Opinião
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22 de julho de 2018
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21:59

Saraus Musicais EMEF Vila Monte Cristo: 10 anos de (r)existência (por Caroline Ponso)

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Sul 21
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Sarau Musical realizado por escola municipal da capital completou 10 anos. Foto: Charles Lorenzini/Divulgação

Na noite da última quinta-feira (19), o Teatro Renascença, no Centro Municipal de Cultura recebeu a comunidade escolar da EMEF Vila Monte Cristo para comemorar os 10 anos do projeto Saraus Musicais. Foram duas horas e meia de músicas, vídeos, exposição de fotos, esquetes teatrais e um belo cerimonial que explanaram a Existência de um projeto de escola que trouxe a música de dentro do currículo pra além da sala de aula, invadindo os espaços de aprendizagem e ressignificando a escola pra toda uma geração de alunas e alunos da comunidade. A noite marcou também a Resistência deste projeto que, assim como outros projetos culturais da rede municipal de ensino foram excluídos pela mantenedora, com o corte de horas e verbas.

A escola fretou ônibus para que a comunidade se deslocasse ao teatro. Famílias, alunos/as, ex-alunos/as, alunos da EJA, professores/as, aposentados/as, equipe diretiva, comunidade escolar, lotaram o teatro Renascença para assistir ao espetáculo preparado para relembrar os 33 saraus ocorridos nos dez anos de existência do projeto. Conjuntos musicais formados por alunos/as, familiares, funcionários, professores/as e ex-alunos/as executaram um repertório eclético de músicas populares escolhidas a partir das temáticas dos saraus do projeto. A música Estrela, estrela de Vitor Ramil foi entoada por um coro de 30 professoras para uma homenagem póstuma à professora Gilse Fortes, importante educadora e uma das fundadoras de nossa escola. Também foi homenageada a professora Maria Helenita Nascimento Bernál, que há dez anos iniciou junto aos alunos e alunas o projeto Saraus Musicais.

O projeto vem marcando profundamente a vida dos/as estudantes. Percebemos que toda escola se modifica na presença da música. As crianças transitam pelos tempos e espaços da escola com liberdade e propósito de estudo, pesquisa e ação pedagógica. Envolver as famílias e trazê-las para dentro da escola é um ganho enorme. As ações de protagonismo e cooperação no projeto transformam os/as alunos/as em pessoas mais ativas, conscientes de sua capacidade, disponíveis e solícitas na construção de suas próprias aprendizagens. Acreditamos que a música na escola possa mobilizar o grupo de professores/as, a direção e a comunidade em projetos amplos, que agreguem o maior número de pessoas voltadas ao fazer coletivo. A vida escolar começa a ter um novo paradigma, a do conhecimento interligado, da interação, da troca entre as pessoas. Esperamos continuar por mais 10, 20 anos com o projeto Saraus Musicais, ampliando e ressignificando a escola cidadã de Porto Alegre.

Evento aconteceu no Teatro Renascença. Foto: Charles Lorenzini/Divulgação

Depoimentos:
“Há quatro anos tive a felicidade de chegar na EMEF Vila Monte Cristo para trabalhar como professor de música. Mal sabia eu que a escola tinha uma história artística e especialmente musical tão rica, mobilizando toda a comunidade escolar em torno deste projeto chamado Sarau Musical. Muito além de uma simples apresentação, o projeto é para muitos/as estudantes motivação para seguir frequentando e enfrentando os desafios da escola, é espaço para crescer individualmente, aprender a lidar com as diferenças no trabalho em conjunto e principalmente resgatar sua auto-estima, apesar de todos os revezes enfrentados fora dos muros da escola. É muito gratificante para mim contribuir e fazer parte dessa história. O projeto Sarau Musical dá vida à EMEF Vila Monte Cristo e demonstra o potencial que a arte tem para tornar a escola em uma segunda casa, que acolhe e oportuniza vivências transformadoras na vida de toda a comunidade escolar.”
Douglas Z. Benzi – professor de música da escola

