Opinião
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13 de julho de 2018
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01:01

Um presidente de Câmara de Vereadores não pode ter medo do povo (por Jacques Távora Alfonsin)

Por
Sul 21
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Um presidente de Câmara de Vereadores não pode ter medo do povo (por Jacques Távora Alfonsin)
Um presidente de Câmara de Vereadores não pode ter medo do povo (por Jacques Távora Alfonsin)
Choque da Brigada Militar foi chamado para retirar servidores municipais da Câmara de Vereadores. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Jacques Távora Alfonsin 

O risco de a convulsão social se generalizar hoje, no Brasil, é cada vez maior, desde o golpe perpetrado em 2016, impondo um estado de exceção ao país, mas o poder de polícia das nossas autoridades parece não estar levando isso em linha de consideração adequada para o momento. A  violência policial está crescendo em quase toda a parte, abusando do seu poder, inclusive contra o direito constitucional das manifestações públicas de protesto contra a implementação de políticas públicas que o povo julga contrárias aos seus direitos.

Um exemplo claro desse exercício visivelmente ilegal de autoridade aconteceu ontem em Porto Alegre, quando um numeroso grupo de funcionários públicos do município pretendeu estar presente em uma sessão da Câmara de Vereadores que iria votar projetos de lei encaminhados pelo Prefeito Marchezan. O presidente da Câmara, Valter Nagelstein pediu a presença da Brigada Militar no recinto, conforme noticiou o Sul 21,  sob o pretexto de que “eu pedi a ação policial para garantir que o parlamento pudesse se manifestar dentro daquilo que se chama estado democrático de direito. É muito triste ter que ter havido intervenção policial e é mais triste ainda pra mim que eu tenha que chamar uma reunião extraordinária a portas fechadas”.

Ele nem parece ter percebido nesse pronunciamento duas contradições manifestas, ambas comprobatórias de como um ambiente golpista contamina as autoridades para fazer o que não devem.  A primeira, a de um Estado que se queira realmente democrático e de direito jamais usar do seu poder para proibir presença de público em sessões de seus parlamentos. A segunda, de o seu presidente julgar  investido de autoridade para, por seu livre arbítrio, decidir quando uma sessão do parlamento pode ser feita, ou não, a portas fechadas.

Os efeitos dessa conduta ilegal e inconstitucional não poderiam ter sido outros que não os de um vergonhoso conflito entre a força policial presente na Câmara e o grupo de manifestantes. Tumulto, utilização de gás lacrimogênio, porta e vidros quebrados e quatro servidores atendidos no Pronto Socorro, de acordo com informação prestada pelo Sindicato dos Municipários, encerramento da sessão sem votação dos projetos que se encontravam na pauta dos trabalhos.

Em assembleia da categoria profissional, realizada em seguida, a decisão da mesma pela decretação de greve foi unânime. Menos mal que, deferindo uma liminar em um mandado de segurança, a tal sessão secreta da Câmara pretendida pelo seu presidente, foi barrada. Conforme o site G1, o despacho foi exarado pelo juiz de plantão Sidinei Brzuska:

 “Defiro a medida liminar para assegurar que a sessão legislativa marcada para o dia de hoje, 12/07/18, com início às 09 horas e 30 minutos, na Câmara Municipal de Porto Alegre, ocorra de forma pública, ou seja, com acesso ao público, podendo a autoridade coatora adotar as medidas de segurança que entender adequadas para o regular desenvolvimento da sessão”, diz um trecho da liminar.”

Constrangimentos desse tipo, ainda mais quando envolvem a presidência de um parlamento, não se justificam. Dão sinal de insegurança, um medo incompatível com o exercício das próprias e importantes funções. Sinalizam uma pressuposição desconfiada do público, tendente a mantê-lo distante, confinado, para “não incomodar”, como se dele o próprio parlamento não tenha recebido mandato.

Não por falta de aviso, ONGs, movimentos populares, entidades de defesa dos direitos humanos, estão se mobilizando contra uma verdadeira onda de criminalização de grupos e lideranças de pessoas inconformadas com esse estado de coisas. Coincidentemente, na edição do mesmo dia em que ocorreu esse incidente na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o Brasil de Fato publicou notícia sobre um seminário realizado em Curitiba, nos dias 21 e 22 de junho passado.

De lá partiu uma “Carta de resistência”, com uma série extensa de encaminhamentos, entre os quais vale destacar a necessidade e a urgência de “formular critérios concretos para limitar o uso da força em protestos”, “ “Demandar do Colegio Nacional de Defensoras e Defensores Públicos Gerais – CONDEGE participação efetiva da Defensoria Pública em grandes manifestações, de forma unificada e coordenada, a partir de protocolo de atuação e atendimento com disponibilização de canais de acesso institucional (número de telefone e meios eletrônicos); “Tornar  visível  e  enfrentar  os  eixos de  violência  e  repressão  às  manifestações associados ao racismo, ao sexismo, à lgbtfobia e à eliminação baseada em classe; “pressionar  para  que  os  protocolos de manifestações sejam tornados públicos, bem como exigir a identificação de policiais em atividade  e  da cadeia  de  comando,  de  modo  a  evitar  que  se esquivem  de responsabilização por atos de violação do direito de manifestação.”

Toda a violência decorrente do abuso de poder, por mais que busque se legitimar, revela arbitrariedade não tolerada pela Constituição Federal e pelas leis de um Estado democrático de direito que, paradoxalmente, foi invocado pelo presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre para agir como agiu. Das duas uma: ou ele ignora o que seja isso ou é infiel ao seu próprio mandato.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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