Opinião
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7 de junho de 2018
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12:22

O sacrifício da rainha (por Jorge Barcellos)

Por
Sul 21
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O sacrifício da rainha (por Jorge Barcellos)
O sacrifício da rainha (por Jorge Barcellos)
“Marchezan quer retirar, os direitos consagrados aos servidores no Plano de Carreira”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Jorge Barcellos (*)

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ao questionar o caráter de urgência de 16 projetos de lei encaminhados pelo governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) agiu em defesa da cidade e dos servidores. Foi derrotada em plenário e, agora, Marchezan vai a luta para aprovar seus PLs que deverão trancar a pauta no próximo dia 13 (quarta-feira) e seguir para votação no dia 18 (segunda-feira).

Ora, as Comissões são a instância que avalia os projetos na Câmara e ela avaliou que não era cabida a urgência. Segundo matéria do Sul21, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) encaminhou, em maio, um recurso em que afirma que “o Poder Executivo Municipal afronta a separação de poderes quando envia diversos projetos para o Parlamento, na sua maioria com pedidos de abreviatura do processo Legislativo, implicando cerceamento dos debates na pretensa alteração de códigos, leis e Lei Orgânica, além da mudança no cotidiano de diversos agentes das mais variadas camadas da sociedade”. O parecer foi de Adeli Sell contrário aos mesmos projetos que já haviam sido barrados pela oposição em abril de 2017. “Há um desmonte das políticas públicas, uma ausência de respostas, um ataque aos servidores”, afirma Melchionna. Ela está certa. E continua “Há um desmonte das políticas públicas, uma ausência de respostas, um ataque aos servidores. Como não estar revoltado com um governo que parcelou salários? Que não pagou planos de saúde? Que diz que não tem dinheiro, mas que aumentou mais de 200 cargos em comissão nos últimos meses?”

Diversos vereadores argumentaram em relação aos projetos na sessão desta quarta-feira passada. Entretanto, os discursos não assinalaram o mais importante, o que realmente está em jogo. É a lei 133/85, o Estatuto dos Funcionário Públicos Municipais. Aprovado no Governo Alceu Collares, foi o produto de um ano de discussões e democráticas entre servidores, governo e vereadores. Inspirado nos melhores Planos de Cargos e Salários da época, foi criado para sanar os problemas oriundos dos diversos planos que existiam na Prefeitura, organizando a carreira pública na cidade e reduzindo os custos gerais para administração.

A Lei 133/85 não é uma lei para servidores, é uma lei para a cidade ter uma máquina pública eficiente, eficaz e de qualidade, fixando o servidor na carreira com base em retribuições justas e valorização ao longo do tempo de serviço. A lei foi considerada um avanço notável em termos administrativos e teve como base a ideia de uma cidade melhor se faz valorizando o servidor.

Onde estamos hoje? O prefeito quer deliberadamente acabar com esta conquista da cidade. Marchezan quer retirar, um a um, os direitos consagrados aos servidores no Plano de Carreira. Que são direitos? Aquilo que advém da excelência do serviço prestado. A contrapartida de serviços públicos eficientes são planos de carreira justos que mantenham a dignidade salarial. O contrário só produz a precarização do serviço público e a ruptura do contrato de trabalho entre seus servidores e a administração. O Prefeito jura que é para os próximos servidores. Não é verdade. A proposta já vale para todos os servidores atuais.

A cidade perde mais de uma vez porque também há reflexos na economia. A perda é avaliada em 1 bilhão ao ano na economia local e exterminação de 40 mil postos de trabalho. As iniciativas também ferem a autonomia técnica, pois o servidor poderá ser chantageado pela administração, que poderá ameaça-lo de retirá-lo do regime caso não atenda a determinadas ordens, abrindo espaço a corrupção. É preciso garantir ao servidor as condições de defesa do interesse público pois os projetos do prefeito não apenas ameaçam o servidor colocando o poder de assédio na mão do administrador, ameaçam a cidade com a destruição da função pública.

Para o prefeito, a cidade é um jogo de xadrez e os projetos repetem, um a um, os movimentos da partida A Imortal, disputada em 1851 por Adolf Anderssen e Lionel Kieseritzky, considerada uma das partidas mais famosas de xadrez já disputadas. Ali foram sacrificadas, uma a uma, as peças mais importantes do jogo para garantir a vitória. Não é exatamente assim que age o prefeito, ele age não pensando na cidade, mas na vitória de seu projeto neoliberal? Cada jogada expressa pelos projetos é uma peça no xadrez do prefeito: o cavalo é o Estatuto, as torres é o IPTU e a rainha, os servidores. Tudo é pensado visando derrotar alguém, e agora, a bola da vez é o servidor público. São os direitos dos servidores que são como a Rainha, a peça mais importante no xadrez depois do Rei, pois sustentam a máquina pública e agora são o objeto de sacrifício, como a peça no jogo célebre, transformados em vitimas de uma jogada. A vitória é, neste jogo, apenas a do projeto neoliberal e a derrota, é a da cidade.

(*) Historiador, Mestre e Doutor em Educação. Autor de O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017), é colaborador de Le Monde Diplomatique Brasil e Sul 21. Mantém a coluna Democracia e política no Jornal O Estado de Direito e a página jorgebarcellos.pro.br.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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