Opinião
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28 de agosto de 2018
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16:28

O patrimônio de Porto Alegre volta a ser ameaçado  (por Zita Possamai)

Por
Sul 21
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O patrimônio de Porto Alegre volta a ser ameaçado  (por Zita Possamai)
O patrimônio de Porto Alegre volta a ser ameaçado  (por Zita Possamai)
FUNPHAC subsidiou o restauro e obras de manutenção de diversas edificações históricas, a exemplo do Solar Lopo Gonçalves. (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)

Zita Possamai (*)                                  

Matéria desse jornal de 2017 conta  sobre a restauração de 4 imóveis, localizados no Centro Histórico de Porto Alegre, destinados a servir de moradia às famílias que optaram por habitar casas históricas. Infelizmente, projeto inovador como este está em risco, devido ao projeto de lei do Prefeito da cidade (PL 010/ 2018), que extingue os fundos municipais, entre os quais o Fundo Monumenta Porto Alegre (FUMPOA) e o Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (FUMPAHC).

O primeiro foi criado em 1977, no contexto de um amplo movimento da sociedade porto-alegrense pela preservação do seu patrimônio arquitetônico, ameaçado pelas grandes obras viárias do período. Desde então, esse fundo destina 1% da cota-parte do fundo de Participação do Município (FPM) para projetos específicos nessa área. Embora com parcos recursos em algumas conjunturas políticas, o FUMPHAC subsidiou o restauro e obras de manutenção de diversas edificações históricas, a exemplo da Solar Lopo Gonçalves (hoje Museu de Porto Alegre), da Capela do Bom Fim, da Casa Torelly, do conjunto de casas da Travessa dos Venezianos, da Casa 2 do Conjunto Apeles Porto Alegre, entre muitas outras. Além de contribuir para a conservação dessas obras arquitetônicas de inestimável valor para a paisagem urbana, esse fundo também tornou possível a construção de um edifício para acondicionar de modo adequado a documentação do Arquivo Histórico de Porto Alegre. Como se não bastasse, ainda vem colaborando na conservação das obras de arte sob guarda das nossas pinacotecas municipais, Pinacoteca Aldo Locatelli e Pinacoteca Ruben Berta, cujas coleções reúnem artistas locais e nacionais da envergadura de Almeida Júnior, Pedro Weingärtner, Pedro Américo, Cândido Portinari, Lasar Segall, Tomie Othake, Vasco Prado, Xico Stockinger, sem contar os artistas internacionais reunidos por Assis Chateaubriand.

O mais grave ocorre com a extinção do segundo fundo, criado pelo Programa Monumenta e cujas benfeitorias para o Centro Histórico são visíveis na restauração do Portão do Cais do Porto, da Praça da Alfândega, do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, do Memorial do Rio Grande do Sul, do Palácio Piratini, do  Clube do Comércio, da Biblioteca Pública e na implantação do Museu de Percurso do Negro, entre outras ações. O Monumenta, liderado pela União, com recursos federais, do BID e dos municípios, adotou um princípio fundamental nas vinte cidades brasileiras nas quais foi implantado, a sustentabilidade financeira. O que significa isso? O primeiro investimento proveio do BID, mas a continuidade da preservação é autossustentada pelos municípios, por meio dos fundos criados especialmente com esse objetivo. Mas de onde advêm esses recursos do fundo? De duas fontes: da contrapartida do município, que aceitou as regras do Monumenta, e do pagamento dos empréstimos (a juros zero!!) obtidos por particulares para restauração de seus imóveis, localizados no Centro Histórico.

Exatamente por esse motivo, o Fundo Monumenta, carinhosamente apelidado de FUMPOA, contém recursos da ordem de 12 milhões de reais hoje! Esse recurso deve ser aplicado na preservação do patrimônio de Porto Alegre, conforme as regras federais.  Esse montante, e a garantia de sua retroalimentação, permitirá que outros proprietários busquem empréstimos para restaurar suas casas históricas, a exemplo das famílias citadas incialmente. Quem ganha com isso, são as famílias? Certamente, mas o maior ganho é da cidade, pois o restauro de casas degradadas impulsiona renovações urbanas em maior escala e transforma a feição econômica, social e cultural de bairros inteiros, a exemplo do que estamos vendo com o Centro Histórico de nossa cidade. Assim, o FUMPOA tem a capacidade de, ainda por alguns anos, fazer investimentos para mudar o cenário, no qual casas históricas estão abandonadas e em ruínas. Os aportes já realizados fizeram com que várias famílias escolhessem morar no Centro Histórico, restaurar e cuidar desses imóveis. Outros proprietários abriram seus comércios e trouxeram maior dinâmica ao lugar. Essas “novas velhas casas” beneficiaram a rua, a vizinhança e o bairro todo.

Ambos os fundos mencionados foram a culminância de movimentos culturais e de políticas públicas implementados em conjunturas diversas com o objetivo de fomento à preservação do patrimônio de Porto Alegre. FUMPAHC e FUMPOA são fruto do envolvimento de gente simples e de expoentes de nossa cidade. Manoelito de Ornellas, Sergio da Costa Franco, Leandro Telles, Riopardense de Macedo e Briane Bicca foram alguns dos porto-alegrenses que não pouparam esforços para defender a preservação dos traços arquitetônicos, artísticos e documentais de nossa cidade. Sabiam eles que uma cidade sem passado imputa o risco da amnésia irreversível aos seus moradores. Sem memória, somos seres autômatos, jogados na imprevisibilidade do acaso, tal como os androides de Blade Runner. Uma cidade sem essas marcas de outrora é insossa e sem sabor.  Será que esse é o desejo de nossos vereadores e do executivo municipal? Ainda há tempo para sustar o desmonte de iniciativas com resultados tão benéficos do ponto de vista social, econômico e cultural para Porto Alegre e seus moradores.

(*) Historiadora

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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