Opinião
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13 de junho de 2018
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10:52

Somente a arte pode nos salvar (por Roger Flores Ceccon)

Por
Sul 21
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“Como operar nossas vidas diante do caos? Como ressuscitaremos desta morte social? (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Roger Flores Ceccon (*)

Como que perdidos em um fosso escuro, atualmente andamos combalidos pelas ruas a procurar sentidos nos atos que insistimos em efetuar no cotidiano da vida. Indivíduos que somos e sociedade que formamos, encontramo-nos entristecidos, odiosos, atônitos, enraivecidos, polarizados, amedrontados, apavorados e desproduzidos. Estamos em pânico, sucumbidos por forças negativas que capturaram nossa vitalidade de produzir vida. Não há sorrisos e o que resta são semblantes de como se estivéssemos diante da morte. Andamos por aí como ao acaso, sem rumo, semelhantes aos personagens de Kafka. No mundo kafkaniano, os personagens não sabem que rumo tomar, não sabem os objetivos da vida, questionam a existência e acabam sós, diante de situações que não planejaram, pois todos os acontecimentos se viraram contra eles, não lhes oferecendo oportunidades e possibilidades de saída. É em um contexto semelhante que nos encontramos.

Quem dera fôssemos, nós, personagens frutos da imaginação literária, presos em páginas de papel, embora creia que nem Kafka conseguiria produzir uma narrativa tão perversa como a que vivemos hoje, na vida real, que nos levou a um “estado de falência social”. E tudo isso não é algo natural, cíclico, casual. Não é fruto do acaso. Tem nome e sobrenome. Tem CPF e RG. É resultado, pois, do golpe político-midiático instalado no Brasil em 2016, que iniciou com a deposição da presidenta Dilma e segue em curso através de um desemprego galopante, da retirada de direitos trabalhistas, do congelamento nos gastos com saúde e educação, dos cortes no Sistema Único de Saúde, do fim de programas sociais, do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida, do Luz para Todos, do Farmácia Popular, do Ciência Sem Fronteiras, da falta de investimento em ensino e pesquisa, no estrangulamento cultural, na entrega do pré-sal aos Estados Unidos, no aumento de pessoas em situação de rua e da mortalidade infantil, na pobreza e na fome, na ameaça constante da ditadura militar, nos discursos de ódio, na prisão de Lula e por aí vai. Tudo em apenas dois anos.

E como operar nossas vidas diante do caos? Como produzir sentido? Como ressuscitaremos desta morte social? Onde há poder que nos captura, como bem observou Foucault, há resistência, e é aí que podemos enxergar vida. Precisamos formar redes, vivas, informais. Redes de cuidado social, de pessoas produzentes. Produção, neste momento, de solidariedade, compaixão, apreço, empatia e compreensão. Sentidos que não se fundem no/do capitalismo. Valores que se produzem na condição de valorização da vida, no bem estar social, na relação com o outro, no contato com aquele que também sofre. Redes de gentes vivas.

Outra saída é a arte – sempre ela – que surge das entranhas para nos desembaralhar as vistas, nos produzir potência, nos movimentar. A arte nos faz pensar novas possibilidades, nos faz crer no impossível, nas infinitas maneiras de enxergar o mundo. Desacomoda-nos do estado letárgico que nos encontramos, do transe sonífero que nos toma cada vez que nos defrontamos com a realidade cruel do fosso sem fundo que estamos. A arte, esta sim, é a saída. Arte de todos os tipos, de todas das formas. Da marginal à clássica. Da suja à estéril. Todas: a poesia, a literatura, a música, o cinema, a charge, o grafite, o desenho, o teatro, a pintura, a fotografia, a dança, a conversa, o diálogo, a roda, a confecção. Toda arte em que seja possível mobilizar, tocar, gerar, mover e ressignificar. Regenerar!

Neste momento, em que já ultrapassamos o adoecimento e adentramos em estado de falência social, só as redes e as artes podem nos salvar, podem produzir afeto. Afeto é revolucionário. A arte é política!

(*) Doutorando em Saúde Coletiva (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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