Carlos Roberto Winckler (*)
Fantasmas invadem os comentários antes e após jogos da Copa. Suscitam paixões, debates acalorados. A mídia, leia- se a Globo e suas repetidoras , mal esconde o espírito quase racista de fascínio provinciano pelo futebol europeu. Com condescendência admitem valores excepcionais na periferia atrasada , mal organizada, corrupta. Simplesmente repetem chavões elitistas sem considerar processos mais profundos que limitam o desenvolvimento, mesmo.porque são cúmplices.
Quanto à esquerda, em seus diferentes matizes, ressuscitam fantasmas a cada etapa da Copa. Nesse fim de semana deu-se a torcida a favor da Rússia e da Croácia, além de sobrarem ataques ao colonialismo espanhol e ao eurocentrismo. A União Soviética stalinista e a resistência frente ao nazismo, os partisans comunistas da Iugoslávia críticos do stalinismo trouxeram à memória processos que liberais conservadores golpistas gostariam se estivessem em definitivo enterrados para a eterna glória da viralatice. Tolice, excesso de ideologia? Incômodo para aqueles que apreciam o futebol como lazer ou talvez um mero componente lúdico da espécie humana, ainda que reconheçam a mercantilização?
Que seja. Mas deveríamos nos perguntar o porquê da persistência desses fantasmas apesar dos escombros históricos e das derrotas. Retomar fatos do passado é buscar nesse passado, nessas ruínas o sinal de que o mundo vivido pode ser outro. Não se trata de pura nostalgia por esse passado. Os materiais utilizados são indício do desejo de que a autonomia territorial, a soberania popular, o respeito à cultura, a liberdade, a justiça social permanecem como valores indestrutíveis face barbárie vivida no país e que tende a tornar o cotidiano insuportável. Tentam tudo sequestrar. As cores da seleção foram sequestradas, a alegria foi sequestrada, o entusiasmo é morno.
Reconstruamos o futuro a partir das ruínas abandonadas , dos sonhos um dia desfeitos. O futebol em si não decide. Talvez seja apenas um aspecto de nossa condição como homo ludens. ou algo que discipline impulsos destrutivos. Aqueles que genuinamente torcem certamente se inclinam a uma visão existencialista. Mas torceríamos se tivéssemos no uniforme algo similar à insígnia nazista da seleção alemã de 1938?
Não chegamos a esse extremo . Chegaremos? Por isso o resgate das ruínas.
(*) Sociólogo, professor de Sociologia e pesquisador aposentado da FEE ([email protected]).
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