Opinião
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24 de junho de 2018
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21:19

“Parem de nos matar”: sobre dor e necropolítica no Brasil (por Suelen Aires Gonçalves)

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Sul 21
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“Parem de nos matar”: sobre dor e necropolítica no Brasil (por Suelen Aires Gonçalves)
“Parem de nos matar”: sobre dor e necropolítica no Brasil (por Suelen Aires Gonçalves)
Marcus Vinicius da Silva foi baleado durante operação da Polícia Civil no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. (Foto: Agência Brasil)

Suelen Aires Gonçalves (*)  

No governo golpista de Michel Temer, em fevereiro do corrente ano tivemos, via medida provisória Nº 821, publicada no Diário Oficial da União no dia 27 de fevereiro de 2018 a criação do Ministério da Segurança Pública. A nova pasta tinha por objetivo, a integração das ações governamentais na área do combate à violência. Um dos pontos sensíveis neste momento histórico é a Intervenção Militar no RJ, determinada via decreto em 16 de fevereiro. O que tais medidas tem em comum? A política de produção de “segurança”, além, de promoção da popularidade do Presidente Golpista em avançar em uma pauta sensível para a população. Sobre tais aspectos, não obtiverem avanço. Temer amarga taxas baixíssimas de popularidade “entre aqueles que ocuparam a Presidência da República do período pós-redemocratização em nosso país, para fins de registro histórico.

Neste momento da escrita, gostaria de dar atenção a intervenção no RJ, sua militarização e seu uso como laboratório de intervenção com possibilidades reais de se “espraiar” pelo país como diria Olívio Dutra. A intervenção foi decretada logo após o carnaval, em tese, tem seu término no final do ano. Tem em seu comando, o general Walter Braga Netto. Ou seja, outro momento de reflexão, militares com tarefas na segurança pública? Com qual organização, planejamento e recurso essas ações estão sendo construídas? A formula é antiga e as respostas também. Vamos combater a violência, os grupos criminosos. Mas com qual inteligência, com qual estratégia?

Neste processo de intervenção militar do RJ, a militarização da vida cotidiana, fez inúmeras vítimas. Nesta triste estatística, tivemos em março, a morte da vereadora Mariele Franco e Anderson Gomes. Em abril, encontra-se os casos dos cinco jovens assassinados em Maricá, em um residencial do programa “Minha casa, minha vida” e uma ação de retaliação na Rocinha, com a morte de oito pessoas por conta de uma morte de um PM da UPP da citada favela.

Nossa dor só aumenta e nestes últimos dias a dor torna-se insuportável. O caso do menino Marcus Vinícius, de 14 anos, que foi morto no complexo da Maré no Rio de Janeiro, com um tiro de fuzil, na quarta-feira (20) é a síntese de um estado genocida contra a população pobre e negra neste país. Confesso que este último assassinato tirou meus pés do chão e inúmeros sentimentos foram aflorando após a triste notícia- raiva, impotência, desespero e dor. Marcus, uma criança negra, estava a caminho da sua escola e teve sua vida ceifada por um aparato estatal preparado para matar.

Como diria Achille Mbembe, com sua obra “Necropolítica”, que nos apresenta o conceito, título da obra, que seria a produção da morte, segundo o autor uma ação política centralizada na produção da morte em larga escala. (MBEMBE, 2006). Ou seja, é o poder do Estado traduzido no fazer morrer, eis a síntese da produção de morte no Brasil na contemporaneidade. Não é por acaso, que nosso país amarga 62.517 homicídios em 2016, conforme nos apresenta os dados do Atlas da Violência. Sendo a juventude, 33.590 dos casos da pesquisa realizada. O peso da desigualdade racial histórica neste país é refletida nesta e tantas outras pesquisas acadêmicas, estatísticas e notícias. O Brasil é, acima de tudo, uma forma de violência contra eu próprio povo. Nossas vítimas tem cor, tem idade e são filhos e filhas da classe trabalhadora. O menino Marcus foi morto quarta, Marielle foi morta há 100 dias e isso nos mata fisicamente, psicologicamente e politicamente, como diria Mbembe.

O modelo implementado baseado na lógica do confronto, do inimigo interno e da “Guerra as drogas” está fadado ao fracasso. Ele se traduz em operações com altos custos nas periferias, produção do medo e sensação de (in)segurança para a população e produção de morte. Não tenho outras palavras, urgência de vida do que: parem de nos matar.

(*) Socióloga

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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