“O espetáculo é resultado da dedicação e grandeza do trabalho d@s professor@s de Música e Teatro da EMEF Vila Monte Cristo. E também traduziu a energia, a criatividade e a competência característicos das escolas da Rede Municipal de Porto Alegre. A comunidade escolar pode prestigiar em um espaço cultural significativo como o Teatro Renascença, performances de vári@s professor@s, alun@s e funcionári@s da escola, num evento democrático, crítico e de grande riqueza musical. Foi um orgulho e felicidade imensos participar de tudo isso como mestre de cerimônias! Apesar das tentativas de desmonte da educação pública de qualidade pela atual gestão municipal, esse espetáculo prova que a RME continua competente, criativa e potente, incluindo a diversidade, resignificando aprendizagens e transformando realidades. #apesardevoceamanhahadeseroutrodia”
Daniela Coletti – Supervisora e orientadora da escola – Coordenação Cultural do evento

“O dia 19 de julho de 2018 ficará marcado para sempre na minha vida e na vida de toda a comunidade da EMEF Vila Monte Cristo, escola da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, pelo maravilhoso espetáculo “Sarau Musical 10 anos de (R)existência”, no Teatro Renascença, que apesar do seu desmonte pelo poder público vigente, conseguiu se manter firme e forte durante esses 10 anos! Um Projeto que surgiu em 2008 quando culminou todo um processo de estudo sobre a Bossa Nova que completava 50 anos. Lembro ainda quando os alunos, me abraçaram e disseram “Prof. isso não pode parar, nossa escola é uma Escola Musical. Vamos fazer outros estudos com a música”! O Projeto Saraus Musicais se tornou uma forma fantástica da Educação Musical acontecer na Escola, envolvendo alunos, professores, ex-alunos, pais, funcionários e comunidade, integrando, estimulando a pesquisa, ampliando o universo musical, proporcionando conhecimento, onde todos participam desde o processo até o Sarau, cantando, tocando,… enfim expressando-se de todas as formas! Muito Grata aos colegas, alunos, e ex-alunos pelas homenagens em função de ter iniciado os Saraus Musicais! Muito Grata pela continuidade, pela garra da Caroline Ponso, minha querida colega, com quem aprendi e continuo aprendendo muito, assim como o Douglas Z. Benzi, que chegou na escola depois de mim e abraçou junto o projeto com toda a fé!
Maria Helenita Nascimento Bernál – Professora de música aposentada, criadora do projeto

