer modelos de subserviência e estabelecer também o papel de comando e controle da tradição.

Um passado histórico apropriado às tradições dos dominadores gaúchos, é assim que deve ser interpretada a semana farroupilha, e é assim que é retratada. Mas os negros devem deixar de ir aos Centros de Tradição Gaúcha (CTG), por sabermos que a tradição dominadora nos exclui e nos vê pelas costas?

Afirmava Gramsci “na desvalorização do passado está implícita uma justificativa da nulidade do presente”, ou seja, o negro é tão presente na cultura gaúcha que participar de maneira organizada dos CTG’s é hoje mais uma forma de resistência, caracteriza-se em mais um elo da engrenagem de disputa pela hegemonia que trava a classe trabalhadora – neste caso sobre a cultura -, e tem muito do passado pra desnudar e fazer valer o presente.

A tradição é do dominador. Mas o gaúcho é nosso, do negro, do índio, do peão. O gaúcho era um sua essência um rebelde.

_______

Viva a Resistência Negra Gaúcha!

Quilombo do Negro Lucas – Resistiu por mais de 10 anos na ilha dos marinheiros, recebendo negros fugitivos do regime escravista. Lucas foi assassinado pela Guarda Nacional e um Delegado numa emboscada quando ia visitar a casa de um amigo, lutou até o tiro derradeiro.

Quilombo do Manuel Padeiro – Conhecido com Zumbi dos Pampas. Prova de sua importância e liderança: duzentos mil réis pela cabeça de Manuel Padeiro e cem mil réis pela cabeça dos demais.

Viva os quilombos de agora!

(*) Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora