Opinião
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18 de junho de 2018
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18:51

Reflexões sobre o Futebol e a Copa do Mundo (por Bruno Erbe Constante)

Por
Sul 21
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Brasil x Suíça pelo primeiro jogo da Copa do Mundo 2018. Lucas Figueiredo/CBF

Bruno Erbe Constante (*)

No dia 14 de junho de 2018 iniciou-se mais uma Copa do Mundo. Junto a ela, diversos sentimentos afloram-se de maneira patente: indiferença, paixão, ódio, nervosismo. Ademais, desde o ano de 2013, pelo menos, a partir da jornada de junho, é comum o discurso “enquanto te exploram tu gritas gol”, “pão e circo”, “futebol aliena”, “o futebol é o ópio do povo” e diversos outros jargões que grande parte do senso comum – e pessoas com muito acesso a estudos – reproduzem. A questão que fica é: será que isso é verdade? Acredito que não dê para generalizar.

A Copa do Mundo é um evento de longa data e muita tradição. Sua primeira edição foi em 1930 no Uruguai, sendo o próprio país sede campeão daquele que tornar-se-ia o maior evento esportivo de todos os tempos. Àquela época, ninguém imaginaria que este evento surgido como forma de protesto, visto que o comitê dos jogos olímpicos de 1932 não incluiria o futebol na competição, seria um dos acontecimentos mais esperados por todas e todos que são amantes deste esporte. De lá para cá, foram organizadas 20 Copas do Mundo (vinte uma com a deste ano) em diferentes locais do planeta: África, América do Sul e do Norte, Ásia e Europa.

A evidência de que o futebol não é alienante, torna-se mais perceptível ao analisarmos alguns jogadores e admiradores do esporte que, através deste esporte, manifestaram e seguem manifestando suas críticas à sociedade. A Liga dos Canelas Pretas [1], por exemplo, foi torneio esportivo que surge em tempos idos de 1900 como resposta à segregação racial, sendo, pois, um belo exemplo de que o futebol também é politizado. Não está convencido? Citemos mais alguns exemplos. A Seleção Brasileira de 1978 a 1986 contou com a liderança de Sócrates: uma lenda no futebol nacional e também no futebol mundial. Dentro de campo, foi um gênio, entretanto, fora das quatro linhas, também. Participou do movimento de Diretas Já, além de fazer parte da intitulada “Democracia Corinthiana” [2] que deixou o futebol mais democrático: jogadores passaram a poder expressar-se em público, ademais todos dentro do clube tiveram direito a voto.

Além disso, como esquecer que durante a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990), no Chile, a seleção soviética recusou-se a jogar a eliminatória para a Copa de 1974 [3], que seria disputada na Alemanha, sendo isto uma manifestação de repúdio ao que vinha acontecendo em território chileno. Ou, no caso brasileiro, em plena ditadura civil-militar (1964-1985) onde uma parte da torcida do Grêmio organizou-se contra a homofobia presente nos estádios [4]. Ou em eventos mais recentes, como por exemplo, o Cristiano Ronaldo dedicando a Eurocopa de 2016 aos refugiados [5], ou as críticas à mídia golpista, ao visitante do palácio do planalto desde 31 de agosto de 2016 e ao Estado de exceção que estamos vivendo [6], ou a organização de torcedores nas chamadas “antifascistas” [7], ou, um último exemplo dentre tantos outros, as mulheres (Renata Silveira, Manuela Avena e Isabelly Morais), que contrariando o machismo imposto pelo próprio futebol e pela sociedade, irão narrar a Copa do Mundo [8]. Todos são fatos que demonstram que o futebol também é um espaço de disputas políticas e, consequentemente, de pessoas politizadas.

Portanto, como pode ser externado em alguns exemplos, o futebol não é “alienação”, mas sim resistência, espaço de manifestações, onde questões que permeiam a sociedade são postas em pauta, ou seja: faz-se política nos estádios e dentro das quatro linhas! Então não seja um “chato de galochas” ao criticar a galera que vai assistir à copa com entusiasmo (e eu me incluo nisto), pois o futebol envolve relações sociais que também são políticas, sendo estas ligadas diretamente no ínfimo e ao complexo da vida  da população. Através do futebol, indivíduos reconhecem-se, externam seus variados sentimentos, socializam-se, seja dentro de uma casa ou em um bar. Não (n) os rotule como “alienados”, ao invés disso, aprecie com deleite este espetáculo que ocorre de quatro em quatro anos e torça conosco pelo hexa.

(*) Graduando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Referências:
[1] A Incontornável Liga dos Canelas Pretas

[2] O que foi a democracia Corinthiana? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-whCjfbtDJk

[3] Boicote da URSS fez Chile jogar eliminatória da Copa sem adversário

[4] Em plena ditadura, a torcida Coligay mostrava a cara contra o preconceito

[5] Cristiano Ronaldo dedica o título europeu a todos os imigrantes

[6] Torcida do Santa Cruz mostra faixa contra Globo em estádio na final do Nordestão

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[7] A ascensão das torcidas antifascistas no futebol brasileiro

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[8] FOX inova e recruta três mulheres para narrar a Copa do Mundo

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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