Opinião
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11 de julho de 2018
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17:34

O Uber, a Fraport e as famílias removidas (por Douglas Freitas)

Por
Luís Gomes
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O Uber, a Fraport e as famílias removidas (por Douglas Freitas)
O Uber, a Fraport e as famílias removidas (por Douglas Freitas)
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Douglas Freitas (*)

A Uber, multinacional estadunidense, ganhou a licitação para a manutenção da Orla do Guaíba em Porto Alegre. Em paralelo, Fraport, multinacional alemã, tem a concessão do Aerporto Senador Salgado Filho por 25 anos. Grandes multinacionais, uma comandando o aeroporto, outra gerenciando um importante porto turístico da cidade.

No Jornal do Comércio, o titular da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade, Maurício Fernandes: “Essa nova adoção deve servir de aprimoramento aos conceitos até então utilizados”. O gerente-geral da Uber na região sul do País, Fabio Klein, diz: “A adoção do parque da nova orla simboliza um novo momento na relação da cidade com seu maior cartão-postal”.

Já não falta muito para vermos o por-do-sol do Guaíba através de telões em estruturas na própria orla, competindo com o sol que desce. Campanhas publicitárias que reproduzem as melhores fotos da hashtag bacana, que reúne imagens deslumbrantes do céu laranja do entardecer nas águas. Para além disso, a garantia da não depredação e da preservação do espaço fica a cargo de uma vigilância contratada pela Uber. Ou seja, quem decidirá se tu pode ou não sentar na grama são seguranças privados. Quão distante a Prefeitura, o Estado, fica de responder pelos os abusos destes agentes?

Menos de uma semana depois da inauguração da Orla do Guaíba, a Ocupação Aldeia Zumbi dos Palmares, localizada ao lado da Praça do Aeromóvel e puxada por pessoas em situação de rua organizadas pelo direito à moradia, tem sua reintegração de posse autorizada por uma desembargadora. Uma magistrada que, para além do seu salário na casa dos 30 mil reais, recebe um auxílio-moradia, de aproximadamente 5 mil. Imagine se, para além do seu salário, você recebesse uma quantia gigantesca só para pagar o seu aluguel. Do alto de que andar (lugar quentinho ou gelado com vento?) ela assinou, em julho, em pleno inverno, a volta de dezenas de pessoas para as ruas?

Na zona norte da cidade, a empresa alemã Fraport, dona de diversos aeroportos pelo mundo, ameaça de remoção os moradores da Vila Nazaré, incluindo pessoas que vivem naquele local há mais de 40 anos. A multinacional tem até 2021 para ampliar a pista do aeroporto, o que possibilitará o acesso de maiores aviões cargueiros. O que o agronegócio tem a ver com isso? No plano de trabalho da Fraport, os moradores da Nazaré tem de ser removidos até dezembro de 2018. Isso mesmo, pessoas que se criaram na Nazaré e hoje criam seus netos embaixos de árvores que plantaram tem alguns meses para mudar completamente de vida. Sem direito à escolha. A falta de esculta e atropelo no processo é justificado pelos advogados da Fraport como “necessidade de cumprir os prazos da obra”. É possível acompanhar bem este caso através da série “Nazaré Unida na Luta”, vídeos do Coletivo Catarse e do Amigos DaTerra Brasil.

No bairro Cidade Baixa, em junho são retirados os tapumes do prédio de esquina da Av. Loureiro da Silva com a Rua Lima e Silva. À primeira vista pensei ser uma galeria de arte ou uma agência de publicidade. Li depois como um prédio para startup, com apartamentos sendo coworkings. Agora pesquisei no Google, cai no site da Imobiliária Foxter que vende apartamentos com 1 dormitório no local. As pinturas coloridas, réplicas de grafites, na lateral do prédio e as plantas suspensas da entrada são algumas das atualizações, neste projeto, da especulação imobiliária. No entorno, restaurantes hipsters são inaugurados a cada quadra, muitos em casarões antigos do Centro Histórico. Um deles, o Porkaria, expõe costelas de porcos assadas em uma vitrine. Para além de afetar os veganos, vejo como uma violência a quem passa fome pelas ruas.

Enquanto isso, o serviço de abordagem social de rua sofre cortes na cidade, o que já resulta em demissão de técnicos e educadores. Faces do sucateamento da Assistência Social de Porto Alegre. Este setor é responsável pelo atendimento de adultos, adolescentes e crianças em situação de rua, de mendicância e de trabalho infantil. E são justamente estas pessoas as mais afetadas pelo sucateamento. O prefeito Marchezan já anunciou sua intenção de por fim à Fundação de Assistência Social e Cidadania, juntamente com a empresa de transporte público, Carris, e ainda propôs a terceirização da Procempa. Além disso, pressiona serviços para que toquem os processos de higienização das ruas da cidade. Marchezan lançou em março de 2018 o Plano de Superação da Situação de Rua, que tem como foco a retirada das pessoas das ruas.

Ao invés de garantir serviços de retaguarda a quem está em situação de vulnerabilidade, quer a todo custo dar seguimento a um processo de higienização e tirar estas as pessoas das ruas, principalmente das centrais. De quem são as ruas? Para onde vão ser levadas estas pessoas? Marchezan é daqueles que pensa que da onde já se viu uma Orla tão bonita, agora com os cuidados de uma multinacional, com pessoas em situação de rua pela volta. Com pessoas em situação de mendicância incomodando os jovens empreendedores das novas startups da Cidade Baixa, bairro boêmio de Porto Alegre. Do novo empreendimento do Zaffari na rua Lima e Silva, construído pela Maiojama, ligada à RBS, ter pessoas pedindo comida na calçada em frente? E muita gente vai ler isso e vai concordar.

O que te faz pensar que uma pessoa tem mais direito que a outra de ocupar algum espaço, de circular por tal rua, de viver tranquilo? Somos diferentes, sim, e acredito essa ser uma perspectiva importante. No entanto não deveríamos ter distinções nos direitos garantidos na Constituição. A moradia, a educação, a saúde, o direito de ir e vir não são garantidos para algumas pessoas desde que são crianças. Por que políticos e empresários, o Estado, com o auxílio das polícias, age para garantir somente o direitos de alguns?

Quantos pontos mais dá para ligar?

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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