Opinião
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15 de julho de 2018
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23:13

A esquerda e as eleições presidenciais: divididos venceremos? (por Erick Kayser)

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Sul 21
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A esquerda e as eleições presidenciais: divididos venceremos? (por Erick Kayser)
A esquerda e as eleições presidenciais: divididos venceremos? (por Erick Kayser)
Guilherme Boulos, Manuela D’Ávila e Lula, durante manifestação em Curitiba | Foto: Ricardo Stuckert

Erick Kayser (*)

Sim, dividida a esquerda poderá vencer as eleições. Pode parecer ilógico ou contra-intuitivo afirmar isso em uma conjuntura de tantos reveses para a esquerda brasileira e tendo como adversária uma direita que buscará utilizar todos os meios possíveis para continuar com o controle do Palácio do Planalto. Se o velho jargão “unidos venceremos” parece ser o caminho mais seguro para buscar viabilizar a vitória de uma candidatura presidencial da esquerda ou de centro-esquerda, esta talvez não seja a melhor ou mais viável estratégia para as eleições deste ano.

Eleições, diferentemente do alguns dizem, não são uma “caixinha de surpresas”. Com regras conhecidas e tendências históricas mais ou menos estáveis no comportamento do eleitorado, ainda que eventuais fatos extraordinários possam influir decisivamente, reviravoltas de cenário são pouco prováveis. Faltando pouco mais de dois meses para as eleições, todas as pesquisas apontam que será uma disputa polarizada, com os dois polos já sedimentados, ocupando mais de dois terços do eleitorado: de um lado, a esquerda liderando as pesquisas com o lulismo, e de outro a extrema-direita, seguida de longe pelas candidaturas ligadas ao governo.

Esta polarização tende a se acentuar e talvez mesmo se acirrar, o que parece sepultar apostas em uma diluição das preferências eleitorais, abrindo, por exemplo, chance de haver duas candidaturas de direita no segundo turno. A direita, permeada por contradições e conflitos internos, estará com uma das vagas e a outra será da esquerda, com Lula ou sua candidatura apoiada. Esta probabilidade não significa vitória assegurada da esquerda e independente do resultado das eleições em outubro, não resta dúvida que um novo ciclo está abrindo-se para a esquerda no país.

Pensando sobre o futuro da esquerda brasileira após o golpe, uma ponderação a ser lembrada é que o “momento” eleitoral, ainda que de indiscutível importância, é apenas um episódio de uma jornada maior, cujos desafios não dependem exclusivamente do resultado das urnas. Assim, de uma perspectiva mais ampla, a unidade das esquerdas ganhou dramática e vital importância frente ao conjunto de retrocessos capitaneados pelo governo Temer. De 2016 para cá, inúmeros esforços neste sentido foram constituídos, alguns com maior êxito, como na Greve Geral de 2017, mas ainda encontrando dificuldades e desafios consideráveis em outras frentes e lutas.

A pluralidade da esquerda, diferentemente da direita, não se assenta quase que apenas em interesses particulares e vaidades, mas se expressa em diferenças fundamentais na leitura da conjuntura e de como orientam suas ações a partir desta leitura. Para exemplificarmos apenas em grandes questões políticas recentes, as dicotomias vão desde se houve um golpe ou um impeachment em 2016; a posição sobre a Lava Jato (crítica ou adesista), a opinião sobre a prisão de Lula e até mesmo o governo Temer.

Mesmo sendo o governo com a pior avaliação da história brasileira e que poderia se imaginar como ponto pacífico a oposição a Temer, existem diferenças substâncias na esquerda sobre o caráter deste governo e como enfrentá-lo. Diferenças que posicionam, num extremo, aqueles que sequer reconhecem a legitimidade do governo, adotando uma postura de oposição total e, no outro extremo, grupos que chegaram a compor o governo ou adotam posição de “independência”, e em meio a estes extremos, toda a miríade de posições políticas. Assim, falar em uma unidade plena de toda a esquerda soa irreal ou mesmo artificial.

