Opinião
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7 de agosto de 2018
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14:30

Qual o sentido da candidatura Lula? (por Erick Kayser)

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Sul 21
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Qual o sentido da candidatura Lula? (por Erick Kayser)
Qual o sentido da candidatura Lula? (por Erick Kayser)
“Caso o nome de Lula seja excluído da disputa pela justiça eleitoral, a aposta é na capacidade de transferência de votos na candidatura por ele apoiada”. (Foto: Ricardo Stuckert)

Erick Kayser (*)

O Partido dos Trabalhadores confirmou em seu encontro nacional o que já havia anunciado há alguns meses: Luiz Inácio Lula da Silva será inscrito como candidato do partido para as eleições presidenciais. Mesmo no cárcere, a candidatura de Lula é reafirmada, numa decisão que seguramente traz uma série de riscos e uma boa dose de ousadia. Neste momento, a principal questão que se coloca para muitos é: qual o sentido tático e político da candidatura Lula?

Se partirmos do pressuposto que 2016 houve um golpe, que Lula é vítima de uma perseguição político-jurídica e que desde então a agenda de retrocessos sociais assumiu uma desumana brutalidade, a urgência da conjuntura cobram medidas que freiem este processo e garantam uma reversão desta agenda pelas urnas.

A condenação e prisão de Lula tornam difíceis, para não dizer improváveis, as chances de sua candidatura ser homologada pela justiça eleitoral. Esta suposição não se ampara (apenas) na Lei da Ficha Limpa ou qualquer outra regra ou normativa legal, pois existe jurisprudência que permitiria o registro da candidatura e uma eventual campanha sub judice. O determinante aqui seria o elevado grau de politização e parcialidade assumida pelo judiciário.

Para não deixar dúvidas neste sentido, a Folha de SP, na coluna Painel de 05 de agosto, informou trecho de uma palestra do ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, onde, além de confirmar que a controversa sobre encurtar o prazo para a definição de candidaturas teve a clara intenção de atrapalhar os planos petistas, sem citar o nome de Lula, afirmou encarar a candidatura do ex-presidente como uma “provocação” e concluiu “Eu sei que a justiça é cega, mas o juiz não é”. Deixando claro que o processo de Lula será julgado “pela capa” e “não pela norma”, como já alertava, pelo jeito em vão, o ministro Marco Aurélio Mello. Imparcialidade virou algo raro no judiciário brasileiro!

Não faltaram especulações ou mesmo pressões públicas para que o PT revisse a tática de manter a candidatura Lula, abdicando da cabeça de chapa para outra sigla ou ainda que apresenta-se desde já um nome do próprio partido substituto ao de Lula. Para além de razões meramente pragmáticas, de setores que sonham em herdar o eventual espólio de um ocaso eleitoral petista – tática natimorta e que dispensa aqui maiores considerações –, merece breve comentário uma linha de raciocínio que, criticamente, julga que a urgência de impedir a vitória de uma candidatura ligada ao golpe de 2016, impõe sacrifícios e saídas pragmáticas, no limite das regras eleitorais e do arbítrio jurídico colocado.

Nesta linha, por exemplo, o renomado cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em artigo  recente, às vésperas do encontro que homologou a candidatura de Lula e sua coligação, apelava para que o PT não apresentasse nome próprio, apoiando alguém de outra legenda. Para além das inúmeras adjetivações depreciativas (e agressivas) contra Lula, o artigo mobiliza certo senso de “realismo pragmático”, amparado quase que exclusivamente no desejo (ou necessidade) de derrotar as candidaturas ligadas ao governo Temer. Curiosamente, em sua análise, ele desconsidera um elemento igualmente pragmático e diria que até mesmo elementar: em um cenário adverso, a esquerda deve concentrar esforços na candidatura que demonstrou ser eleitoralmente mais viável.

O conjunto das pesquisas eleitorais indicando uma sólida preferência do eleitorado brasileiro pelo nome do ex-presidente, parecem dar amparo social para o PT escolher o caminho de sustentar sua candidatura. Paralelo a isto, pesquisas também apontam uma recuperação substantiva da imagem do PT, mesmo com os grandes reveses sofridos pela legenda neste último período. Com estes dados, o cálculo petista parece muito nítido: como poderia o partido com a maior organização e enraizamento social na esquerda brasileira e que possui o candidato líder nas pesquisas poderia, voluntariamente, abrir mão de qualquer protagonismo?

Caso o nome de Lula seja de fato excluído da disputa pela justiça eleitoral, a aposta é na forte capacidade de transferência de votos na candidatura por ele apoiada. Em pesquisa do Datafolha realizada no início de junho, 30% dos eleitores disseram que votariam com certeza em um candidato indicado por Lula e 17% afirmaram que talvez o fizessem. Pelos dados colocados, seria possível levar o nome petista alternativo para a casa dos 20% de intenção de votos, apenas “martelando” que ele seria o candidato de Lula. Se garantiria, assim, o nome do PT no segundo turno contra uma candidatura da direita.

Por esta perspectiva que o PT apresentou o nome do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, como um vice-presidente “virtual” na chapa, para numa eventual supressão de Lula da disputa, facilitar a transição dos votos para o candidato substituto. Haddad é um “vice-virtual” pois o PT fechou uma aliança com o PCdoB, garantindo que a vice-presidência ficará com a comunista Manuela D’Ávila. Pelo acordo, se a candidatura do Lula vencer no STF, Haddad será substituído pela Manuela. Se o Lula perder no Supremo, Haddad sobe para presidente e Manuela vira vice. Ou seja, quando o quadro jurídico for definido, a Manuela será a vice em qualquer situação.

Por fim, permeando este processo e talvez sendo o aspecto de maior substância simbólica, existe um sentido político na candidatura Lula que transcende a mera disputa eleitoral em si e a converte quase que em um movimento cívico em defesa da democracia. Não apresentar o nome de Lula neste momento, seria um gesto de passividade e emprestaria legitimidade ao arbítrio instalado no país. A teimosia na manutenção da candidatura de Lula, expressa uma radicalidade pela sua simples existência, num ato de desobediência civil que funciona como uma denúncia viva da ilegitimidade do poder no Brasil de hoje. Esta, seguramente, é a maior de todas as batalhas!

(*) Historiador

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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