Opinião
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2 de julho de 2018
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13:14

Nostalgia política e futebol (por Carlos Roberto Winckler)

Por
Sul 21
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Brasil x Suíça pelo primeiro jogo da Copa do Mundo 2018. Lucas Figueiredo/CBF

Carlos Roberto Winckler (*)

Fantasmas invadem os comentários antes e após jogos da Copa. Suscitam paixões, debates acalorados. A mídia, leia- se a Globo e suas repetidoras , mal esconde o espírito quase racista de fascínio provinciano pelo futebol europeu. Com condescendência admitem valores excepcionais na periferia atrasada , mal organizada, corrupta. Simplesmente repetem chavões elitistas sem considerar processos mais profundos que limitam o desenvolvimento, mesmo.porque são cúmplices.

Quanto à esquerda, em seus diferentes matizes, ressuscitam fantasmas a cada etapa da Copa. Nesse fim de semana deu-se a torcida a favor da Rússia e da Croácia, além de sobrarem ataques ao colonialismo espanhol e ao eurocentrismo. A  União Soviética stalinista e a resistência frente ao nazismo,  os partisans comunistas da Iugoslávia críticos do stalinismo  trouxeram à memória processos que liberais conservadores golpistas  gostariam se estivessem em definitivo enterrados para a eterna glória da viralatice.  Tolice, excesso de ideologia? Incômodo para aqueles que apreciam o futebol como lazer ou talvez um mero componente lúdico da espécie humana, ainda que reconheçam a mercantilização?

Que seja. Mas deveríamos nos perguntar o porquê da persistência desses fantasmas apesar dos escombros históricos  e das derrotas. Retomar fatos do passado é buscar nesse passado, nessas ruínas o sinal de que o mundo vivido pode ser outro. Não se trata de pura nostalgia por esse passado. Os materiais utilizados são indício do desejo de que a autonomia territorial, a soberania popular, o respeito à cultura, a liberdade, a justiça social permanecem como valores indestrutíveis face barbárie vivida no país e que tende a tornar o cotidiano insuportável. Tentam tudo sequestrar. As cores da seleção foram sequestradas, a alegria foi sequestrada, o entusiasmo é morno.

Reconstruamos o futuro a partir das ruínas abandonadas , dos sonhos um dia desfeitos. O futebol em si não decide. Talvez seja apenas um aspecto de nossa condição como homo ludens. ou algo que discipline impulsos destrutivos. Aqueles que genuinamente torcem certamente se inclinam a uma visão existencialista. Mas torceríamos se tivéssemos no uniforme algo similar à  insígnia nazista da seleção alemã de 1938?

Não chegamos a esse extremo . Chegaremos? Por isso o resgate das ruínas.

(*) Sociólogo, professor de Sociologia e pesquisador  aposentado da FEE ([email protected]).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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