Foto: Charles Lorenzini/Divulgação

“Nossos filhos.
Ontem assisti o resultado de um contínuo e dedicado trabalho musical e teatral da Escola Municipal Monte Cristo, de Porto Alegre, onde trabalha a Rosa, minha esposa. Foram duas horas e meia de shows de alunos, pais e professores no tradicional Teatro Renascença. Comemorou-se os 10 anos do projeto “Sarau Musical” – “Sarau Musical, 10 anos de (R)existência”. Nas primeiras frases, no primeiro canto, meus olhos já encheram d’água. E assim foi até o fim, vendo todas essas pessoas se apresentado e tudo se movendo ao redor do tocante trabalho de uma escola pública municipal. Confesso que a emoção de ver meus próprios filhos em apresentações em sua escola particular não chega perto da emoção de ver a apresentação dessas crianças de uma escola pública, crianças sobre as quais escuto minha esposa falar no dia-a-dia, falas que contam sobre uma aluna que faleceu há poucas semanas vítima de uma chacina, de crianças que vem do abrigo municipal, dos inúmeros casos de violência sexual, das várias brigas a soco que precisam ser separadas pelos professores, crianças que estão carentes de roupas, de alimento, de carinho e de respeito social… Sei que meus filhos estão bem cuidados, bem protegidos. Sei que há falhas em sua escola particular e sei que falho em meu papel de pai, mas, definitivamente, sei que eles estão numa condição bastante favorável. Me emociono com meus filhos diariamente, mas a emoção de ver aquelas crianças é muito grande. Essas crianças são os “nossos” filhos ou, mais precisamente, nossos irmãos. E são os irmãos que estão mais distantes, são aqueles pelos quais gostaríamos de fazer mais do que podemos. São irmãos que mostram nossa real limitação. São irmãos que dependem, portanto, do serviço público. Por mais que desejemos que todos tenham o que nossos próprios filhos tem, não temos braços e pernas para isso. Por mais que gostaríamos que a situação familiar ou social de muitas dessas crianças se modificasse, não temos poder para isso. Mas podemos continuar olhando para esses trabalhos, auxiliando de alguma forma essas ações que os prestigiam direta ou indiretamente, que os coloca onde eles merecem, recebendo a apreciação de todos, o carinho de todos, ações que mostram que há pessoas e organizações trabalhando pela formação deles, pela alegria deles, pelo acolhimento deles. Porém, o mais triste de tudo apareceu no grito final de todos que estavam naquele teatro. Aquele que deveria estar comemorando essas conquistas históricas da escola pública de Porto Alegre, que deveria estar conosco vendo esse lindo trabalho, que deveria estar trabalhando pela escola municipal, que foi eleito para isso, é quem se dedica a destruí-la. Quem foi eleito para trabalhar pelas escolas municipais de Porto Alegre tem recebido a unânime manifestação de que deveria estar fora. A verdade é que ele já está fora, está fora dessa corrente, está fora do desejo de dar benefício a essas crianças, não vê que elas são seus filhos, não vê que são seus irmãos. Política é importante. Política é muito importante. Política pode encher nossos olhos d’água de alegria e pode encher nossos olhos d’água de tristeza.”
Jorge Luis Knak – familiar

“Se alguém me dissesse que eu iria participar deste momento… Esta escola é pura resistência! Participei de algumas apresentações e me emocionei muito. A oportunidade de cantar a música Nego Drama, do grupo de rap Racionais, foi o momento de falar da dor que o racismo causa à população negra. Obrigada pela oportunidade de participar deste momento tão importante para os(as) alunos(as). No outro dia quando fomos para a escola, trocamos muitos abraços e deu pra ver que a escola toda se emocionou também.”
Elenice Ferreira – professora de Educação Física

“Saí da escola com o ônibus junto com meus colegas. Na ida para o teatro Renascença estava nervosa, com um frio na barriga de chegar lá e fazer feio. Mas depois que cheguei e passou o tempo, ensaiamos e comecei a ficar mais calma. Na hora de nossa turma tocar, subi no palco e me senti muito à vontade lá em cima. Achei o sarau muito organizado, bem mais do que os da escola, achei grande o espaço, se fosse aqui na escola não teria espaço para todos os familiares e alunos. Achei tudo muito lindo, os professores cantando, e muito lindo o que fizeram para a professora Gilse. Saudades eternas, ela era muito tri.”
Ana Carolina – aluna de C10

“10 anos?
Parece que foi ontem que meu sobrinho Bruno falou: – Vai ter um Sarau na biblioteca!!
Bah! Fiquei triste de não poder participar do primeiro, mas participei do segundo, do terceiro e vários outros. Ensaios pro Sarau eram as melhores partes, conhecer as pessoas que normalmente não falava e só via pela escola, amizades que tenho até hoje. E no início era sem todos os recursos que tem hoje na escola, mas mesmo assim sempre foi sucesso! “Sora” Maria Helenita me falando pra fazer música mais orgânica, não só música com base eletrônica, foi o que me fez querer ter banda, e estar no palco do Sarau me fez querer cantar profissionalmente. Na última quinta, 10 anos do Sarau, foi uma das experiências mais emocionantes da minha vida. Obrigado “sora” Carol, que não deixou o Sarau morrer, fez ele resistir e tomar um outro patamar. Quem diria que um Sarau que começou na biblioteca da escola estaria lotando um teatro como o Renascença. Obrigado por tudo Sarau Musical!”
Vagner Oliveira (Mc Wago) – ex-aluno da escola

Foto: Charles Lorenzini/Divulgação

*Caroline Cao Ponso é professora de música da EMEF Vila Monte Cristo

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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