André Pereira (*)
Será, de fato, informe dadivoso e alvissareiro, com plenitude de novidades e aureolas de ineditismos, o projeto de lei (PL 23/2016) que no mês passado a Assembleia Legislativa rio-grandense aprovou e o governador sancionou, afinal, nesta semana proibindo venda de guloseimas em escolas ?
E seria raridade um anúncio anterior, datado de 4 de março de 2016, dos fabricantes de refrigerantes e sucos artificiais prometendo que, por fim, não direcionariam mais os apelos para compra de seus produtos junto a crianças com menos de 12 anos?
Negativo.
Não há nada de novo.
Não contém nenhuma originalidade conceitual.
São ambas decisões envelhecidas em quase quatro décadas, a contar desde os primeiros alertas públicos feitos pela Associação Democrática Feminina Gaúcha (a lendária ADFG), em campanha sibilina datada de junho de 1979 contra o estimulo de consumo dos refrigerantes Coca Cola e Fanta nos ambientes escolares, distante da vigilância educativa dos pais e camuflado na promoção “Crianças, Ecologia e Conservação da Natureza”.
A estratégia do fabricante pretendia ser subliminar, mas era francamente capciosa: patrocinava um certo “Livro do professor”, de anunciado conteúdo ecológico, no qual incorporava slogans de seus refrigerantes. Em uma lombada de publicação estava impressa a frase “iniciativa comunitária dos fabricantes brasileiros de Coca –Cola e Fanta”, com a marca gráfica da indústria dos ditos refris.
Ao tomar conhecimento de tal promoção, a diretoria da ADFG, com as líderes Magda Renner e Giselda Castro, personagens em cartaz no filme Substantivo Feminino (https://guia21.sul21.com.br/cinema/documentario-substantivo-feminino-tem-sessao-comentada-nesta-quinta-2/) elaboraram uma severa interpelação ao governo ditatorial do então ministro da Educação, Eduardo Portella, questionando aquele descarado uso da rede escolar pública do país para a veiculação de “propaganda comercial da Coca-Cola, através de cartazes disfarçados de promoção ecológica”.
Rememore-se: o país estava em pleno regime totalitário de coturnos e punhos de renda, da ditadura militar civil, implantada no Brasil em 1964.
E buliam, acima de tudo, com o poderio e a soberba das multinacionais, sem supervalorizar apenas o aspecto nutricional, como ocorre agora, com a legislação dos políticos peemedebistas de plantão.
Alinhavam, além disso, pelos menos quatro contrariedades.
A utilização indevida de professores.
A manipulação dos pequenos estudantes.
A falsificação do tema ecológico.
A questão nutritiva em tela, também.
“Estamos estarrecidas”, escreveu Giselda Castro, com a indignação costumeira.
Estavam estarrecidas, sobretudo, com o precedente aberto e “urgimos de V.Sa. medidas que protejam a filosofia e a ética que devem nortear as atividades educacionais.
Denunciavam a invasão da “consciência jovem, fácil presa de iniciativas inescrupulosas”, pedindo providências para sustar o programa e prevenir o surgimento de campanhas similares.
“Escola não é lugar para propaganda comercial”, estariam a ensinar o ministro?
Ao professor – ponderava o oficio das senhoras gaúchas – é delegada a tarefa de inocente útil como propagandista gratuito de um produto que é, no mínimo, totalmente supérfluo, se não nocivo à saúde já que, até hoje, não se sabe a composição química da Coca-Cola.
“Nossos professores não podem se transformar em agentes publicitários, nem nossas escolas serem alvo da cobiça insaciável do mercado”, ressaltavam.
Ainda posicionavam-se criticamente ao conteúdo pedagógico da promoção, em relação à abordagem ambiental.
“É de se estranhar que em todo o conteúdo do primeiro folheto programado para os professores pelo presidente da Fundação para a Conservação da Natureza não haja a mínima noção ou sequer menção aos princípios básicos que regem a dinâmica da vida no planeta terra e que constituem a essência da Ecologia”.
Seria uma insinuação à ignorância jubilada já que o presidente da entidade creditava-se “José Cândido de Melo Carvalho” seguido de pomposo adendo titulativo “Ph.D”?
Distribuíram, simultaneamente, uma célere advertência às autoridades da área educacional e ao Magistério de I Grau de todo o Brasil chamando a atenção para “a investida maciça de uma multinacional na exploração dos últimos redutos do mercado de um país subdesenvolvido”.
Sabidamente, asseverava a nota, são as multinacionais, ou transnacionais, um fator determinante das atuais estruturas de poder, as principais responsáveis pela destruição da natureza, das tradições sócio culturais e dos valores ético profissionais.
Imaginavam, no texto da missiva, que o ministro poderia ter sido mais tocado com as argumentações finais invocando a proteção da soberania nacional.
“A inflação descontrolada desafia as autoridades e atinge profundamente toda a nação, exigindo a colaboração coletiva para restringir o padrão de consumo para economizar divisas que talvez garantirão a sobrevivência econômica, assegurando a energia que ameaça faltar e até mesmo a produção de alimentos básicos. Por isso tudo era revoltante que fosse usado o problema fundamental dessa conjuntura para incentivar um hábito que que iria engrossar polpudos royalties que dessangravam nossa combalida economia. Só este fato inabilitaria o programa, mesmo que estivesse à altura do que pretende ser”.
(*) Jornalista
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