Opinião
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27 de agosto de 2018
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11:09

De costas pra Nuestra América? (por Ricardo Almeida)

Por
Sul 21
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Venezuelanos tiveram seus pertences destruídos em Pacaraima, Roraima. (Reprodução/Youtube)

Ricardo Almeida (*)

Cada vez que ouço alguém falar que vai reforçar a segurança nas fronteiras do Brasil, fico me perguntando se os países vizinhos não pensarão o mesmo… Aí eu também me questiono: será que o grosso do contrabando não se dá pelos portos e aeroportos? Por que ninguém fala nisso? Seria bem mais fácil vistoriar os containers que saem para os EUA e a Europa.

Vocês viram que o Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais publicou um relatório apontando que, de 2015 a 2017, houve uma migração bem maior de brasileiros para a Venezuela do que de venezuelanos vindo para o Brasil? Segundo essa pesquisa, foram 6.119 imigrantes brasileiros contra 3.515 venezuelanos que vieram para cá.

É necessário destacar que esse fenômeno não ocorre somente em relação à Venezuela, pois há muito tempo levas de brasileiros tentam a sorte nos EUA, e sabemos que Portugal está vivendo algo muito semelhante. No entanto, o pior é ignorarmos que, em quase todas as fronteiras nacionais, alguns brasileiros sentem-se no direito de migrar para o país vizinho, mas reclamam quando os “estrangeiros” vem viver e/ou trabalhar na terra abençoada por Deus e bonita por natureza.

O caso contraditório e mais emblemático ocorre na fronteira com a Guiana Francesa, pois aquele é um território que pertence à França, onde pagam salários em euro e possui bons sistemas públicos de segurança, de saúde e de educação… Também oferecem a qualidade de vida que muitos gostariam de ter (inclusive, os brasileiros que cruzam o Rio Oiapoque).

Mas existem casos que exigem uma análise mais profunda, como nas fronteiras em que brasileiros compram terras do lado de lá e exportam a língua, os hábitos e costumes y otras cositas más. No Paraguai, por exemplo, ocorreram verdadeiras invasões que provocam o assassinato de lideranças indígenas, o tráfico de armas, de drogas, de automóveis e também a sonegação escancarada de impostos. Esses “desbravadores” influenciam as decisões políticas daquele país, tendo em vista a compra de mais terras e o pagamento de menos impostos. No entanto, quando precisam de serviços públicos, atravessam a fronteira para usufruir dos sistemas de saúde e de educação do país vizinho – o Brasil.

Portanto, olhando mais atentamente, percebe-se que cada fronteira é singular e que as relações se dão de forma diferenciadas, sendo que as oscilações do câmbio e a diferença no valor dos impostos influenciam algumas pessoas a aceitar os estrangeiros, mas apenas em função da venda ou da compra de produtos, de terras etc. e tal. Não o fazem por solidariedade ou humanidade!

A fronteira mais fechada para os brasileiros é a da Argentina. Ali é possível perceber um controle maior da circulação de pessoas e de mercadorias, com uma forte presença do exército daquele país. Até dá pra desconfiar sobre os motivos de tal vigilância, mas apenas vejo pessoas responsabilizando “a rota dos paraguaios”.

Apesar de a TV brasileira não noticiar, é fácil verificar que há uma falta de políticas públicas para melhorar a relação do Brasil com os estrangeiros. Analisem o caso da colônia boliviana em São Paulo, que foi levada por “gatos” (brasileiros e bolivianos) para trabalhar como escravos em confecções de algumas grifes famosas, ou dos vendedores haitianos espalhados por várias regiões do país ou, ainda, dos povos indígenas, cujas terras são invadidas pelo agronegócio. Ops, como assim? São os nossos povos indígenas!

Desculpem, pois eu me atrapalhei! Já estava ignorando que os povos indígenas são os verdadeiros donos desta Terra do Pau Brasil… Nós (outros) somos apenas os filhos e netos dos “viajantes” que vieram do além-mar, sendo que muitos foram trazidos à força, em navios manchados de sangue negro.

Se tudo isso não te faz pensar, e se os venezuelanos ainda serão tratados por ti como intrusos, é porque não entendeste quais são as disputas internacionais que estão por trás dessa bagunça criada em Roraima. Enfim, se formos honestos com a nossa consciência, vamos perceber que os brasileiros precisam mergulhar na sua memória mais profunda pra reconhecer o colonialismo que ainda existe por aqui.

Enquanto o gigante estiver de costas pra Nuestra América, nós não vamos reconhecer a nossa própria imagem no espelho. Eu acredito que lá de fora se enxerga melhor todas as nossas virtudes e também os nossos piores defeitos. Mas, para isso ocorrer, será necessário cantar em alto e bom som: hermano, dáme tu mano / vamos juntos a buscar / una cosa pequeñita / que se llama libertad…

(*) Consultor em Gestão de Projetos TIC

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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