Opinião
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17 de agosto de 2018
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13:49

Apolitismo e austeridade ameaçam a democracia (por Jorge Barcellos)

Por
Sul 21
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Apolitismo e austeridade ameaçam a democracia (por Jorge Barcellos)
Apolitismo e austeridade ameaçam a democracia (por Jorge Barcellos)
“A democracia conta, além do inimigo externo, a tirania, com um interno, o apolitismo”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Jorge Barcellos (*)

Foi o filósofo Francis Wolff que apontou que a democracia está para o cidadão comum como o personagem Don Juan está para as mulheres: quanto o povo não a tem, a deseja; quando a tem, afasta-se dela “a conquista mobiliza toda sua energia; a posse o entendia”. Por isso, a democracia conta, além do inimigo externo, a tirania, com um interno, o apolitismo.

O apolitismo tem muitas formas. Ocorre quando substituímos a crença na política como lugar da felicidade pela ética da vida privada que substitui as normas políticas de solidariedade, justiça e igualdade por valores morais. Ocorre também quando os cidadãos se refugiam no sagrado, onde somente a promessa de salvação na transcendência conta. E finalmente, ocorre quanto as atividades do cotidiano remontam ao discurso do homo economicus, quer dizer, não se discutem fins políticos, mas apenas os meios técnicos: é o mundo onde tudo se transforma em gestão.

O discurso dos candidatos está reforçando mais uma vez as bases do apolitismo, é só olhar o debate público. É preciso salvar a democracia não dos candidatos ruins, mas do apolitismo que resultará na eleição do pior possível. O apolitismo provem da fraqueza das instituições de ensino em produzir alunos críticos e do sucesso das políticas neoliberais em produzir adultos analfabetos políticos. Cidadãos que desconhecem a política afastam-se dela, tornam-se apolíticos, incapazes de criticar as propostas em debate. É preciso educação política, ensinar aos cidadãos a ler nas entrelinhas dos discursos e a identificar critérios da boa seleção de candidaturas que os representem.

Uma das bases do discurso apolítico é o tecnicismo.  Sob a ideia de austeridade, defende a redução do investimento social. Essa ideia não é neutra, produto da técnica, ao contrário, tem sido amplamente questionada.  O seminário “Impacto de Medidas de Austeridade em Direitos Humanos” analisou a política de austeridade imposta pelo golpe e os efeitos da Emenda Constitucional 95 que estipula o teto de gastos em áreas vitais como saúde, educação e segurança pública. Realizado no último dia 9 de agosto na PUC-SP, a crítica feita às políticas de austeridade do governo Temer pode ser estendida a todos os governantes do país que seguem a cartilha neoliberal.

Por que?  A austeridade econômica que surge no bojo das políticas de gestão neoliberal produz a desconstrução do cerne do pacto social de 1988, a cidadania social. Reduzem investimentos sociais que ampliam o retorno de mazelas já extintas como a mortalidade infantil e epidemias, inviabilizam o Plano Nacional de Educação, e promovem até o aumento do desmatamento da Amazônia. Tudo porque se cortam recursos.

Nos demais níveis de governo não é diferente. Estados e municípios seguem a mesma cartilha. A opção é menos a adoção do gerencialismo no Estado e mais fortalecimento da democracia. Quer dizer, o que se contrapõe ao discurso da austeridade é a ampliação do pacto distributivo da política fiscal, o reformismo tributário solidário, tanto no gasto quanto na oferta de serviços públicos. A ênfase na transferência de renda para os mais pobres, combinada com um regime fiscal flexível se contrapõe às políticas de austeridade de governos neoliberais.

Distribuição de renda e investimento social são impulsionadores econômicos, tudo o que as políticas de austeridade negam.  Elas criam mercado interno, geram empregos e melhoram a qualidade de vida de quem mais precisa, os trabalhadores. Quer dizer, o investimento em áreas chaves da sociedade não apenas gera mais empregos, mas melhora a estrutura produtiva. As políticas de austeridade baseiam-se no falso dilema da dicotomia entre o econômico e o social, já superada. A precarização dos serviços públicos, a redução das transferências sociais, os milhões de novos desempregados, efeitos da política de austeridade, apenas reproduzem um projeto de pais mais excludente.  Ao contrário, o gasto social é a principal ferramenta de desenvolvimento

A necessidade da educação política é uma bandeira para todos níveis da sociedade.  O mundo político é um lugar difícil de ser interpretado e o ensino deve ajudar as novas gerações a aprender, a sonhar e a ter experiências políticas e vivências que valorizem a solidariedade, o que contribuirá para a redução do apolitismo. Isso é urgente porque precisamos nos libertar dos políticos preconceituosos, extremistas e fundamentalistas. Nada parece indicar que eles desistiram de participar de mais uma eleição, ao contrário. Todo cuidado é pouco e o apolitismo, um servo útil para demagogos. Nestas eleições, corra de quem defende a austeridade. Parece uma boa ideia, mas não é.

(*) Historiador, Mestre e Doutor em Educação. Autor de O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017), é colaborador de Sul21, Le Monde Diplomatique Brasil, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e do Jornal O Estado de Direito. Mantém a coluna Democracia e política no Jornal O Estado de Direito e a página jorgebarcellos.pro.br

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