Marcelo Sgarbossa (*)
A reabertura de um trecho da orla do Guaíba após as obras de “revitalização” impõe uma reflexão sobre a forma como estamos nos relacionando com a nossa Capital. A gigantesca massa de pessoas que visita o local permite concluir ao menos três importantes questões.
A primeira está relacionada à demanda reprimida. Tanta gente junta impressiona e demonstra com clareza a falta de espaços públicos abertos nas cidades. Uma paisagem bonita para contemplar, um lugar para sentar, pessoas circulando. Só isso! A condição humana em todo o seu esplendor, satisfazendo-se com tanta simplicidade, sem consumismo e elitismo.
Claro que não precisava todo o concreto colocado na “revitalização”. Mas agora está feito, e vai ficar assim. Então vamos desfrutar, e cuidar para que continue sendo um espaço público aberto e democrático.
O segundo ensinamento está relacionado à forma como as pessoas têm chegado na orla. O transporte individual motorizado irracionalmente se impõe. E não há outra alternativa, deixando explícita a carência de transporte público de qualidade que possa ser uma alternativa para evitar que as pessoas usem o próprio automóvel.
Em pleno domingo, congestionamentos de automóveis (muitos da Região Metropolitana) que se estendem pela Avenida da Legalidade e da Democracia até a Arena do Grêmio, bem como às demais ruas do Centro, também entupidas de veículos. O verde do Parque da Harmonia desaparece com carros estacionados. Um cenário que não combina com a beleza natural daquele local.
Os “técnicos” da mobilidade estão diante de um novo polo gerador de tráfego, e não sabem o que fazer. É preciso caminhar para um novo modelo de cidade, com o transporte individual, finalmente, dando lugar ao coletivo. Os projetos do Cais Mauá e do Pontal do Estaleiro vão na mesma equivocada direção. E será inútil oferecer milhares de vagas de estacionamento, como preveem os idealizadores. A questão do como chegar será sempre um nó que não terão como desatar.
Por fim, o terceiro ensinamento vem da concepção entre o público e o privado. O imenso fluxo de pessoas na orla só acontece porque o espaço é aberto e acessível a todas e todos. Naquele espaço, não há cercas, nem muros, nem segurança privada vigiando e intimidando. Também é possível sentar e desfrutar do local sem a necessidade de consumir. O lugar permite. Não temos essa mesma condição positiva nos projetos do Cais e do Pontal, e isso é grave. Mais uma vez, os interesses privados se sobrepõem ao interesse público.
(*) Vereador de Porto Alegre (PT)
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