Opinião
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26 de julho de 2018
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10:45

A crescente onda eleitoral de despersonalização da política (por Mandato Coletivo do Distrito Federal)

Por
Sul 21
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A crescente onda eleitoral de despersonalização da política (por Mandato Coletivo do Distrito Federal)
A crescente onda eleitoral de despersonalização da política (por Mandato Coletivo do Distrito Federal)
Da esquerda para a direita: Airy Gavião, Eduardo Borges, Nádia Nádila e Thiago Ávila (Divulgação)

Mandato Coletivo do Distrito Federal (*)

Candidaturas compartilhadas transformam a passividade do eleitor em ação antes, durante e depois das eleições.

 O crescimento da direita fascista, dura e armada, as alianças espúrias do centrão para que as eleições salvem cabeças e a dificuldade de a esquerda alçar voos que não dependam de um único candidato transformam as eleições de 2018 numa incógnita para cientistas políticos. Se algo está dado, é que não é possível enxergar um palmo à frente do nariz na construção de cenários, qualquer hipótese vislumbrada hoje é facilmente desmontada na semana seguinte.

No entanto, chama atenção a posição que permanece constante pesquisa após pesquisa: o número de eleitores brancos, nulos e indecisos nunca esteve tão alto por tanto tempo. Esse fator inflexível tem despertado teorias de profissionais que trabalham com política e eleições, cientistas políticos explicam que o fenômeno está ligado à insatisfação popular com a política brasileira, cujas bases (falta de inovação do sistema, estagnação de conceitos, privilégios duradouros, corporativismo exacerbado, apelo financeiro e não popular) datam de dois séculos passados. Há anos fala-se na necessidade de renovação da política, não é possível pensar que a população seria inerte para sempre; no entanto, o movimento de despertar foi rápido demais e praticamente nenhum partido estava preparado para recebe-lo.

Nesse caminho de terra rasa da política brasileira, temos observado nascer experiências que tentam furar o cerco da velha política. Uma delas se sustenta como terceira via e se alimenta da indignação popular e da constatação de que o povo é quem deve assumir a política. Várias experiências de mandatos coletivos surgem em 2018 como a grande inovação do sistema eleitoral.

O Mandato Coletivo constitui uma “terceira via”, que rejeita a centralização e transforma o eleitor em sujeito político após a vitória nas urnas. De um lado, a experiência exige o compromisso do cidadão, que passa a decidir com a figura de co-candidatos sobre o que deve ser feito e, de outro lado, evita a concentração de poder, um dos principais motivos para o desinteresse que pode eventualmente afastar o eleitor da vida política depois das eleições. À primeira vista, a candidatura coletiva representa uma “despersonalização da política”, visto que as decisões não compõem um perfil acabado do candidato. No entanto, a emancipação do eleitor como sujeito político constitui a expressão da transferência de poder, pois a candidatura compartilhada elimina a hierarquia.

Os estados de Goiás e Minas Gerais foram os primeiros a produzir experiências coletivas eleitas, mas outros prometem ocupar o parlamento em 2018. Como não são reconhecidos oficialmente pelo sistema eleitoral ou regulamentados em leis, cada agrupamento possui características próprias da “porta do parlamento” para fora. Para dentro do sistema eleitoral só é possível um nome e uma foto na urna.

No Distrito Federal uma experiência coletiva está sendo construída num modelo de candidatura compartilhada entre 4 (quatro) pessoas, advindas de lutas que já acontecem e respondem ao anseio de grupos sociais politicamente sub-representados – indígenas, mulheres negras e sem-teto. A renovação política é o objetivo principal do Mandato Coletivo, que postula uma vaga a representante distrital no DF. Ao propor a emancipação de diferentes grupos sociais em uma candidatura compartilhada, o movimento flagra a baixa credibilidade do sistema político atual para atender às demandas da sociedade como um todo. O Mandato Coletivo do DF é composto pelos co-candidatos Airy Gavião, líder indígena escolhida pelo Conselho Indígena do DF, a advogada Nádia Nádila, do movimento de mulheres negras, Eduardo Borges, representante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e o socioambientalista Thiago Ávila, filiado ao PSOL que emprestará os dados para constarem da cédula eleitoral

O empréstimo dos dados por um dos membros do coletivo é requisito do sistema eleitoral brasileiro, que registra apenas a candidatura individual. Porém, se eleito, o candidato não exerce o mandato sozinho. As decisões são construídas pelos co-candidatos em assembleias e em votações internas, em fluxo contínuo de orientação tanto para as demandas populares quanto para as pautas da Câmara Legislativa que necessitem do posicionamento do grupo.

A ideia é que o Mandato Coletivo amplie a participação da sociedade nas decisões políticas, trazendo para a esfera pública a cultura colaborativa praticada em diversos campos profissionais e econômicos. Dessa forma, o conceito de representatividade política é redimensionado, porque as pautas atendidas se multiplicam e a participação da comunidade na tomada de decisões está integrada ao próprio mandato dos co-candidatos.

A consequência direta desse processo é o fim da impressão comum sobre o parlamentar com um salário alto e muitos privilégios que estão em franca oposição com os interesses do eleitorado. “A pergunta é: por que não? Por que não ocupar a mesma cadeira com todos representando os interesses do povo? Queremos mostrar que é possível um deputado ganhar um salário justo e atender à demanda colocada pela população”, declara Eduardo Borges, um dos co-candidatos do Mandato Coletivo.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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