Se a esquerda deverá marchar dividida, a direita igualmente estará cindida. A ampla unidade constituída para depor a presidenta Dilma Rousseff, envolvendo a totalidade dos partidos da direita, a grande mídia, boa parte do grande empresariado e do judiciário, já não existe da mesma forma. As divisões internas fragmentaram, em boa medida, a efêmera aliança que alçou Temer à presidência. Interesses corporativos conflitantes, além de nuances políticas divergentes, sedimentaram esta desunião. O único elemento político que ainda unifica-os é a defesa da continuidade das políticas neoliberais, variando apenas quanto a gradação e radicalidade com que estas políticas devam ser implementadas.

Esta divisão da direita fica explicitada no atual quadro das candidaturas presidenciais. Tendo o extremista Jair Bolsonaro como colocado nas pesquisas, a direita encontra profundas dificuldades para conseguir se posicionar junto a população. Alckmin, do PSDB, estacionou nas pesquisas, não conseguindo ultrapassar um dígito e os demais nomes lançados, aparentemente, deverão ser meros figurantes. Mantendo-se este cenário, é menos improvável que o establishment acabe optando por abraçar uma saída extremista e pragmática, em nome do “mal menor” que no caso, para eles, seria uma vitória da esquerda. Em um cenário de polarização, ainda que guarde riscos consideráveis, este não seria o pior dos mundos. Um embate de segundo turno entre a candidatura da esquerda e Bolsonaro poderia ser melhor que contra o PSDB, por exemplo, pois o candidato proto-fascista possui um teto eleitoral que dificilmente superará.

O fraco desempenho da direita nas pesquisas não se dá apenas por sua divisão eleitoral, talvez mais decisivo aí seja a ampla rejeição da população ao governo Temer e suas políticas. Esta fragmentação da direita e a queda de sua aceitação popular ampliam as possibilidades da esquerda crescer eleitoralmente, aqui trabalhando com o pressuposto que as eleições ocorrerão com algum nível de normalidade e sem “viradas de mesa”. Nesta conjuntura de crise prolongada no Brasil, tendo um de seus subprodutos o aumento do descrédito com a política, com um universo de quase 40% do eleitorado afirmando nas pesquisas não ter candidato ou não pretender votar em ninguém, ainda que coloquem alguma margem de imprevisibilidade no resultado, dificilmente reverterá significativamente o quadro apontado nas pesquisas em um tempo tão curto.

Demonstrando sua força eleitoral, todas as pesquisas apontam para o favoritismo do ex-presidente Lula nesta disputa, mesmo com uma campanha pública sistemática nos últimos anos para destruir sua imagem. Até a sua prisão, que arrasaria com qualquer outro nome da política, acabou desencadeando o inverso, com as pesquisas indicando um aumento na aprovação e da percepção que Lula seria vítima de uma perseguição judicial. Seu nome teria a legitimidade e a força para almejar uma unidade mais ampla da esquerda. No entanto, a condição do cárcere coloca o impasse da real viabilidade de sua candidatura.

As incertezas que rondam o futuro da candidatura Lula, estimularam o surgimento de outras candidaturas da esquerda. O que poderia ser entendido como um erro estratégico da esquerda, poderá, pelo contrário, ser um importante passo para sua reorganização e retomada de protagonismo social. Como já afirmamos no início deste artigo, a divisão da esquerda, em termos de candidaturas, mais do uma contingência da conjuntura, pode ser algo necessário e desejável para colocar a disputa política em um patamar favorável para as forças populares. Com táticas e estratégias distintas, caso mantenha-se um respeito mútuo e unidade nas questões fundamentais, as candidaturas da esquerda que estão colocadas poderão cumprir funções complementares. Uma breve e sumária análise das principais candidaturas da esquerda podem tornar mais nítido este argumento, assim como seus limites e desafios.

A candidatura de Marina Silva, da Rede, ainda que num exercício comparativo com as outras quase duas dezenas de pré-candidaturas, pudesse ser apontada como de centro-esquerda, no entanto, a própria candidata rejeita este rótulo, assim, em respeito às posições da Marina, a excluímos desta análise.

Ciro Gomes, do PDT, inegavelmente se apresenta como um candidato de oposição e com proposta antineoliberais. A candidatura demonstra bom desempenho nas pesquisas, com potencial de crescimento. Na formatação do caráter de sua candidatura junto ao eleitorado, Ciro tem feito movimentos pendulares, tanto para a esquerda quanto para a direita, quando, por exemplo, oferece aliança com o PSB de um lado, e noutro acena para o DEM. Sua estratégia sugere que almeja constituir um “centro nacionalista”, que encontra alguma adesão, mas ainda sim uma aposta arriscada, pois seu maior problema é que no espectro político à direita, a defesa dos interesses nacionais encontra atualmente pouca audiência.

Manuela D’Avila, do PCdoB, traz o trunfo do ineditismo de uma candidatura de seu partido para as eleições presidenciais. Caso acerte a linha de campanha, que definisse abertamente como de esquerda e parece apostar em uma candidatura de perfil feminista. Mantendo esta nitidez política, poderá cumprir um papel importante para qualificar os debates eleitorais e tendo, por efeito, o fortalecimento de seu partido junto a setores mais amplos da sociedade, derrubando velhos preconceitos anticomunistas revigorados recentemente.

Guilherme Boulos, do PSOL, traz consigo a força de liderar um dos principais movimentos sociais urbanos da atualidade, o MTST, e coloca-se abertamente como uma candidatura com maior radicalidade política pela esquerda. As posições de Boulos, desde a primeira hora posicionando-se contra o golpe, contra prisão de Lula e em defesa da democracia, permitiram uma aproximação maior de sua candidatura e do PSOL com a base petista. Sua prioridade junto aos movimentos sociais poderá ser um fator importante para oxigenar relações na base dos movimentos e renovar o próprio PSOL, que ainda carece de um caráter classista e popular mais significativo.

Por fim, teremos a candidatura do PT. O partido reafirma o nome de Lula e deverá inscrevê-lo como candidato, mesmo havendo fortes indícios que o aparato judicial barrará a candidatura. Neste contexto, manter a candidatura Lula é um ato de desobediência civil, que afirma uma postura combativa contra o estado de exceção formado. Esta posição de enfrentamento materializa importante mudança no PT, ainda que condicionada muito mais por fatores externos ao partido, do que por uma autorreforma. Se durante os governos Lula e Dilma, o PT foi paulatinamente migrando para o centro, após o golpe, o partido foi empurrado para uma posição mais à esquerda. Ainda que muitos, interna e externamente, cobrassem autocrítica e revisão de suas práticas, o PT neste último período mudou e recupera parte de sua identidade de esquerda.

Na hipótese da candidatura Lula ser impedida pela justiça, o PT deverá indicar um candidato que o substituirá, herdando boa parte dos votos lulistas. Uma candidatura petista substituta a de Lula, mesmo que com nome ainda não posto, já nascerá com potencial para figurar de forma competitiva no segundo turno, pela transferência de votos de Lula para este escolhido. Caso o PT não apresente nome, esta transferência poderá não ocorrer com a mesma facilidade para outro partido, fortalecendo as chances eleitorais da direita.

Assim, o PT tem o dever de lançar uma candidatura própria, abdicar de disputar as eleições colocariam em xeque sua própria razão de existir. Além do peso de Lula, o maior cabo eleitoral do país, o PT, mesmo após a sucessão de derrotas que sofreu, segue largamente como o maior e mais estruturado partido da esquerda brasileira, muito superior a qualquer outra legenda. Um ocaso do PT não necessariamente beneficiaria outras legendas de esquerda, podendo causar graves consequências para a própria democracia brasileira.

Com uma eleição que será marcada pela instabilidade e polarização, com algum nível de fragmentação social, talvez, mais importante que a esquerda apresentar unidade eleitoral, seja apresentar unidade política nas questões fundamentais, como a defesa da democracia e dos direitos sociais. Na verdade, justamente por esta porosidade social na população, o melhor é a esquerda se apresentar em toda a sua pluralidade no primeiro turno, fortalecendo seus partidos, ampliando sua penetração social, acumulando forças (candidaturas majoritárias tendem a potencializar nominatas no legislativo) e construindo, de forma sólida, um compromisso de apoio mútuo no segundo turno. Assim, uma vitória eleitoral da esquerda, mesmo dividida, não parece algo impossível, mas possibilidade real.

(*) Historiador

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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